Ah! o dinheiro… Um papo sobre finanças comportamentais

“Pensar em termos monetários, além de não colaborar para a melhoria de nossas decisões financeiras, ainda nos altera de forma profunda e, por vezes, problemática”. É com esta mensagem que Dan Ariely e Jeff Kreisler iniciam a discussão sobre finanças comportamentais em seu livro “Dollars and sense”, publicado em 2017 [1].

Embora o dinheiro em si seja algo aparentemente simples, assim que usamos o nosso passamos por uma transformação em que a simplicidade de cálculos numéricos dá lugar a uma complexidade de emoções que determina nosso comportamento de maneiras peculiares, das quais não nos julgaríamos capazes, e que frequentemente nos empurra para bem longe de nossos interesses declarados.

O curioso é que, geralmente, nós nos sentimos confiantes a respeito de nossa capacidade de precificar as coisas e, mais ainda, nossa habilidade de identificar bons negócios e aproveitá-los.

Imagine que você está chegando do supermercado com várias sacolas na mão – há itens de geladeira aí no meio – e, ao colocar a chave na fechadura de casa, ouve um ruído estranho e percebe que parte dela ficou presa lá dentro, quebrada. Você então chama um chaveiro para resolver o problema. No primeiro cenário, o profissional conserta a fechadura em meros 5 minutos e cobra R$ 100,00 pelo serviço; no segundo, o profissional leva 1 hora para finalizar o trabalho, cobrando também R$ 100,00.

‍Em qual das duas situações você consideraria mais justo pagar esse valor?

 

Se você é como a maioria das pessoas pesquisadas, sua resposta indica que o segundo profissional “merece” mais os R$ 100,00 do que o primeiro. Afinal, ele trabalhou mais.

Mas será que essa lógica está correta? Neste caso, o segundo profissional pode ter demorado mais simplesmente porque tinha menos habilidade ou não dispunha das ferramentas adequadas para consertar a fechadura – em outras palavras, você não estaria remunerando propriamente o “esforço adicional”, mas sim a incompetência ou a falta de planejamento.

A precificação de um serviço, portanto, não deveria ter nada a ver com o esforço (tal como horas de trabalho ou custo médio dessas horas) dedicado à sua conclusão. Pelo contrário: ela seria mais assertiva se remunerasse amaneira como esse serviço serviu ao nosso objetivo – no exemplo, entrar em casa o mais rápido possível para guardar as compras e descansar.

Pense em quantas vezes você gastou centenas de reais em um equipamento eletrônico, um item opcional para o carro ou alguma extravagância durante viagem, sem pensar muito no impacto que essa compra traria ao seu fluxo de caixa; agora pense em quantas vezes você dirigiu por mais três ou quatro quarteirões só para economizar R$0,10 no preço do combustível – uma diferença que, projetada no tanque cheio, fica entre R$5,00 e R$6,00.

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Será que temos usado nosso tempo corretamente quanto o assunto é dinheiro?


Segundo Ariely (2008): “Nós não possuímos uma régua interna capaz de dizer quanto cada coisa vale. Em vez disso, focamos na vantagem relativa de uma coisa sobre a outra, e a partir daí estimamos seu valor”. Há, portanto, uma relação precária entre a racionalidade que julgamos ter e as decisões que tomamos a respeito do dinheiro. E a maioria delas, como veremos a seguir, passa pelo campo das emoções e sentimentos.

Por que os meios de pagamento são cada vez mais abstratos?

No passado, tínhamos de pagar nossas compras com dinheiro em espécie, havendo assim um conjunto de ações muito concretas envolvidas nessa transação: tirar a carteira do bolso, abrir o compartimento de cédulas, pegar um punhado de notas, contá-las, entregar a quantia ao vendedor e, por fim, guardara carteira de volta, agora menos “recheada”. Essa sequência, aparentemente trivial, trazia consigo um símbolo importante: elas indicavam de maneira inequívoca que estávamos gastando dinheiro, nosso dinheiro, pois víamos uma determinada quantia literalmente sair de nosso bolso em direção à gaveta da caixa registradora desse comércio.

O resultado é algo que as Ciências Comportamentais chamam de “dor de pagar”: sempre que desembolsamos uma quantia, seja ela direcionada a uma compra útil e extremamente satisfatória ou a algo frugal, nosso cérebro ativa algumas respostas químicas que provocam desconforto. Com o perdão do trocadilho: gastar dinheiro é desgastante.

Mesmo o cartão de crédito, antigamente, tinha um pouco dessa sensação: nós o entregávamos ao lojista, que o passava por uma máquina munida de papel carbono, emitindo assim três vias de comprovação da venda, assinadas pelo portador. Só depois recebíamos o plástico de volta para guardá-lo na carteira.

 

Hoje, porém, as transações financeiras assumem formatos cada vez mais abstratos. Se por um lado essa virtualização simplifica e acelera o processo, por outro ela suprime uma espécie de “proteção natural” que tínhamos.

Das máquinas de cartão de crédito, como esta da figura acima, passamos para cartões magnéticos; destes para os cartões com chip; a partir da internet e advento do e-commerce, vieram os cartões virtuais, dedicados a compras online; seguidos pelos meios de pagamento contactless (popularizados agora, com a pandemia, já que evitam o contato com as teclas da máquina); e, por fim, as carteiras virtuais, um tipo de conta corrente que pode ser associada a sites e lojas, que realizam assim movimentações automáticas.

Observe que o processo, além de digital, foi desvinculado quase totalmente da sensação de compra e, por conseguinte, da dor de pagar. Quando apontamos nosso celular para um QR Code que, por sua vez, debita uma quantia correspondente do saldo disponível em uma carteira virtual, não nos damos conta desse dispêndio. É como se a transação econômica não tivesse existido – ao menos, não para o nosso cérebro envolvido no piloto automático (leia mais aqui sobre o Sistema 1) e para as nossas emoções.

Segundo diversos experimentos conduzidos por Ariely, o impacto dessa transição dos meios de pagamento físicos para os 100% digitais provoca sérias mudanças de comportamento de consumo. Usando cartões de crédito, por exemplo, as pessoas geralmente gastam mais, fazem compras maiores e deixam gorjetas mais altas. Adicionalmente, tendem a subestimar ou até ignorar a evolução de gastos ao longo do mês.

Você já deixou de conferir o extrato do seu cartão de crédito no app por medo de descobrir que gastou mais do que deveria?

 

Dupla ilusão no tempo

Além dos pontos tratados anteriormente, a utilização do cartão de crédito nos torna sujeitos a duas ilusões:

1. Quando efetuamos a compra, pois temos a sensação de que o pagamento só acontecerá “lá na frente”, visto que o desembolso financeiro é efetivado apenas na data de vencimento da fatura (a menos que, por alguma razão, você decida antecipá-lo). Dessa forma, ficamos com a falsa percepção deque a transação ainda não foi consumada e, consequentemente, de que o valor ainda não foi comprometido;

2. Pouco depois de efetuarmos a compra, já que somos tomados pela sensação de que “já está pago”, mesmo ainda não tendo desembolsado o valor da fatura

Essa combinação ilusória reduz nossa dor de pagar, na medida em que trabalha as diferenças temporais existentes entre a compra, o fechamento da fatura e o pagamento propriamente dito. E embora isso nos permita aproveitar melhor a compra – como veremos a seguir –, é também um caminho perigoso para o descontrole financeiro, por permitir que essa satisfação resulte em gastos mais frequentes e maiores.

Como (não) estragar uma viagem de férias

Vamos supor que você vai sair de férias e passar duas semanas em um resort cinco estrelas. Para isso, você está organizando sua reserva pela internet, através de um site de viagens. Lá você se depara com três opções de pagamento:

1. Total antecipado: nesta opção, você tem de quitar 100% do valor da reserva online e até um dia antes do check in. A partir daí, não haverá mais nenhuma cobrança: durante sua estadia, você poderá consumir tudo o que quiser (all-inclusive) e, no check out, apenas devolver a pulseira de acesso e ir embora;

2. Postecipado: você já sabe o valor total da hospedagem, mas todos os outros custos – a cerveja tomada à piscina, o sorvete, o couvert artístico do jantar e assim por diante – serão apurados no momento do check out. Dessa forma, sua última experiência no hotel será conferindo uma lista com todo esse detalhamento de consumo. Ao final, você assina o documento e passa o cartão de crédito, podendo parcelar a compra;

3. No ato: no momento do check-in o atendente confere seus documentos, entrega a pulseira de acesso e já cobra a primeira diária. A partir daí, e cada vez que você consumir algo, um funcionário do hotel virá com a maquininha de cartão de crédito para que o pagamento seja realizado na hora. Isso significa que, durante o check out, você só precisará devolver a pulseira e ir embora; mas também que você terá de andar o tempo todo com sua carteira por perto, pois a cada cerveja, sorvete, cafezinho, garrafa d’água, drink etc., você terá de tirá-la do bolso, sacar o cartão de crédito e digitar sua senha.

Qual dos três formatos proporcionaria a melhor experiência de viagem? E a pior?

 

 

Pagar por uma experiência de forma antecipada pode causar certo desconforto no momento da finalização da compra. Entretanto, assim que você chegar ao resort, ciente de que não haverá mais nenhuma cobrança ao longo das próximas duas semanas, seu cérebro sentirá um grande alívio por não precisar mais pensar em dinheiro. Aqui, a ilusão de que “já está pago” fortalece a satisfação a respeito da viagem e nos permite aproveitar melhor esse tempo, livres de preocupações financeiras. Mesmo que isso seja uma situação ilusória, devemos ter em mente que viagens como essa não acontecem o tempo todo. Por isso mesmo, precisamos buscar recursos – especialmente os emocionais e psicológicos – que nos permitam tirar o máximo dessa oportunidade. A alternativa 1, portanto, é a que potencializa a experiência positivamente.

Do lado oposto, temos a opção 3. Neste modelo, a dor do pagamento é reforçada a todo instante: desde nossa chegada, quando temos de desembolsar um valor significativo referente à primeira diária (e todos os impostos e taxas associados), e durante cada micro consumo, tornando o pensamento sobre dinheiro, e todas as ponderações de custo-benefício associadas a ele, uma constante. Imagine-se sentado à beira da piscina da foto, com uma vista belíssima da praia, tendo de decidir se realmente vale a pena pagar R$ 17,00por uma garrafa de água que custaria, na pior das hipóteses, R$ 5,00 no mercado do bairro em que você mora. Essas pequenas decisões de compra acumulam-se na forma de uma tortura psicológica, e o resultado é uma viagem de férias miserável.

 

Por que tudo isso importa

Gary Belsky e Thomas Gilovich recontam a fábula em que um homem foi ao cassino e decidiu apostar na roleta os US$5 que trazia no bolso. Por um golpe de sorte – ou qualquer outro termo que você prefira para explicar esta situação –, ele começou a ganhar jogada após jogada, a ponto de acumular quase US$300 milhões em pouco mais de uma hora.

Porém, logo em seguida, ele resolve apostar tudo em uma última rodada; e perde a quantia inteira. Chegando ao hotel, e questionado por sua esposa sobre como tinham sido suas apostas, ele responde: “Perdi US$5”.

Nossa relação com dinheiro é complicada. Incapazes de avaliar todas as opções disponíveis para calcular o valor real das coisas, nós nos resignamos a comparações simples – e muitas vezes desconexas. Fora isso, fatores emocionais e perspectivas míopes fazem com que tomemos decisões equivocadas:

Lembre-se da última vez em que você ganhou um vale presente. Normalmente, as pessoas usam o saldo desse cartão para adquirir itens e serviços que elas não comprariam se tivessem de desembolsar aquantia elas mesmas, isto é, debitá-la de seus salários. Temos a impressão – esquisita, você há de concordar – de que o dinheiro representado pelo vale presente não faz parte do nosso conjunto de receitas e, justamente por isso, pode ser gasto de um jeito mais frívolo.

É comum comemorarmos uma economia como, por exemplo, não ter tomado café na rua esta semana, com um gasto desnecessário (a compra de uma revista), invalidando assim, sob o ponto de vista financeiro, o benefício de ter gastado menos dinheiro.

Quando o assunto são decisões financeiras, devemos ter em mente o custo de oportunidade. A menos que você seja bilionário(a), a compra deum bem ou serviço implica diretamente na impossibilidade de adquirir outro bem ou serviço de igual valor. Afinal, nosso patrimônio é finito.

Por esta razão, a forma ideal de lidar com dinheiro tem a ver com esse olhar para todas as coisas de que abrimos mão quando desembolsamos uma determinada quantia. Se o benefício dessa compra – a utilidade, a satisfação, o prazer – for suficientemente alto em relação ao que está sendo deixado de lado, então, siga em frente. Do contrário, atenção: podemos estar fazendo um mau negócio.

 

Saiba mais em:

[1] Ainda sem tradução para o português.

ARIELY, Dan. (2008). Previsivelmente irracional – como as situações do dia a dia influenciam as nossas decisões. Rio deJaneiro: Alta Books.

ARIELY, Dan& KREISLER, Jeff. (2017). Dollars and sense: how we misthink money and howto spend smarter. Harper, Illustrated.

BELSKY, Gary& GILOVICH, Thomas. (2010). Why smart people make big money mistakes… andhow to correct them. Lessons from the Life-Changing Science of Behavioral Economics. New York: Simon & Schuster.

DOS SANTOS, Edson Luiz. (2014). Do escambo àinclusão financeira: a evolução dos meios de pagamento. São Paulo: Linotipo Digital.

Leia Mais

A roda do futuro

Muito além da ficção científica

Sistema Solar, ano 2120. Um grupo de empreendedoras e algoritmos representados por seus avatares humanos discute a viabilização de frotas interespaciais capazes de despachar artefatos terrestres dentro de apenas um dia útil – em Marte! O setor de turismo agora oferece experiências cósmicas: um pacote para dois adultos, uma criança e seis robôs permite assistir ao equinócio terrestre a partir de um resort em órbita – e dizem que o panorama é deslumbrante. Enquanto coloco minha xícara de café na desimpressora [1] observo a trajetória subaquática de uma baleia pré-histórica, pela sua própria perspectiva, como se estivesse agarrado a ela.

Mais do que ficção científica, imaginar o futuro tornou-se uma ferramenta estratégica de alta importância: todos nós, pessoas e empresas, precisamos desenvolver e praticar um olhar crítico para além de nosso tempo, projetando possibilidades (tecnológicas, sociais, culturais, humanas). Assim, vislumbrando caminhos à frente, somos capazes de agir de forma a garantir nossa perenidade e relevância frente às transformações – que, convenhamos, acontecem cada vez mais rápido.

Oportunidades ilimitadas

Pensar o futuro abre um leque infinito de oportunidades, mas pode ser um exercício desafiador: normalmente, ao discutir cenários e suas consequências, as pessoas tendem a se pronunciar de maneira contida, levantando aspectos vagos, características incompletas ou fatos confusos demais para serem analisados.

Por isso, em 1971, Jerome Glenn, futurista americano nascido no dia em que a segunda bomba nuclear nascido na trágica data em que a segunda bomba nuclear foi detonada [2], concebeu uma ferramenta para extrair esses resultados através de uma espécie de brainstorming estruturado – porém, sob a ótica do que poderia acontecer no futuro.

Preocupado em oferecer algo suficientemente intuitivo, a chamada “roda do futuro” (originalmente: futures wheel) representa um método poderoso para identificar consequências primárias, secundárias e terciárias de qualquer evento, situação emergente ou decisão futura, incentivando a busca por impactos e alternativas. Ademais, esta é uma forma de deixar o pensamento linear, hierárquico e simplista de lado em prol de uma visão mais orgânica, orientada a redes e a complexidade de relacionamento entre suas partes.

‍Alô, alô! Planeta Terra chamando!

Antes de começar nosso exercício, tenha em mente que a rodado futuro requer as mesmas características de facilitação e colaboração de um brainstorming tradicional – caso você precise de algumas dicas, clique aqui e aqui para acessar nossos artigos sobre o tema. Duas outras premissas são importantes:

nenhuma ideia deve ser julgada. Estamos falando sobre o futuro, uma abstração da mente humana composta, essencialmente, por incertezas. Sendo assim, não faz sentido discutir se algo é ou não factível. Mesmo ideias completamente absurdas – ao menos sob uma perspectivado nosso mundo contemporâneo – devem ter o mesmo peso de qualquer outra. Eventualmente, elas poderão ser refinadas ou integradas e, de repente, tornarem-se muito mais plausíveis (e até prováveis);

não existem limitações. Tecnologia, budget, horas de trabalho, espaço, seja-lá-o-que-for: nada dever ser um empecilho para a sua ideia. Resgatemos o nostálgico Lucas Silva e Silva [3],criando nosso próprio mundo da Lua, “onde tudo pode acontecer”. Durante a sessão, portanto, todos os seus recursos devem ser considerados infinitos.

Acelerando o tempo em 50, 100 anos!

Desenhar a roda do futuro é simples: comece identificando o cenário que será abordado. Conforme nosso exemplo inicial, vamos falar em logística:

 

A partir daí, crie esferas representando possibilidades ainda inexistentes para esse cenário. Costumo pedir que participantes pensem em como as coisas serão daqui a, no mínimo, 50 anos.

Deixo aqui minhas contribuições para o próximo blockbuster distópico – caso tenha interesse em conhecer mais detalhes sobre essas perspectivas, leia o Anexo 01:


Legenda:

01 – Entregas interplanetárias: cápsulas espaciais

02 –Oceanovias: túneis subsquáticos

03 –Teletransporte: impressoras multissentido super-rápidas

04 – Morfeu: experiências oníricas imersivas

05 –Inse-tech: nanopartículas carregadas por insetos

Importante: observe que essas perspectivas provavelmente não sobreviveriam a uma análise crítica focada no que é possível fazer hoje. Entretanto, estamos falando de 50 anos de avanços científicos, totalmente imprevisíveis, que podem torná-las todas as próximas etapas de troca de serviços e mercadorias no futuro da humanidade. Sendo assim, continuamos com o exercício satisfeitos de nossas contribuições.

O próximo passo são os desdobramentos de cada uma das esferas que criamos no item anterior. Agora, no entanto, não desejamos novas possibilidades (elas fazem parte apenas das esferas de primeiro nível); queremos questões contextuais que tragam mais detalhes sobre como cada uma dessas possibilidades afetaria a vida – no caso, em 2070:


A partir daí, e rumo ao terceiro nível, discutimos as implicações de cada desdobramento. Com isso, nosso panorama do futuro ganha relações de causa e consequência, além de apresentar interrelações e possibilidades complementares ou conflitantes:

Neste ponto, é bem provável que o facilitador(a) tenha de priorizar alguns caminhos em detrimento de outros, já que o modelo passa a ficar bastante grande. Logo, é importante definir (antecipadamente) formas de votação que permitam a todos legitimar o caminho mais relevante a ser desbravado.

De acordo com a configuração do grupo e seus participantes, pode ser necessário distribuir pesos diferentes durante essas votações: uma investidora que acabou de aportar US$ 1 milhão na empresa talvez seja elegível a dois votos, em vez de um – garantindo, ainda que parcialmente, que a continuidade do projeto estará alinhada a seus interesses e expectativas. Esta opção, no entanto, pode ser ambígua, na medida em que torna o grupo mais sujeito a perspectivas enviesadas ou que não necessariamente contribuirão para a melhoria, crescimento e inovação. Ao final, teremos um modelo parecido com este:

Em que as esferas verdes (N2) representam desdobramentos e contexto, e as esferas laranja (N3), implicações e consequências. A relação entre possibilidades, N2 e N3 não é obrigatoriamente 1 para 1, cabe uma análise das interseções que podem acontecer.

Ao final deste exercício, talvez tenha surgido uma dúvida a respeito de “onde ele vai parar”. Nada impede que você inclua ainda mais detalhes, desdobrando o método em um quarto ou quinto nível. O problema é que a organização visual e as discussões a respeito de causalidade podem acabar se tornando complexas demais, prejudicando o andamento da dinâmica.

Se isso ocorrer, é preferível definir o terceiro nível como o último e, caso o grupo demonstre interesse em seguir adiante (e o escopo definido para o trabalho assim o permitir), transformar a roda do futuro em uma espécie de roteiro de ficção científica – falaremos sobre essa técnica com mais detalhes em outra ocasião –,criando assim um enredo social, econômico, cultural, tecnológico, ético etc. a respeito dessas possibilidades futuras.

Roda do futuro e também da fortuna

Pense comigo: os carros do futuro precisarão de pneus? A resposta para esta pergunta vale US$ 2.54 bilhões [4] para a Goodyear. Visa e Mastercard, por exemplo, têm enorme interesse em projetar o futuro dos meios de pagamento; se eu pudesse imprimir qualquer coisa em minha casa a partir de uma impressora multidimensional – e multissentidos, como mencionamos anteriormente –, qual seria o impacto econômico às empresas de e-commerce? E ao mercado de trabalho como um todo, considerando as dezenas de milhões de pessoas pelo mundo que atuam nesse segmento?

Discutir – não se trata de prever! – o futuro é, portanto, uma ferramenta de extrema importância, e será questão de sobrevivência em determinados momentos. Deixo aqui, então, uma provocação a ser levantada ao final da dinâmica: o quanto estamos preparados para enfrentar esses cenários futuros que acabamos de vislumbrar?

Anexo 01

‍Roda do futuro: outros modos de usar

De acordo com o próprio Jerome Glenn, a roda do futuro pode ser usada para:

– pensar possíveis impactos delongo prazo causados por tendências ou situações atuais;

– organizar ideias sobre evento sou tendências futuras;

– trabalhar com previsões decenários alternativos;

– discutir interrelações complexas;

– demonstrar oportunidades de pesquisa futuras;

– desenvolver vários conceitos a partir de uma tendência ou evento inicial;

– fomentar o pensamento sobre o futuro em grupos de inovação, estratégia organizacional, dentre outras áreas;

– fomentar uma perspectiva consciente a respeito do futuro;

– apoiar sessões de brainstorming com mais liberdade de participação;

– mitigar riscos, especialmente o de ser “pego de surpresa” em um mercado em rápidas transformações

Anexo 02

Realinhando a órbita dos planetas

 

Ao longo da facilitação de uma roda do futuro, você pode se deparar com situações que, se não forem prontamente corrigidas, transformarão o exercício em uma mera projeção de como tecnologias e cenários atuais podem se desdobrar ao longos dos próximos… dois ou três anos. Como este não é o objetivo, separamos algumas dicas para contribuir com o sucesso da sua jornada:

– futuro, mas nem tanto: é bastante comum que as primeiras ideias levantadas pelo grupo sejam desdobramentos temporais muito mais próximos do que os 50 anos propostos pelo exercício. Como orientar sem julgar? Com base em nosso cenário sobre logística, alguém pode sugerir, por exemplo, entregas por drones. A tecnologia de drones já existe, e há diversos testes de entrega em domicílio sendo realizados com esse tipo de equipamento (surpreenda-se (ou não) com este). Logo, não é um caminho muito inovador para o nosso horizonte de meio século. Sempre que isso ocorrer, incentive um olhar mais além, começando por formas de ressignificar essa primeira ideia, empurrando-a mais a frente, na linha do tempo. Repita essa provocação até que a sugestão se liberte de suas raízes naquilo que já é factível no presente (ou uma tendência que já desponta como provável para os próximos anos);

– mapa mental: Alguns participantes sugerem o desmembramento completo de cada possibilidade antes de prosseguir com a demais. Isso dá ao método ares de mapa mental. Uma das grandes vantagens da roda do futuro é o desenvolvimento de visões sistêmicas – competência que repetidamente aparece na lista das 10 mais para os profissionais do século XXI. Sendo assim, evite esta rota e explique, logo no início da sessão, que o preenchimento acontecerá por círculos concêntricos, começando de dentro para fora:


– briefing: a menos que esteja sendo usada unicamente como uma ferramenta de brainstorming para exercitar o pensamento sistêmico e colaborativo, nunca abra mão do briefing com os sponsors ou organizadores da sessão. Esta conversa vai indicar os fatores críticos de sucesso e ajudar o facilitador a conduzir a discussão rumo a esse objetivo;

– versão 2.0: alguns anos após a elaboração do método, Jerome Glenn resolveu atualizá-lo com uma nova possibilidade: a discussão a partir de esferas de impacto específicas. Embora bem menos usada que a original, esta versão pode oferecer respostas interessantes, especialmente se a prototipação faz parte do escopo. Neste caso, teríamos algo como:

Anexo 03

Distopias tiago-rodriguianas

– entregas interplanetárias: cápsulas com propulsão de altíssima eficiência, estabelecendo uma rota de entregas entre a Terra e Marte (com possibilidade de conexão na Lua, agradando também àqueles que preferem conhecer com calma o que tem pelo caminho). Essa esfera viabilizaria a colonização deste último, visto que insumos e matérias-primas poderiam ser recebidos em pouco tempo, reduzindo assim o efeito de potenciais hostilidades oriundas do planeta vermelho;

– oceanovias: túneis subaquáticos ligando todos os portos do mundo. Em vez de navios cruzando distâncias enormes sobre a superfície do mar, sujeitos às mais ferozes reações da natureza, poderíamos ter um novo conceito de embarcação, flutuando pelo vácuo;

– teletransporte: impressoras capazes de construir e reconstruir não apenas objetos físicos, mas experiências sinestésicas, envolvendo os outros quatro sentidos. Ao comprar um caju nordestino, por exemplo, o vendedor “desimprime” a fruta em sua máquina que, por sua vez, mapeia toda sua composição, a fim de que eu possa reconstruí-la em minha casa, em São Paulo, aproveitando inclusive seu aroma e sabor;

– MorfEu: o terreno fértil dos sonhos ganharia um aliado cinematográfico, capaz de projetar ao longo do meu sono, experiências imersivas completas. Por exemplo: visitas a países e planetas estrangeiros, com certo nível de autonomia, em que pudesse escolher aventuras, degustação de pratos, bebidas, interação com pessoas nativas, presença em espetáculos – tudo construído como um roteiro, a partir de experiências reais;

– Inse-tech: nanopartículas contendo elementos essenciais para nutrição, fertilização, recuperação e semeação de terrenos, instaladas em e transportadas por insetos. A partir do fluxo dessas colônias, seria possível estudar, proteger e revitalizar áreas inteiras.

Saiba mais em:

[1] Eletrodoméstico inventado no início do século XXII que decompõem objetos em suas partículas elementares, se retroabastecendo de matéria-prima para fabricar outras coisas, conforme necessidade.

[2] A segunda bomba nuclear foi lançada sobre a cidade de Nagasaki em 9 de agosto de 1945.

[3] Ocasionalmente, o artigo fará alguns movimentos para trás, de volta ao passado.

[4] Calculado com base no preço de fechamento do mercado acionário em 17 de dezembro de 2020.

DUNNE, Anthony, RABY, Fiona. (2013). Speculative everything: design, fiction and social dreaming. Massachusetts: MIT Press.

MCGONIGAL, Jane, in: Coursera. (2020). “Collaborative foresight: how to game the future.

MOOC disponível em: https://www.coursera.org/learn/collaborative-foresight

MILLER, Riel. (2018). Transforming the future: anticipation in the 21st century. Routledge. Disponível gratuitamente para o Kindle – clique aqui.

Leia Mais

Li e concordo: a maior mentira da internet

Todos nós já passamos por isso: ao nos cadastrarmos em um serviço, preenchemos certas informações pessoais e, logo a seguir, nos deparamos com uma lista enorme, contendo todas as condições de uso imagináveis. Depois, rolamos a tela para baixo, clicamos em “Li e concordo”, e começamos a usá-lo, indiferentes a possíveis coletas de dados ou outros tipos de nuance.

Você já se perguntou o quão longos são esses termos e políticas de uso, nos principais serviços online? O artista Dima Yarovinsky já e até os transformou em arte [1]. Os resultados, impressos em folhas A4 e fonte padrão, são ao mesmo tempo fascinantes e paradoxais: tudo está lá — desde o armazenamento de dados pessoais até estratégias de anúncios e permissões para usar qualquer conteúdo que você compartilhe, inclusive em canais ainda inexistentes. Mas só porque tudo está lá, negligenciamos essas informações, concordando com cláusulas que não nos preocupamos em ler.

Esta questão não é exclusiva do mundo online: termos de uso de software, apólices de seguro, contratos de locação de imóveis e manuais de carro também se juntam a essa literatura técnica, não tão inspirada. Um estudo recente da Bristol Street Motors, por exemplo, levantou que o manual do Audi A3 possui 167.699 palavras [2]. Considerando a velocidade média em que um adulto consegue ler, isso representa 11 horas e 45 minutos — ou 49 minutos a mais do que levaria para concluir “O Senhor dos Anéis: as duas torres”, de J. R. R. Tolkien. Um número alarmante, se comparado a nossa média de leitura semanal (16 minutos) [3].

 

A natureza humana em relação ao conhecimento

O professor Donald O. Case e colegas afirmaram que “Muitos estudos iniciais de comunicação (…) assumiram que os indivíduos buscam, ou pelo menos prestam alguma atenção, às fontes de informação. Essa suposição está enraizada na cultura ocidental, pelo menos desde a afirmação de Aristóteles de que ‘todos os homens, por natureza, desejam saber’”. Sob esta ótica, a busca por informação seria um aspecto intrínseco da natureza humana [4,5].

 

 

No entanto, as evidências não necessariamente apoiam a ideia de que as pessoas sempre buscam informações quando estas lhes são benéficas. Um trabalho de pesquisa de Golman, Hagmann e Loewenstein apontou que as pessoas, por vezes, evitam informações, mesmo quando elas “são úteis, livres e independentes de considerações estratégicas” [6]. Abraham Maslow também escreveu sobre este ponto, dizendo que nós podemos buscar conhecimento para reduzir a ansiedade, como também evitá-lo pela mesma razão [7].

Em um experimento com participantes de seis países que mantinham um diário com os pensamentos e atividades relacionadas à informação, Bhuva Narayan e colegas identificaram que, às vezes, quando as informações podem causar desconforto mental ou aumentar a incerteza, as pessoas tendem a evitá-las [8]. Assim, entender por que as pessoas buscam alguns tipos de dados e evitam outros pode ajudar governos e empresas a projetar melhores sistemas e aprimorar a experiência geral do cliente.

Sobrecarga de informações

Em 2012, um projeto chamado “Muito longo, nem li” (do acrônimo em inglês TL; DR – Too long; didn’t read) foi criado para corrigir o que seus autores classificaram como “a maior mentira da internet”, ou seja, o fato de que quase ninguém lê os termos de serviço com os quais concordam. Esta iniciativa analisa termos de uso e políticas de privacidade de vários sites, classificando-os de A (muito bom) para E (muito ruim) [9].

Mas por que exatamente não lemos esses detalhes quando eles poderiam nos ajudar a entender as características dos serviços e produtos que estamos prestes a usar? Afinal, a maioria das empresas declara tudo isso explicitamente.

O psicólogo Barry Schwartz levantou uma hipótese: em sua TED Talk, explicou que a sobrecarga de informações muitas vezes traz paralisia em vez de liberdade de escolha. Com base em vários experimentos, descobriu que, embora as pessoas geralmente desejem mais opções e detalhes, elas também querem simplificar suas vidas. Ter mais opções, então, contribui para um efeito cumulativo na tomada de decisão que causa ansiedade e angústia [10].

Sheena Iyengar e Mark Lepper testaram uma abordagem semelhante: a partir de quiosques de degustação da geleia Wilkin & Sons dispostos em supermercados, observaram quantas pessoas parariam, provariam e comprariam o produto. A diferença: enquanto uns ofereciam 6 sabores, outros dispunham de 24 variedades. Os resultados indicaram que os quiosques com mais opções atraíram mais consumidores (60%). No entanto, apenas 3% deles compraram a geleia, em comparação com os quase 30% que o fizeram na condição de escolha limitada. Dessa forma, os pesquisadores sugerem que uma grande variedade de opções pode ser mais atraente no início, mas também pode reduzir a motivação intrínseca ao comportamento de compra subsequente [11].

Um exemplo pessoal: meu smartphone recentemente atualizou sua principal ferramenta de gerenciamento de downloads. Quando eu a acessei, um pop-up informou que a política de privacidade tinha sido alterada, solicitando que eu a lesse. Ok… até eu perceber que o documento tinha 19 páginas (8.246 palavras, ou 27 minutos de leitura) e nenhuma pista sobre quais cláusulas realmente mudaram. Embora este documento fornecesse informações essenciais sobre a privacidade dos dados, era difícil encontrar a motivação para analisar seu conteúdo. E as consequências podem variar de dados pessoais compartilhados com terceiros, questões de direitos autorais em arquivos armazenados e até processos judiciais.

Portanto, quando as empresas fornecem quantidades enormes de informação, especialmente se estas não estiverem categorizadas e destacarem as principais ideias tratadas, elas sobrecarregam os usuários com detalhes que estes talvez nem queiram saber — seja naquele momento ou em qualquer momento posterior [12,13].

Sludges: como corrigir esses termos

Richard Thaler e Cass Sunstein, economistas comportamentais responsáveis pela Teoria dos Nudges, enfatizaram como esse tipo de intervenção pode ajudar as pessoas a tomar melhores decisões [14]. Nudges são incentivos simples e baratos, projetados para apoiar a tomada de decisão nos contextos em que vieses, hábitos e atalhos mentais podem nos levara resultados sub ótimos. Eles se baseiam, portanto, em princípios comportamentais e não promovem alterações significativas nas motivações financeiras. Opções padrão que inscrevem trabalhadores em programas de previdência, lembretes para consultas médicas e adesivos mostrando o caminho para a lixeira mais próxima, por exemplo, são todos tipos de nudges; uma multa por jogar lixo no chão, não.

Contudo, e junto aos nudges, uma abordagem com objetivos opostos foi criada: “(…) situações em que essas variáveis contextuais dificultam atividades que são do interesse dos consumidores, resultando em uma redução do seu bem-estar. Elas são conhecidas como sludges [15]. Nas palavras de Sunstein, ‘Consumidores, funcionários, estudantes e outros são frequentemente submetidos a sludges: atritos excessivos ou injustificados, processos burocráticos que custam tempo e dinheiro e dificultam a vida, etapas frustrante sou humilhantes e que podem acabar privando as pessoas de acesso a bens, oportunidades e serviços importantes” [16].

Alguns sludges podem ser propositais para causar confusão e ambiguidade, ou levar os consumidores a escolhas que não são de seu melhor interesse. Outros, no entanto, podem ser criados sem querer, seja porque a equipe de desenvolvimento estava muito próxima de seu produto ou serviço para notar pontos de atrito, ou porque as empresas não analisaram minuciosamente todas as interações envolvidas.

Em um relatório recente intitulado “Seeing Sludge”, o cientista comportamental Dilip  Soman e seus colegas defendem que “as organizações devem ter em mente que estão projetando para seres humanos que são cognitivamente preguiçosos, esquecidos, emocionais e míopes (…)”. Consequentemente, eles criaram um dashboard para ajudaras empresas a revisar processos, comunicações e inclusão, e assim maximizar a eficácia sob a perspectiva do usuário final, simplificando sua jornada [15].

 

Esta ferramenta contém blocos de verificação para cada um dos três aspectos e apoia na identificação e ajuste desses pontos de fricção. Por exemplo:

 

–         Os canais para realizar a tarefa são fáceis de usar ou requerem múltiplas interfaces e múltiplas interações?

–         Quantas atividades ou etapas exclusivas são necessárias para completar uma tarefa?

–         Com quantas entidades distintas o usuário final precisa interagir para completar a tarefa?

–         Algumas partes do processo interferem com outras?

Este painel deve ser usado como um esforço inicial para rever as três esferas. Os autores também recomendam que as organizações criem equipes dedicadas e personalizem seus próprios dashboards, melhorando assim o relacionamento com os clientes. Afinal, é do seu próprio interesse que as interações corram sem atrito, e os usuários atinjam seus objetivos ou tarefas da maneira mais simples possível.

Essa estratégia também se estende à divulgação de informações, já que listar todos os termos em um documento longo e chato não ajuda as partes a estarem totalmente alinhadas em condições e políticas. “Sabemos que o cérebro humano é particularmente eficiente no processamento de informações estruturadas, lineares e que assumem a forma de listas de verificação concretas, em vez de informações idênticas que são apresentadas em um bloco de texto” [15]. O mero ato de dividir informações em blocos distintos, resumir seu contexto e usar referências de fácil acesso pode, então, aumentar o engajamento do usuário [17,18], a consciência sobre as informações, além de evitar mal-entendidos ou expectativas frustradas — uma situação ganha-ganha.

 

Conclusão

Soman e colegas destacam que “encontrar e corrigir os sludges envolve uma apreciação do fato de que coisas aparentemente irrelevantes importam. Somente se desenvolvermos o hábito de pensar nos detalhes e procurar as pequenas coisas que podem criar fricção, teremos sucesso no desenvolvimento de organizações mais compatíveis com o ser humano”. Assim, podemos apoiar nossas organizações com ferramentas como o dashboard de Soman para construir uma nova perspectiva sobre como implementar produtos e serviços, garantindo que as informações relevantes sejam acessíveis realmente acessadas.

 

Referências:

  1. Designboom. (2018). Artist visualizes the lengthy terms of services of large corporations like Facebook and Instagram.
  2. Bristol Street Motors. (2020). Car handbooks are longer than many famous novels – have you read yours?
  3. American Academy of Arts & Sciences. (2018). Time spent reading.
  4. Case, D. O., Andrews, J. E., Johnson, J. D., & Allard, S. L. (2005). Avoiding versus seeking: the relationship of information seeking to avoidance, blunting, coping, dissonance, and related concepts. Journal of the Medical Library Association : JMLA, 93(3), 353–362.
  5. Aristotle. (1984). Complete works of Aristotle: the revised Oxford translation. New Jersey: Princeton University Press.
  6. Golman, R., Hagmann, D., & Loewenstein, G. (2017). Information avoidance. Journal of Economic Literature, 55 (1): 96-135. DOI:10.1257/jel.2015124.
  7. Maslow, A. H. (1963). The need to know and the fear of knowing. Journal of General Psychology 68 (1): 111–25.
  8. Narayan, B., Edwards, S. L., & Case, D. O. (2011). The role of information avoidance in everyday-life information behaviors. In Proceedings of the 74th ASIS&T Annual Meeting, ASIST, New Orleans Marriott, New Orleans.
  9. ToS;DR Team. (n.d.). Terms of service; Didn’t read.
  10. Schwartz, B. (2005, July). The paradox of choice [Vídeo]. TED: Ideas worth spreading.
  11. Iyengar, S., & Lepper, M. (2000). When choice is demotivating: can one desire too much of a good thing? Journal of Personality and Social Psychology, 2000, Vol. 79, No. 6, 995-1006.
  12. Schwartz, B., Ward, A., Monterosso, J., Lyubomirsky, S., White,     K., & Lehman, D. (2002). Maximizing versus satisficing: happiness is a matter of choice. Journal of Personality and Social Psychology, Vol. 83,     No. 5, pages 1178–1197; 2002.
  13. Schwartz, B. (2016). The paradox of choice: why more is less, Revised edition. New York: Ecco.
  14. Thaler, R., & Sunstein, C. (2009). Nudge: improving decisions about health, wealth, and happiness. Penguin Books.
  15. Soman, D., Cowen, D., Kannan, N., & Feng, B. (2019). Seeing Sludge: towards a dashboard to help organizations recognize impedance to end-user decisions and action. Behavioural Economics in Action at Rotman, September.
  16. Sunstein, C. R. (2019). Sludge and ordeals. Duke Law Journal, 68, 1843-1882. doi:10.2139/ssrn.3288192.
  17. Bhargava, S. & Manoli, D. (2015). Psychological frictions and the incomplete take-up of social benefits: Evidence from an IRS field experiment. American Economic Review, 105(11), 3489-3529. doi:10.1257/aer.20121493.
  18. Manoli, D. S., & Turner, N. (2014). Nudges and learning: Evidence from informational interventions for low-income taxpayers. NBER Working Paper, No. 20718.

 

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Criatividade: modo de usar

Antes de falar sobre criatividade, precisamos quebrar alguns paradigmas: crenças limitadoras que distorcem nossa percepção acerca de nós mesmos e de nossas capacidades. Vamos a eles:

-criatividade é uma habilidade inata a algumas pessoas;

-ideias originais têm necessariamente de ser criativas;

-a criatividade é, em geral, um “momento Eureka!”;

Preparado(a)?

Então:

 

Todos nós somos criativos(as). O problema é que, na correria cotidiana – e naquilo que o filósofo sul-coreano Byung-chul Han define como “estado de hiperatenção”, acabamos não nos dando conta das diversas ideias que surgem em nossa mente ao longo do dia. E isto ocorre justamente porque, não tendo tempo (ou a prioridade adequada) para colocar essas ideias em prática no momento em que elas ocorrem, acabamos por confiá-las à memória e, em razão da grande quantidade de tarefas com que temos de lidar, perdendo-as – por vezes, para sempre.

Pense em uma situação em que você tinha uma tarefa importante para concluir. Porém, por não a ter escrito em um papel ou digitalizado em alguma ferramenta do celular, por exemplo, passou horas e horas tentando “se lembrar de não esquecer” o que tinha para fazer. No caso das ideias criativas, entretanto, há um facilitador do esquecimento: são propostas pelas quais não seremos cobrados e que, por si só, não têm um prazo definido para serem realizadas.

A dica aqui, portanto, é manter papel e caneta sempre por perto (preferencialmente, embora apps de notas, como Evernotee Google Keep, também ajudem) e anotar essas ideias o mais rápido possível. Pode ser que você nunca as utilize e que, no fim das contas, sejam apenas elucubração. Mesmo assim, vale manter o registro, porque ele pode se desdobrarem alguma solução importante, proposta de negócios ou naquilo que se costuma chamar de “disrupção”. Vai que…

Observe também que ideias criativas não precisam ser totalmente originais. Podemos muito bem nos apoiarem conceitos, processos, ferramentas e tecnologias existentes e, a partir delas, idealizar uma nova abordagem capaz de resolver questões específicas de nosso cotidiano. Talvez elas não tenham o mesmo “glamour” de um foguete espacial capaz de pousar na superfície de algum planeta distante, mas cumprem seu papel de promover transformações e melhorias incrementais que facilitam nossa vida. Atente-se a elas, pois são o tipo de ideia que mais nos ocorre e que mais nos beneficia em termos absolutos.

Há muitas histórias – inclusive com personagens famosos – que descobriram tecnologias, respostas para questões matemáticas antigas ou as bases de suas principais teorias em um momento repentino, de inspiração filosófica – o tal do momento Eureka.

 

 

Embora personalidades como Albert Einstein e Charles Darwin tenham relatado que sentiram o momento em que uma linha de pensamentos começou a fazer sentido e logo transcreveram essas ideias naquilo que viria a ser a Teoria da Relatividade e a Teoria da Origem das Espécies, respectivamente, essa clareza não foi tão súbita assim: biógrafos e pesquisadores que se debruçaram sobre a trajetória dessas duas grandes mentes observaram um processo longo, lento, porém consistente, de captura de elementos, insights, observações, anotações, prática e experimentação que, com o passar do tempo, foram se cristalizando no entendimento e tomando forma.

Outro ponto é que existe uma crença de que quantidade e qualidade são excludentes: uma grande ideia só poderia ser desenvolvida por alguém que trabalha pouco, dedicando-se exclusivamente a esse único projeto que, mais cedo ou mais tarde, assumiria as formas de obra de arte que lhe fossem devidas. Entretanto, essa premissa é falsa. De acordo com Robert Sutton, Professor de Stanford:

“Os pensadores originais “apresentarão muitas ideias que parecerão anomalias estranhas, becos sem saída e fiascos completos. Mas o custo vale a pena porque eles também criarão um conjunto maior de ideias – principalmente novas ideias.”

Em outras palavras, o caminho mais seguro para a originalidade passa justamente pela quantidade: a produção sistemática azeita os mecanismos cerebrais e motores, que com isso ganham experiência, além de explorar campos novos – e esse processo é fundamental para que a mente divague em possibilidades, transformando iniciativas por vezes insossas em pequenas contribuições para algo de grande qualidade, tempo depois.

Adam Grant aponta que:

“Muitas pessoas deixam de atingir a originalidade porque concebem algumas poucas ideias e depois ficam obcecadas em aperfeiçoá-las.”

Sendo assim, dê livre vazão a suas inspirações intelectuais e artísticas, produzindo, treinando, e (por que não?) atrevendo-se por trilhas ainda não percorridas.

 

Olhos atentos, mente aberta


‍A arte da criatividade, se podemos pintá-la desta forma, compreende também uma visão externa, curiosa, sobre o mundo em que vivemos. Já falei sobre a importância do mindset de crescimento, e como ele se casa perfeitamente com uma competência chamada lifelongl earning – o aprendizado contínuo ao longo de toda a vida. Mas, mais do que isso, é preciso assumir uma postura que Austin Kleon denomina “colecionador de ideias”.

Não precisamos partir do zero para sermos originais. Podemos – aliás, devemos – coletar boas ideias e utilizá-las como base de um processo criativo que tem por intuito aprimorar algo.

“Estamos falando de prática, não de plágio – plágio é tentar fazer o trabalho de outro passar por seu. Copiar é engenharia reversa. É como um mecânico removendo partes de um carro para ver como ele funciona.” (Kleon, 2013)

Dessa forma, as referências coletadas podem ser metamorfoseadas em soluções distintas, melhores.

Na final da adolescência, devorei “Algo sinistro vem por aí”, uma obra de horror, escrita por Ray Bradbury – sim, sempre dou um jeito de falar dele. A história traz um parque de diversões itinerante que chega a uma cidade americana e atrai espectadores para suas atrações macabras, transformando-os, e suas vidas, completamente. Mas esse livro tem uma particularidade: o enredo dos personagens possui diversas lacunas e possibilidades de continuação com que o autor nos presenteou. Aceitei o desafio e produzi alguns rascunhos com desfechos e aventuras distintas para a dupla de jovens exploradores, Jim Nightshade e William Halloway, e as diversas pessoas bizarras com quem eles interagem (e quase se perdem). Esse exercício, sempre tensões senão aquelas de um adolescente com tempo livre e ideias na cabeça, foram meu primeiro contato com a produção literária, e uma maneira divertida de passar eu também a produzir minhas histórias. Essa experimentação, que se estende até hoje, é um aprendizado e um refinamento que jamais poderiam ter ocorrido por meio de uma única produção.

Em “Roube como um artista”, Austin Kleon conta como o tédio – entenda-o aqui como uma alternativa ao modo executor, quando apenas desempenhamos tarefas, sem tempo reflexivo – tem um papel relevante em sua produção criativa: sem essas pausas, suas ideias não teriam espaço nem motivação para se organizar e reorganizar, dando espaço ao novo.

Na edição 224 da Vida Simples, Luciana Pianaro, CEO e Publisher da revista, compartilha uma perspectiva parecida no artigo “A louça e a meditação”. Recordando-se da infância, trouxe à tona atividades que a divertiam, como escolher feijão, e outras menos agradáveis, como lavar a louça. As pazes com esta última só foram feitas muitos anos depois, quando, em conversa com uma amiga, esta lhe trouxe uma visão bastante diferente da tarefa:

“(…) ela me contou como o momento de lavar a louça era especial, pois esvaziava a mente dos problemas, entrava em fluxo calmo e tranquilo. Meditava. Eu focava na chatice de lavar a louça. Ela focava no vazio, na serenidade. Aquela nova perspectiva mudou meu olhar sobre a ‘função’ para sempre.”

 

Não há uma fórmula específica que “desperte” a criatividade que há em cada um de nós. Precisamos, por isso, facilitar sua presença, tornando simples o ato de registrar ideias, mantendo o olhar sempre atento, experimentando e, principalmente, nos permitindo momentos de encontro com nossa imaginação.

Daqui pra frente é com você 😉.

 

 

Saiba mais em:

BRADBURY, Ray. (2019). Algo sinistro vem por aí. Rio de Janeiro: Difel.

GRANT, Adam. (2017). Originais – como os inconformistas mudam o mundo. São Paulo: Sextante.

KLEON, Austin. (2013). Roube como um artista: 10 dicas sobre criatividade. São Paulo: Rocco.

PIANARO, Luciana. (2020). A louça e a meditação. In: Vida Simples, edição 224.

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Biden, Trump, colégios eleitorais: um guia (quase) definitivo para entender as eleições presidenciais dos EUA

Neste 3 de novembro, 150.000.000 de votos são esperados para decidir quem será o 46º Presidente dos Estados Unidos: o democrata Joe Biden ou o republicano Donald Trump. Este número representa 65% da base de cidadãos legalmente aptos a votar e, possivelmente, o maior número de eleitores já registrado em uma votação americana. Este dado, contudo, traz consigo uma série de nuances importantes para entender como, exatamente, funciona o sistema eleitoral dos EUA. Apertem os cintos, pois há algumas curvas bruscas pelo caminho.

Voto… antecipado?

De acordo com o U.S. Elections Project, iniciativa desenvolvida pelo Professor Michael McDonald, da Universidade da Flórida, este ano foram registrados 101.214.494 votos antecipados, sendo pouco mais de 35,93 milhões na forma de votação presencial e 65,28 milhões através de cartas. Embora a pandemia certamente tenha tornado este formato mais interessante, na medida em que evita aglomerações, os votos por carta (mail-in voting) já existem há muito tempo. Em seu livro “O direito de voto: a controversa história da Democracia nos Estados Unidos”, Alex Keyssar aponta que desde o século XVII, no Estado de Massachusetts, homens podiam votar de casa, se suas residências fossem “vulneráveis ao ataque de índios”. Mais à frente, durante a Guerra Civil, o modelo ganhou escala nacional, permitindo que combatentes participassem das eleições. Na disputa presidencial de 1864, por exemplo, que teve como vencedor o republicano Abraham Lincoln, soldados da União puderam votar a partir de campos e hospitais de campanha, supervisionados por seus oficiais. Segundo Paul Gronke, Professor de Ciências Políticas no Reed College e fundador do Early Voting Information Center, essa medida foi adotada porque Lincoln “queria assegurar os votos dos soldados que estavam servindo fora de casa” (Time, 2016).

Finda a Guerra Civil, a mesma lógica foi adotada em períodos de conflito posteriores, como durante as Guerras Mundiais, a fim de garantir o direito de escolha democrática a todos os cidadãos, inclusive aqueles fora do território americano. Mais ainda: entre 1917 e 1918, a Convenção Constitucional de Massachusetts entendeu que esse benefício (absentee ballot) deveria ser estendido a outras categorias, como profissionais do sistema ferroviário e vendedores, visto que eles também se sacrificavam para o bem comum – tal como os soldados.

Se a princípio o voto por carta era autorizado apenas a essas pessoas e algumas situações específicas de doença e imobilidade, a regra começou a mudar nos anos 1970, quando o Estado da Califórnia permitiu que seus habitantes se inscrevessem para essa modalidade, a despeito de terem uma justificativa plausível para isso – o que ficou conhecido como no-excuse absentee ballot. Daí em diante, diversas iniciativas semelhantes foram adotadas por outros Estados americanos, em eleições estaduais e federais. Oregon, por exemplo, oficializou em 2000 o sistema único de votação por carta.

 

 

Para as eleições de 2020, mais quatro Estados já haviam adotado totalmente o modelo postal, sendo eles: Colorado, Hawaii, Washington e Utah. Dos 50 Estados americanos, portanto, 29, além de Washington D.C., já permitem o no-excuse absentee ballot e outros 16 oferecem a opção de voto por carta, ainda que sob determinadas condições – para o detalhamento completo, vide referência da NCSL (2020).

O interessante é que o sistema de voto antecipado tem início até 45 dias antes da data oficial de votação, dependendo do Estado. Motivo: o tempo necessário para que as pessoas recebam os envelopes em suas residências, preencham-no e o remetam de volta às autoridades eleitorais. Em média, contudo, esse período é de 19 dias e se encerra até a última sexta-feira antes das eleições – no caso, 30 de outubro.

Por fim, alguns Estados permitem a votação antecipada presencial, organizada por oficiais representantes das autoridades federais, do próprio condado em que o voto é realizado, ou membros de câmaras e comissões estaduais. Entretanto, as regras variam de Estado para Estado, sendo alguns locais mais flexíveis, permitido voto nos finais de semana, e outros mais restritos, em datas e horários previamente determinados.

Como recomendação, os eleitores americanos são orientados a procurar as regras de sua região a partir da página da Conferência Nacional de Legislaturas Estaduais (NCSL) ou sites independentes que surgem com o propósito de compilar e, principalmente, simplificar o acesso à informação, como o Rock the Vote – este, em particular, online desde os anos 90, quando executivos da indústria musical se uniram em resposta à censura de artistas do hip-hop e do rap, engajando milhões de jovens no exercício de seu direito e representação de seus interesses.

 

O sistema de voto por carta está sujeito a fraudes?

Ao longo dos últimos meses, o atual Presidente Donald Trump fez diversos pronunciamentos públicos contra esse modelo de votação, alegando que o mesmo favorecia candidatos democratas, estaria sujeito a fraudes ou poderia sofrer interferência estrangeira. Durante um evento de campanha em 17 de agosto, em Wisconsin, chegou a afirmar que “a única forma de perder esta eleição é se ela for fraudada”.

Mas será que essas afirmações encontram respaldo?

O partido democrata incentivou seus apoiadores a votar de maneira antecipada, temendo que o serviço postal dos EUA (USPS – United States Postal Service) não daria conta de entregar todos os votos a tempo. Neste âmbito, Donald Trump promoveu um grande impasse a respeito de um fundo adicional de US$ 25 bilhões que seria destinado a fortalecer o serviço, aprovado pela Câmara, mas barrado na Casa Branca.

Não obstante, existem diversas regras que mitigam fraudes no sistema – e que geram mais embates entre as visões democrata e republicana.

Para votar para presidente nos EUA, você precisa ter cidadania americana e ao menos 18 anos de idade. Alguns Estados, porém, influenciados por medidas republicanas, aprovaram leis obrigando eleitores a portar documentos de identificação e/ou se registrar para que seu voto possa efetivamente ser computado. Segundo os democratas, este foi um artifício para dificultar o voto dos cidadãos de mais baixa renda e membros de minorias, que não teriam uma carteira de motorista, por exemplo, para comprovar sua identidade.

De qualquer forma, e tomando as eleições presidenciais de 2016 como base, de um total de 57,2 milhões de votos por carta, apenas 318,728 (ou 0,006%) foram rejeitados, segundo The Election Administration and Voting Survey, e pelas seguintes razões:

– 27,5% por divergência de assinatura;

– 23,1% por perda do prazo de votação;

– 20,0% por voto sem assinatura;

– 3,0% por voto sem assinatura de testemunha;

– 1,5% devido ao falecimento do eleitor;

– 1,3% porque eleitor votou presencialmente; e

– 1,1% quando eleitor, em sua primeira participação, não tinha o devido registro eleitoral

A análise da base de dados de eleições anteriores demonstrou indicadores ainda mais baixos: dentre 250 milhões de votos por carta analisados por uma iniciativa de cientistas políticos do MIT a partir dos números do Heritage Foundation’s Election Fraud Database, apenas um percentual irrisório de 0,00006% apresentou algum tipo de fraude propriamente dita.

As falas de Trump, porém, têm um outro efeito adverso, uma vez que a desinformação pode ser nociva e ganhar espaço rapidamente na opinião popular: de acordo com uma pesquisa conjunta da ABC News e Washington Post, realizada em julho deste ano, 49% dos americanos acreditam que esse modelo é vulnerável a fraudes.

Contagem de votos

Devido às diferentes modalidades de voto, a contagem até hoje nunca se encerrou no mesmo dia da votação. No entanto, é comum que já no dia seguinte haja um percentual de apuração suficiente para determinar o vencedor.

A maioria dos sites jornalísticos trabalha com “projeções” por Estado, ou seja, marcos que indicam que um dos candidatos atingiu uma quantidade tal de votos improvável de ser ultrapassada com base na votação restante. A partir daí, calculam o total de colégios eleitorais correspondentes a esse Estado e os atribuem ao candidato. Ademais, existe uma tradição de votos: Estados republicanos quase sempre votam no candidato republicano, assim como os Estados democratas, em seu correspondente do partido simbolizado pelo asno , facilitando assim essa análise.

 

Agora vem a parte curiosa: o Presidente dos Estados Unidos não é eleito por maioria de votos diretos e, sim, por maioria de votos colegiados. Ao todo, existem 538 colégios eleitorais no país, distribuídos entre os 50 Estados federativos, proporcionalmente a sua população. Assim, Estados muito populosos, como a Califórnia, têm mais colégios eleitorais do que os menos populosos, como o Maine. Entretanto, existe uma regra de que um Estado, a despeito dessa mesma população, não pode ter menos do que 3 colégios eleitorais. Dessa forma, temos a seguinte distribuição:

Os votos computados em 3 de novembro são então delegados a cada um dos membros dos colégios eleitorais que, por sua vez, elegem o novo (ou reelegem o atual) Presidente dos Estados Unidos no dia 14 de dezembro.

Como regra geral, o candidato mais bem votado em um Estado recebe por extensão os votos de todos os colégios eleitorais correspondentes. Por isso, estados como a Califórnia (55 colégios), Texas (38), Flórida (29) e Nova Iorque (29) são particularmente críticos, visto que garantem uma boa proporção dos 270. Mesmo assim – e a esta altura do artigo isto não será nenhuma surpresa –, a regra não vale para todos os Estados: o Maine e Nebraska dividem seus votos colegiados com base na proporção de votos recebida por cada candidato.

A contagem de votos é feita majoritariamente por equipamentos eletrônicos – tanto no cômputo de votos digitais, quanto na leitura de códigos de barra das votações por carta –, embora mesários tenham de conferir manualmente eventuais registros físicos não processados pelos computadores.

Uma vez que a votação é encerrada, os dados de cada localização são transferidos para uma Central Eleitoral. Este processo, no entanto, compreende tanto transferências eletrônicas de dados, quanto o transporte físico de HDs e outros tipos de memória até as estações eleitorais. Só a partir daí os votos começam efetivamente a constar dos registros oficiais de cada Estado e a serem divulgados na Internet. Embora os Estados também trabalhem com as projeções mencionadas anteriormente, o resultado oficial obtido a partir da contagem de 100% dos votos válidos pode ocorrer apenas semanas depois.

Mas por quê?

A explicação do sistema de votos dos Estados Unidos remonta ao século XVIII, mais precisamente ao período em que a Constituição do país estava sendo elaborada. Naquela época, 1787, a extensão territorial e a dificuldade de comunicação tornavam uma eleição direta algo praticamente inviável – além de indesejado, sob alguns olhares específicos.

Dessa maneira, os colégios eleitorais surgiram como alternativa.

Para os constitucionalistas, ela dificultava que legisladores de Washington D.C. tivessem poder para eleger um presidente; para Estados menores, era uma forma de ganhar voz, ainda que um sussurro, no processo eleitoral; para os fazendeiros sulistas, uma grande vantagem: mais populosos do que os Estados do norte, essas regiões no entanto tinham uma quantidade muito significativa de escravos que, embora não fossem autorizados a votar, eram incluídos no Censo americano e considerados na distribuição final de colégios de cada Estado – portanto, uma maneira sutil de garantir os interesses do grupo escravocrata e agrário.

Algumas curiosidades

– Nas eleições presidenciais de 2000, Al Gore foi derrotado por George W. Bush no Estado da Flórida por meros 537 votos (de um total de mais de 6 milhões). Essa diferença quase simbólica, porém, foi suficiente para garantir os 29 votos do colegiado para o republicano e decidir a votação;

– Na disputa de 2016, Hillary Clinton obteve quase 3 milhões de votos a mais do que Donald Trump. Ainda assim, o candidato republicano conseguiu uma vitória confortável com 304 votos colegiados, já que venceu em Estados chave, em que essa representação de colégios é maior;

– Em toda a história americana, apenas 5 Presidentes foram eleitos sem terem recebido a maioria de votos (diretos, não colegiados): John Quincy Adams (1825), Rutherford B. Hayes (1877), Benjamin Harrison (1889), George W. Bush (2000) e Donald Trump (2016);

– E se ninguém obtiver maioria de votos? Essa situação ocorreu apenas uma vez, em 1824, quando havia quatro candidatos concorrendo à Presidência e a decisão foi tomada pelos membros da Câmara (House of Representatives). Hoje, com essencialmente dois, isso se torna bastante improvável;

– Apesar da popularidade absolutamente superior de Biden e Trump, há vários outros concorrendo às eleições presidenciais de 2020: Jo Jorgensen, pelo partido Liberal; Howie Hawkins, pelo partido Verde; além de mais de trinta candidatos independentes ou associados a partidos pouco expressivos, como o Socialista, o Progressista, o Constituinte, dentre outros;

– De certa forma, podemos dizer que há pesos diferentes dentre a escolha direta dos eleitores americanos. Na Califórnia, Estado com 55 votos colegiados e uma população de 39,51 milhões (estimativa do Censo de 2019), cada eleitor tem um peso de 1,39 na definição do presidente; já em um Estado menor, como Vermont, para o qual são designados apenas 3 colegiados dentre uma população de quase 624.000, a razão do voto sobe para 4,81. Se considerarmos apenas o número de eleitores registrados dentre a população desses Estados, a razão passa a ser de 2,52 (55,21% da população californiana) e 6,1 (78,86% em Vermont);

 

– Se Trump for reeleito, seu mandato será estendido até 2024, sem interrupções. Caso Biden vença, haverá um momento de transição em que o novo Presidente deverá nomear seus ministros – neste caso, o democrata seria juramentado e daria início a seu mandato apenas em 20 de janeiro de 2021.

 

‍Saiba mais em:

ABC News / Washington Post poll: The 2020 Election. Pesquisa eleitoral realizada em julho de 2020 e disponível (inglês), em:

https://www.langerresearch.com/wp-content/uploads/1214a22020Election.pdf

ARN, Jackson. (2018). The cartoonist who turned democrats into donkeys and republicans into elephants. Reportagem publicada em 25 de outubro, no portal Artsy.net, e posteriormente atualizada para a CNN: Why democrats are donkeys and republicans are elephants.

Ballotpedia, the Encyclopedia of American Politics.

KEYSSAR, Alex. (2014). O direito de voto: a controversa história da Democracia nos Estados Unidos. São Paulo: Editora Unesp.

LIPTAK, Kevin. (2020). Trump warns of ‘rigged election’ as he uses conspiracy and fear to counter Biden’s convention week. Reportagem para o portal CNN, publicada em 17 de agosto.

Market Watch. (2020). White House rejects House bill for emergency Postal Service aid. Reportagem publicada no portal em 23 de agosto.

NCSL – National Conference of State Legislatures. (2020). State laws governing early voting.

Rock the Vote. Página para orientação de eleitores a respeito das datas, condições e formas de votação disponíveis em cada região do país.

GREVE, Joan E. & SINGH, Maanvi. (2020). US 2020 election could have the highest rate of voter turnout since 1908. Reportagem publicada no portal The Guardian, em 24 de outubro.

The Guardian. (2020). Trump says Republicans would ‘never’ be elected again if it was easier to vote. Reportagem de 30 de março de 2020.

U.S. Election Assistance Commission. (2017). Early, absentee and mail voting. White paper disponibilizado em 17 de outubro.

U.S. Election Assistance Commission. (2016). The Election Administration and Voting Survey 2016 Comprehensive Report.

WAXMAN, Olivia B. (2016). This is how early voting became a thing. Reportagem para a TIME Magazine, edição de 25 de outubro de 2016.

World Population Review. (2020). Number of registered votes by State.

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OKR: movendo pessoas na direção certa

Para alcançar resultados positivos, não basta ter equipes talentosas. Mais importante é que elas estejam focadas nos objetivos corretos. Do contrário, seus esforços serão desperdiçados e elas acabarão desmotivadas.

Nesta linha, John Doerr, presidente de uma empresa de venture capital e palestrante em um dos eventos TED Talk, fala sobre perseguir as metas certas pelos motivos certos, e como isto influencia, direta e profundamente, o engajamento e os resultados de uma equipe.

Na década de 70, Doerr trabalhou no time de Andrew Grove, aclamado executivo cujo trabalho até hoje é referência sobre liderança. Grove então desenvolveu um sistema voltado para a excelência operacional que denominou “OKR”, objective and key results (ou objetivos e resultados chave), e que colocou em prática na Intel. Segundo ele, aquilo que você sabe não faz tanta diferença, mas sim a maneira como você transforma esse conhecimento em ações.

Assim, OKR é um sistema de metas que pode ser empregado tanto em contextos corporativos quanto pessoais, indicando o que queremos realizar (o objetivo ou direcionamento), e como o faremos (os resultados chave, que nos permitem dizer se ele foi ou não cumprido). Não se trata, porém, de estabelecer metas convencionais – como a quantidade de produtos fabricados ou unidades vendidas; Grove referia-se a metas que se conectam ao senso de propósito das pessoas, capazes de inspirá-las a agir.

Ademais, OKRs não estão ligados a compensações financeiras: um colaborador não recebe bônus, nem é promovido por atingi-lo. No entanto, a existência desse sistema funciona como um elemento de apoio à construção de uma cultura de tomada de risco, em que as pessoas se sentem confortáveis para buscar novos patamares, cientes de que nessas iniciativas erros poderão surgir – isso faz parte do processo e constitui uma rica fonte de aprendizado.

No livro “Avalie o que importa”(2019), Doerr lista quatro “superpoderes” oriundos de OKRs:

1. Foco e compromisso com as prioridades: organizações e indivíduos conseguem distinguir claramente o que é mais importante e, então, concentrar-se nessas tarefas;

2. Alinhamento e conexão: OKRs devem ser declarados de forma aberta e transparente, para que a organização como um todo tenha visibilidade dos objetivos que se pretende alcançar e, principalmente, para que cada colaborador possa estabelecer um elo de propósito entre seus OKRs individuais e aqueles do grupo. Este alinhamento é responsável por fazer com que o significado ao trabalho transcenda questões meramente financeiras ou relacionadas a cargos, fortalecendo assim o “senso de dono” e promovendo ambientes mais colaborativos, emocionalmente seguros e, portanto, mais propensos à criatividade e à inovação;

3. Accountability: esse sistema baseia-se em dados e verificações contínuas que nos permitem acompanhar, avaliar e, eventualmente, ajustar nossas ações para que os objetivos corretos continuem priorizados e possam ser alcançados adequadamente; e por fim

4. Busca pela excelência: OKRs são um estímulo à superação, motivando as pessoas afazer mais do jugam possível ou viável. Trata-se de um sistema que testa nossos limites de maneira positiva, ao mesmo tempo em que fomenta habilidades importantes, como o pensamento adaptativo, a colaboração entre perspectivas multidisciplinares e transversais, e a abertura para o novo.

 

Como alcançar isso?

 

 

Simon Sinek, criador do conceito do Círculo Dourado, diz que devemos começar pelo “porquê”. O que nos impulsiona à ação? Quais são as razões por que fazemos o que fazemos.

Diversas empresas foram criadas apartir de propósitos muito específicos, até pessoais. Missões inspiradoras pelas quais grupos de pessoas se devotaram, encontrando soluções para desafios das mais diversas complexidades, e se apoiando nelas para transformar a vida de milhões de pessoas. Objetivos são, portanto, metas concretas, dotadas significado, orientadas à ação… motivadoras.

Como diria Bono Vox, vocalista do U2:

“Você tem paixão? A quais ações essa paixão te move? Se o coração não encontra uma rima perfeita na mente, sua paixão não significa nada.”

Praticante de longa data do modelo de OKRs, ele usou a frase acima para explicar como o aplicava a uma campanha de cunho social chamada ONE. De forma simples e direta, essa iniciativa conta com dois objetivos: (1) ajudar os países mais pobres do mundo, conseguindo o perdão de suas dívidas; e (2) garantir o acesso universal a medicamentos de combate à AIDS.

Este é, portanto, o primeiro passo na definição dos OKR: identificar uma causa que o mobilize verdadeiramente, uma meta de desenvolvimento pessoal ou o porquê da existência de sua organização e anotá-la em um local de destaque, a fim de que todos possam ver e entender o que se espera alcançar. Observe, no entanto, que esse objetivo tem de ser suficientemente desafiador, para garantir um processo de crescimento ao longo da jornada, mas, ao mesmo tempo, factível, a fim de que a impossibilidade de o alcançar não exerça um efeito oposto, provocando desânimo e descomprometimento.

E quanto aos resultados chave, o nosso “como”?

Esses resultados devem ser:

específicos, ou seja, dizer claramente a que se referem;

– temporais, trazendo uma data de conclusão;

audaciosos, embora realistas;

mensuráveis e verificáveis, ou seja, deve ser possível, e simples, identificar a partir deles se os objetivos foram de fato atingidos.

 

Hoje, diversas empresas ao redor do mundo usam o sistema OKR para definir planos estratégicos, e incentivam seus colaboradores a fazer o mesmo, na esfera pessoal.

A combinação desses dois movimentos gera o propósito capaz de mobilizar iniciativas.

Vejamos um exemplo de empresa que utiliza essa base:

Em 2004, um engenheiro indiano chamado Sundar Pichai juntou-se ao Google, atuando inicialmente na área de buscas. Com o tempo, ele identificou uma oportunidade que despertou a atenção dos executivos: construir um navegador de internet próprio, mais simples e poderoso do que os então disponíveis, capaz de absorver as diversas aplicações web que estavam surgindo.

Pichai, entusiasta do modelo (que já fazia parte da cultura do Google desde o final dos anos 1990, quando John Doerr tornou-se investidor da empresa e o disseminou a partir dos fundadores, Larry Page e Sergey Brin), apoiou-se no sistema para estabelecer seu objetivo e como alcançá-lo – de forma bastante categórica, aliás: segundo ele, o Google Chrome seria o melhor browser do mundo e a medida disso foi definida apartir do número de usuários.

Para o ano de lançamento do browser, Pichai estabeleceu uma meta de 20 milhões de usuários; porém, conseguiu apenas 11 milhões. No segundo ano, aumentou a projeção para 50 milhões; e conseguiu 37 milhões, uma melhora significativa. Para o terceiro, dobrou essa meta: 100 milhões de usuários!

E, dessa vez, conseguiu 111 milhões:

O principal ponto desta história não é apenas o sucesso do navegador, mas o fato de que Sundar Pichai manteve-se fiel a seu objetivo, tomando as medidas estratégicas necessárias, ano após ano, a fim de alcançá-lo.

 

OKR versus KPI: visões diametralmente opostas

Muitos confundem OKR e KPI – ou consideram as duas siglas formas distintas de dizer a mesma coisa. Na verdade, existe uma diferença significativa entre os objective & key results e os key performance indicators:

– o OKR tem uma proposta qualitativa, funcionando como um sistema para inspirar e motivar, que se concentra no crescimento, seja do indivíduo ou da organização que o aplica. Adicionalmente, possui uma composição híbrida, geralmente 50/50 ou 60/40, em que os objetivos individuais são construídos e depois mesclados aos da organização, mantendo-se uma proporção equilibrada. Essa sinergia, por sua vez, é fundamental para que a pessoa se sinta envolvida no processo e inspirada a contribuir nesse mesmo propósito;

– já o KPI está relacionado à mensuração quantitativa, empregado como avaliação de performance no atingimento de resultados. De maneira geral, é uma iniciativa top-down, partindo das camadas executivas e cascateado às operacionais. Normalmente, é aplicado como balizador financeiro e fator crítico para promoções, durante os ciclos de avaliação dos profissionais.

OKRs e KPIs não são necessariamente excludentes. Porém, é preciso ter clareza sobre o resultado que se busca com a aplicação de cada um desses sistemas.

Normalmente, KPIs são desenvolvidos para processos que já estão implantados e em andamento, no intuito de obter uma visão de retorno (essencialmente numérica); por outro lado, OKRs são potencializadores de mudança, catalisando o ímpeto individual em prol da transformação do grupo, ou da organização, como um todo (costumeiramente mais abstratos).

 

Desafios no primeiro ciclo de OKR

Embora o conceito em si seja bastante simples, implementar o primeiro ciclo de OKR pode trazer consigo alguns desafios. Por isso, é importante ter em mente que migrar de um modelo de KPIs para um modelo de OKRs envolve várias mudanças culturais – este último demanda um nível de maturidade e comprometimento muito maior dos colaboradores, especialmente porque envolve habilidades de comunicação e feedback nas quais as pessoas (e lideranças) nem sempre estão preparadas para oferecer adequadamente.

 

 

Dessa forma, oferecemos aqui algumas dicas para guiá-los nesse processo, pensando inicialmente no âmbito pessoal:

– avalie o seu momento de vida: onde você está, onde gostaria de chegar, quais seus pontos fortes e quais habilidades precisa desenvolver. A partir daí, comece a esboçar o que falta para que esse caminho se materialize. Lembrem-se de que ele deve expressar de maneira clara uma evolução qualitativa – como desenvolver uma determinada habilidade, concluir uma formação, participar de um comitê de sua cidade, etc. – e não um fato quantitativo (por exemplo: “daqui a dois anos, ganhar um salário R$ X,00”). Essa distinção é importante, porque enfatiza a trajetória de aprendizado e as inúmeras oportunidades que poderão ser exploradas ao longo dela, em vez do resultado em si;

– tente achar uma medida razoável entre objetivos simples demais e metas inalcançáveis: OKRs devem exigir esforço, dedicação e, principalmente, olhares heterodoxos para a solução do problema. Se você perceber que todos esses objetivos têm sido atingidos com certa rapidez ou facilidade, ajuste a régua um pouco mais para cima. Larry Page, contudo, opta uma abordagem mais ambiciosa:

“(…)prefiro que um time estabeleça como objetivo ir até Marte e, mesmo no caso de insucesso, consiga algo extraordinário, como ir à Lua.”

– John Doerr (2019) aponta que uma organização deve estabelecer de 3 a 5 resultados chave para cada objetivo, e não mais do que 7 objetivos. No primeiro caso, uma quantidade grande de resultados pode confundir ou fazer com que o time perca o foco das prioridades para chegar ao objetivo; no segundo, é uma questão estratégica, na medida em que pode pulverizar os esforços das equipes entre metas distintas que não necessariamente convergem para um propósito em comum. No plano pessoal, trabalhe com 1-3 objetivos e, no máximo 3 resultados chave para cada um deles, mantendo a simplicidade;

– acompanhe a evolução do trabalho ao menos uma vez por semana: pergunte a si mesmo: quais avanços obtive esta semana em direção aos objetivos? Se nenhum progresso foi feito, reflita sobre as razões por que isto aconteceu e o que pode ser feito para reverter essa tendência na semana seguinte. Também verifique se o andamento das tarefas está de acordo, a frente ou atrasado em relação ao planejado. Tome as ações necessárias para corrigir a rota – inclusive, rever o próprio objetivo, caso ele não faça mais sentido ou tenham surgido prioridades diferentes devido a alguma situação específica;

– por fim, analise seus avanços e pondere possibilidades de aprimoramento: assim será possível estabelecer objetivos cada vez mais grandiosos, além de entender que fatores têm desacelerado ou bloqueado esse avanço.

Esperamos que sua experiência como sistema OKR seja um caminho de muito aprendizado e superação, capaz de contribuir de modo amplo com seu desenvolvimento e – por que não? – com a transformação do mundo? Use e abuse de ferramentas visuais – como os bons e velhos quadros e post-its ou, no caso de times distribuídos remotamente, versões digitais que permitam a integração e colaboração. A participação de todos os membros de uma equipe no processo de cocriação dos objetivos dá legitimidade à iniciativa e é, por si só, já um excelente ponto de partida.

 

Saiba mais em:

CHERKASOV, Anton. (2020). 5 OKRsmistakes and how to avoid them.

DOERR, John. (2019). Avalie o que importa: como o Google, Bono Vox e a Fundação

Gates sacudiram o mundo com os OKRs. Rio de Janeiro: Alta Books.

DOERR, John.(2018). Entrevista com Donald Sull: OKRsand measuring what matters.

MITSMR. Disponível em inglês.

DOERR, John. (2018). TED Talk: “Por que o segredo do sucesso é definir as metas certas”.

GROVE, AndrewS. (1995). High management output. Vintage editors, 2nd edition.

SINEK, Simon.(2018). Comece pelo porquê: como grandes líderes inspiram pessoas e equipes a agir. São Paulo: Sextante.

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Nossa voz interior: o 8º hábito de Stephen Covey

Stephen Covey tornou-se mundialmente famoso em 1989, a partir do lançamento de “Os 7 hábitos das pessoas altamente eficazes”. Neste livro, propunha uma disciplina para que atingíssemos plena eficácia na vida. Contudo, mais do que o foco nas questões técnicas e profissionais, Covey enfatizava a autoliderança e, especialmente, o caráter como principais bases de nosso desenvolvimento. Somente a partir dessa integridade seríamos então capazes de realizar contribuições genuínas e, consequentemente, construir nosso legado.

 

Se os sete hábitos originais

-Seja proativo;

-Comece com o objetivo em mente;

-Foque primeiro o mais importante;

-Pense ganha-ganha;

-Procure primeiro compreender, depois ser compreendido;

-Crie sinergia;

-Afine o instrumento

nos provocavam à organização, colaboração e interrelação mais assertivas, o oitavo, ao qual o autor dedicou um novo livro exclusivamente, nos impulsiona à grandeza da liderança.

Sob a metáfora do simples fósforo, cujas chamas podem acender uma vela e iluminar uma sala inteira, sua reflexão nos convida a buscar nossa voz interior, nossos propósitos e motivações, deforma a inspirar as pessoas ao nosso redor. Neste contexto, a “voz” possui significado único para cada pessoa, sendo um ponto de convergência entre talento (dons e pontos fortes que nos são inerentes), paixão (elementos que nos estimulam e nos dão energia), necessidade (aquilo de que o mundo carece) e consciência (o chamado que nos impele à ação).

Se até pouco tempo atrás a motivação era vista como um estímulo externo, aqui ela é ressignificada como um impulso oriundo de si próprio. A partir dessa imersão de autoconhecimento, em que exploramos nossas habilidades, competências, experiências e, igualmente, pontos que podemos desenvolver, identificamos os valores que compõem quem somos e o nosso potencial integrador.

O caminho não poderia ser diferente: é preciso curiosidade, abertura, disciplina, muito esforço e determinação – pontos de partida do chamado mindset de crescimento. Tudo começa a partir de nós mesmos, e a busca constante por crescimento, para em seguida nos dedicarmos ao outro, identificando seus valores e potenciais, e ajudando-o a se desenvolver também, de uma forma compreensiva, livre de comparações e julgamentos.

Pare um momento e pense sobre suas principais características. Em geral, o exercício é difícil e requer um esforço extra. Afinal, fomos criados em um contexto social que ressalta fraquezas em vez de reforçar qualidades. É por esta razão, então, que Covey nos convida a um olhar diferente, voltado para o potencial de cada indivíduo e como esse conjunto de valores pode equilibrar as relações, fortalecendo o grupo como um todo. Liderança, segundo ele, é essa vontade de viver em função de princípios que criem e transmitam confiança aos demais – não se trata, portanto, de uma posição formal, mas de uma postura que inspira.

 

Um brilho mais intenso

 

Quando alguém que encontrou sua voz interior e a vive com plenitude se aproxima de outra pessoa, essa “chama” cria um brilho mais intenso que se propaga cada vez mais facilmente. No contexto corporativo, podemos entendê-la como uma manifestação que abrange as estruturas, processos, sistemas e interações, e que se fortalece a partir do momento em que os times agem de maneira complementar, desenvolvendo uma soma de forças maior do que aquelas existentes individualmente.

“A liderança consiste em comunicar às pessoas seu valor e potencial de modo tão claro que elas possam reconhecê-los como próprios.”

A frase de Covey, entretanto, pode ser entendida de modo mais amplo: a liderança traduzindo a organização, que precisa estabelecer como cultura um processo recíproco de desenvolvimento de cada colaborador, a partir das iniciativas de recrutamento e seleção e passando por todos os subsistemas de Gente & Gestão. Afinal, apenas essa coerência entre discurso e prática pode fomentar a credibilidade dentre as pessoas, permitindo que cada um dedique seu potencial espontaneamente, imbuídas de um senso genuíno de realização e pertencimento.

Em contrapartida, o poder da mudança não está exclusivamente na organização em si ou em qualquer nível hierárquico – ele reside em cada indivíduo, fortalecido por sua voz interna, e que, a partir de suas zonas de influência, estabelece relações de confiança e desenvolvimento mútuo.

 

Novos patamares

A definição de uma boa estratégia, por si só, não garante que ela será alcançada. É preciso disseminar de maneira clara quais os principais objetivos da organização e suas maiores prioridades, e assim fortalecê-la, discutindo o papel de cada um nesse processo. Sem engajamento, não há comprometimento – daí a importância das relações de confiança e a identificação com esses propósitos.

Citada no livro “0 8º hábito”, uma pesquisa do grupo Harris com mais de 23.000 americanos com empregos em tempo integral indicou que eles dedicavam apenas 49% do seu tempo nas principais metas das empresas em que atuam – o restante era alocado em tarefas urgentes, porém menos importantes do ponto de vista estratégico.

 

Com base nessa pesquisa, Covey fez uma analogia impactante da organização a um time de futebol em que apenas 4 dos 11 jogadores sabiam em qual lado do campo deveria marcar gol; apenas 2 realmente se importavam com isso; 2 conheciam a posição em que atuavam e o que deveriam fazer; e 9, em algum momento, competiam contra o próprio time sem sedar conta disso.

A partir daí, nós os convidamos às seguintes reflexões: seu time está engajado e atuando de forma produtiva? Esses colaboradores sabem a razão pela qual estão na empresa? Eles possuem as habilidades e recursos para atingir o que é esperado deles?

Um velho adágio diz que, durante uma construção, o encarregado da obra perguntou a três de seus colaboradores o que eles estavam fazendo. O primeiro disse estar empilhando tijolos; o segundo, que estava erguendo um muro; o terceiro, construindo uma catedral.

Que possamos usar os ensinamentos do 8º hábito para que todos ao nosso redor enxerguem a catedral.

 

 

Saiba mais em:

COVEY, Stephen R. (2005). O 8ºhábito – da eficácia à grandeza. São Paulo: Elsevier.

COVEY, Stephen R. (2017). Os 7 hábitos das pessoas altamente eficazes – lições poderosas para a transformação pessoal. Rio de Janeiro: Best Seller.

PINK, Daniel. (2012). Motivação3.0 – os novos fatores motivacionais para a realização pessoal e profissional. Rio de Janeiro: Alta Books.

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Reestruturando diálogos, aperfeiçoando relacionamentos

Nós não nos consideramos pessoas violentas, porque a violência é quase sempre associada a manifestações físicas, como brigas e guerras. Porém, nossa real violência é demonstrada de formas mais sutis – e contundentes: as palavras. Ao descuidar da comunicação, alimentamos emoções negativas em pessoas que, ao longo de sua jornada, não foram preparadas nem estimuladas para entender e, principalmente, externar sentimentos. E, assim, erguemos barreiras que nos tornam incompreensíveis e irreconciliáveis – em relação ao outro e a nós mesmos.

 

 

Por que é tão difícil discordar sem brigar? No livro que consolida seu trabalho de pesquisa e prática, “Comunicação não-violenta: técnicas para aprimorar relacionamentos pessoais e profissionais”, Marshall B. Rosenberg observa que:

“Nosso repertório de palavras para rotular os outros costuma ser maior do que o vocabulário que temos para descrever claramente nossos estados emocionais.” (p. 73)

Durante toda nossa trajetória escolar e, muitas vezes se estendendo à fase adulta, a educação sentimental é um tema que nos permanece alheio, espécie de tabu. Duvida? Com que frequência as pessoas perguntam como você está se sentindo? Estagnamos no automático e desinteressado “Tudo bem, e você?”– mas mesmo aqui a pergunta se limita ao estado atual, não a sentimentos. E pior: os estímulos sobre sentimentos costumam vir na direção contrária: “meninos não choram”, “você já está grandinho(a) para isso” e coisas do tipo. Somos criados para esconder e mascarar sentimentos, sendo essa falsa habilidade vista como sinônimo de força de caráter e equilíbrio.

Essa desconexão entre o que acontece em nosso interior e os paradigmas sociais de estabilidade e autocontrole, com o tempo, fragilizam os laços que nos unem a nós mesmos e às pessoas com quem nos relacionamos, seja pessoal ou profissionalmente. Não acostumados a discutir sentimentos, levamos as discussões a planos irreconciliáveis, julgamos e atacamos, pois não sabemos outra forma de expressar nossas reais necessidades. E somente à distância, quando sozinhos e recolhidos, parece termos o direito de externá-los. Lembram-se da música d’Os Paralamas do Sucesso:

“Quando tá escuro e ninguém te ouve,
Quando chega a noite e você pode chorar (…)” (Lanterna dos afogados, 1989)

 

Emoção ou sentimento?

Há certa confusão entre os termos “emoção” e “sentimento”. Na definição de António Damásio, renomado neurocientista português, emoções são reações químicas e biológicas de nosso corpo, desencadeadas de forma involuntária e, portanto, incontroláveis; já os sentimentos são a experiência mental que temos daquilo que se passa no corpo, desencadeados por um processo intelectual, inato ao ser humano. Enquanto as emoções podem ser observadas (ao menos em parte), seja através do microscópio, medições cerebrais, expressões e movimentos, o sentimento é algo inobservável: nenhuma pessoa senão nós mesmos consegue dizer quais sentimentos foram formulados mediante um acontecimento.

As emoções representam reações a estímulos do ambiente. Entretanto, pessoas diferentes podem ter emoções distintas perante um mesmo evento. Isso ocorre porque a sua ativação está condicionada a outros fatores complexos, como experiência de vida e crenças. Por exemplo: durante uma ponte aérea entre os aeroportos de Congonhas (SP) e Santos Dumont (RJ), e ao se aproximar do momento de pouso em um dia de chuva forte e neblina, um passageiro é acometido pelo medo; logo em seguida, é ajudado por uma pessoa da equipe de comissários de bordo que, já acostumada a pousos com mau tempo, tenta acalmá-lo. Por outro lado, eu posso estar sentindo uma tristeza profunda e, no entanto, esboçar uma expressão alegre no rosto, interagindo socialmente de forma a esconder esse sentimento; algumas pessoas poderão supor minha tristeza, mas não terão certeza dela. Emoções são breves e passageiras; sentimentos podem se estender por uma vida.

A grande fornalha

No prefácio do livro, Arun Gandhi compartilha um episódio de sua infância em que seu avô o ensina a construir uma espécie de árvore genealógica da violência: ao fim do dia, os dois discutiam todos os episódios ocorridos e as experiências do garoto sobre eles, e os classificavam nessa árvore sob os galhos de “física” (manifestações de violência em que houvesse emprego de força física) ou “passiva” (quando a violência estivesse associada a questões emocionais). Com o tempo, Arun percebeu que o lado da passiva se expandia rapidamente.

Este exercício, que podemos repetir em nossa rotina, demonstra que, na maior parte do tempo, as ações violentas se ocultam atrás de palavras, não necessariamente de ações, e que nossa inaptidão para lidar com e expressar sentimentos acaba cavando abismos de entendimento e colaboração entre as pessoas. Enquanto não soubermos pacificar esse galho, não conseguiremos ressignificar no outro seus comportamentos para que não haja violência física.

A Comunicação não-violenta (doravante apenas “CNV”) nasceu de um questionamento aparentemente simples, mas profundo: por que algumas pessoas conseguem se manter compassivas em situações de extrema adversidade, ao passo que outras se portam de forma agressiva? Consiste, portanto, em uma técnica para nos auxiliar a formular, de maneira clara, o que de fato desejamos, abrindo espaço para um diálogo em que temos a oportunidade de nos expressar com honestidade e transparência, ao mesmo tempo em que oferecemos ao outro a mesma abertura de forma empática.

A CNV é fruto de um extenso trabalho de pesquisa: Rosenberg viajou o mundo e conheceu diversas culturas, estudando as conexões que as pessoas estabeleciam entre si. Segundo ele, as conversas carregam duas possibilidades: a primeira é um jogo do tipo “quem está certo e quem está errado”; a segunda representa a predisposição de “fazer do mundo um lugar melhor”. Assim, e através da CNV, nós podemos criar interações em que as pessoas buscam naturalmente contribuir com o bem-estar do outro, gerando benefícios recíprocos. É uma forma de relação que:

– não se baseia em pré-julgamentos, críticas ou rótulos;

– não é utilizada como caminho para se esquivar de responsabilidades, culpando o outro; e

– não se fortalece por meio de ameaças e certezas sobre quem deve ser punido ou recompensado

Este modelo nos ensina a estar presente no momento e a nos conectar com valores e necessidades profundas – as verdadeiras razões que movem as palavras e o comportamento das pessoas. Por meio dela, nós aprendemos a falar a verdade e a compartilhar nossa perspectiva de uma forma que conduz à harmonia, não ao conflito – inclusive em situações desconfortáveis e complexas, que envolvem variações emocionais intensas ou assuntos delicados. Dessa forma, podemos nos posicionar de uma maneira menos defensiva e mais compassiva.

 

Colocando em prática

Assim como ocorre nos esportes ou com qualquer outra competência, a habilidade da CNV requer treino, a partir de pequenos hábitos, repetidos e aperfeiçoados ao longo dos dias. Isso significa que com a constância dessa prática, começaremos a associá-la como resposta padrão para as situações do dia a dia.

O primeiro passo é o autoconhecimento. Precisamos conhecer nossas emoções e as interpretações que fazemos delas. Afinal, é justamente nos momentos de oscilação emocional que tendemos a agir e responder mais instintivamente, piorando, em vez de resolver, conflitos e situações difíceis.

 

 

Reserve cinco minutos do seu dia, de preferência logo ao acordar, para refletir sobre cenários desafiadores com os quais você lidou no dia anterior. Relembre os principais pontos dessa ocasião e anote em uma tabela (vamos chamá-la de “Tabela da Empatia”).

Cada pensamento está associado a um evento, uma observação que tem relação com a situação vivenciada. Logo, descreva este evento de maneira autêntica – posteriormente, e a partir de um diálogo baseado nas técnicas da CNV, você pode até descobrir que ele está sendo considerado sob uma perspectiva única e/ou enviesada, mas é importante descrevê-lo da forma como foi ou continua sendo percebido:

Então, indique qual foi o sentimento que ele despertou em você (a lista de sentimentos disponibilizada no Anexo I pode ajudá-lo(a) nesta etapa):

Em seguida, tente entender quais foram seus pensamentos a respeito desse sentimento – e aqui permita-se deixar quaisquer filtros de lado e expressar de forma genuína, eventualmente através de termos fortes, os pensamentos que se formaram em sua mente naquele momento:

A partir da constatação desse evento, tente refletir sobre qual sua real necessidade a respeito dele. O que precisaria acontecer para que o sentimento identificado inicialmente desaparecesse? Nesta etapa, é importante olhar para dentro de si e entender qual é a sua necessidade, sem projetar ações para o outro:

Por fim, e de forma compassiva, formule um pedido capaz de satisfazer essa necessidade. Note que ele deve ser concreto e específico, pois solicitações genéricas tendem a trazer ambiguidade e resultados insatisfatórios:

A criação e utilização desta tabela vai, com o tempo, se tornar mais fácil, na medida em que você adquire maior consciência sobre suas emoções e os sentimentos que lhes seguem. Pratique esses pedidos para que eles despertem uma nova perspectiva na forma como você se comunica atualmente.

 

Componentes da CNV e etapas de transformação

O modelo da CNV parte da integração de alguns componentes principais:

Percepção: conjunto de princípios e perspectivas que apoiam uma existência compassiva, colaborativa, mas ao mesmo tempo plena de coragem e autenticidade em nossa relação conosco mesmo e com o meio em que estamos interagindo;

Linguagem: o entendimento de como as palavras, pronunciadas e ouvidas, podem contribuir para criar tanto conexões quanto para nos distanciar uns dos outros, além de apoiar ou ferir;

Comunicação: saber pedir aquilo de que realmente necessitamos, sem impor ameaças e sem qualquer forma de coerção; ouvir o outros em absorver ou externar críticas e culpa, ainda que não concordemos com seu ponto de vista; aprender a conduzir nossa fala de modo a buscar o benefício recíproco de todas as partes envolvidas; e

Influência: compartilhar o poder em vez de usá-lo sobre o outro, a fim de facilitar um ambiente em que todos possam se sentir igualmente valorizados, respeitados, honrados e seguros.


 

Todo modelo de comunicação possui ao menos duas partes: emissor e receptor. Na CNV, elas são chamadas de “honestidade” e “empatia”, e o processo todo ocorre em quatro etapas:

1. Observar sem julgar: como nossas observações e as dos outros constroem os fundamentos sobre o que estamos conversando. Nesta etapa inicial devemos eliminar quaisquer tipos de julgamentos, críticas ou opiniões que possam surgir um uma determinada interação. O importante é encarar a situação de forma neutra, ouvindo com interesse genuíno o que o outro tem a dizer, a fim de compreender o contexto de seu ponto de vista. O objetivo é fazer com que a relação seja transformada, não encerrada;

2. Expressão dos sentimentos: o corpo e a mente reagem quando nossos valores e necessidades estão ou não sendo atendidos. Por isso, é fundamental entender, reconhecer e expressar os sentimentos, pois eles oferecem um ponto de conexão muito forte que nos ajuda a compreender a experiência do outro e a comunicar nossa própria;

3. Declaração das necessidades: são nossos motivadores, as razões profundas pelas quais estamos nos comunicando. Quando declaradas, elas permitem ao outro um olhar mais humano e a construção de conversas equilibradas e empáticas, que trazem proximidade, reconciliação e que constituem a base para soluções do tipo ganha-ganha;

4. Pedido: é uma solicitação com base no que observamos, sentimos e necessitamos, feita de forma clara e objetiva e de uma maneira em que ela assume a entonação de um pedido, não de uma exigência –afinal, o outro sempre tem a possibilidade de escolha.

 

Retomando a Tabela da Empatia criada anteriormente e, embora esse processo possa ser utilizado inicialmente para que você “organize” seu eu interior, ele pode – e deve – ser expandido para seus diálogos com o outro, transformando-se assim na CNV e permitindo que você estabeleça conexões genuínas, harmoniosas e colaborativas. Para isso, construa uma história que concatene as colunas de sentimento, evento, necessidade e pedido montadas logo acima. Deixe de lado julgamentos, inferências e pensamentos – inclusive os que você listou na tabela –, a fim de potencializar essa conexão. A história deve seguir um enredo parecido com este:

Quando < EVENTO >, eu me senti < SENTIMENTO >, porque preciso de < NECESSIDADE >. Como poderíamos < PEDIDO > ?

Nesse processo, devemos evitar abordagens do tipo:

(…) eu me senti assim < SENTIMENTO > porque você (…)

pois esta fala culpa o seu interlocutor por aspectos que apenas você gerencia. Afinal ninguém pode despertar sentimentos em nós, sem a nossa permissão; e

Por que você não < PEDIDO > ? em vez de Como poderíamos ? <pedido> ?</pedido>

uma vez que o tom da primeira frase é impositivo e tende a acuar o interlocutor, enquanto a segunda convida para que ambos consigam chegar juntos à melhor solução possível.

Lembre-se também:

– de que há um momento certo para que esse diálogo ocorra, tanto para você, quanto para o outro. Desta forma, antes de iniciá-lo, certifique-se de que ambos estão de fato abertos para a troca ou quando seria um bom horário para isso;

– uma vez que estamos fazendo um pedido sincero e genuíno, devemos entender que a outra pessoa pode simplesmente não concordar com ele, nem se predispor a atendê-lo. A partir desta negativa, você pode escolher outras formas de atuar ou se relacionar – afinal, tudo são escolhas

O modelo da CNV pode ser empregado eficazmente para desenvolver, transformar e enriquecer interações familiares, corporativas, entre amigos e casais, bem como em processos ligados à educação e ao desenvolvimento de pessoas. Por meio dele, podemos contribuir para a criação de ambientes empáticos e solidários – para nós mesmos e àqueles que valorizamos.

 

 

Anexo I – Lista de referência: sentimentos

 

Saiba mais em:

 

Rosenberg, Marshall B. (2006). Comunicação não-violenta: técnicas para aprimorar relacionamentos pessoais e profissionais. São Paulo: Editora Ágora.

NVC MarshallRosenberg. (2000). San Francisco workshop.

TEDx Allendale Columbia School: Maria Engels. (2019). “Nonviolent communication and self-awareness”.

TEDx UWCRCN: Sylwia Wlodarskw. (2017). “Non-violent communication: how to get your point across”.

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Originalidade versus a lógica no cotidiano

Passamos boa parte da vida estudando e resolvendo problemas repletos de certeza e fatos conhecidos. Porém, assim que colocamos o caderno de lado e começamos a tomar decisões no dia a dia, os cenários com que nos deparamos são qualquer coisa, menos previsíveis.

Eis um típico problema matemático: dois ônibus saem do mesmo terminal ao meio dia. Um parte sentido oeste a 50km/h, ao passo que o outro segue em direção leste a 65km/h. Em quanto tempo eles estarão distantes entre si 150 km?

Este é um problema essencialmente lógico: a equação compreende fatores sabidos e constantes. Basta aplicar a fórmula certas para resolvê-lo. É também o tipo de problema que pode ser automatizado, facilmente programado e delegado aos algoritmos – afinal, o poder de processamento e cálculo dos computadores é, há muito tempo, maior do que o nosso. Em contextos assim, limitados, em que ônibus milagrosamente viajam a velocidades constantes e não enfrentam percalços no trajeto, a máquina é imbatível.

Mas eis agora um problema diferente: preciso estar no aeroporto de Cumbica (GRU) para um voo que decola às 14h. A que hora devo sair de casa e qual a melhor alternativa a ser utilizada nesse trajeto?

Neste caso, já não há mais previsibilidade:

– pode chover, o que reduz a velocidade do trânsito e inviabiliza algumas rotas;

– ou acontecer um acidente na estrada;

– talvez eu não consiga um táxi pelo aplicativo no horário programado;

– um objeto no trilho pode forçar os trens do metrô a parar por tempo indeterminado; e assim por diante

Há inúmeros eventos que podem influenciar meu deslocamento, seja qual for o meio escolhido. Sem falar no custo e na comodidade: se a viagem leva duas semanas, deixar o carro no estacionamento do aeroporto pode sair caro demais, embora viajar de metrô com uma mala grande seja inconveniente.

Neste segundo cenário, e ao contrário do anterior, não há uma única resposta certa, mas sim uma série de possibilidades mais ou menos corretas, dentre as quais devo decidir. Não se trata, portanto, de um problema estritamente lógico, em que basta escolher a rota mais rápida, a exemplo do GPS, para encontrar a solução – esta, na verdade, passa por campos subjetivos,contextuais, até mesmo pessoais que extrapolam qualquer equação matemática. Além disso, conta com um alto nível de incerteza: uma decisão ruim pode conduzir a resultados catastróficos.

 

Em situações assim, nosso objetivo não se baliza por atingir o melhor resultado possível; mas evitar o pior – no exemplo, chegar ao aeroporto de forma razoavelmente rápida, cômoda, segura e, acima de tudo, a tempo de embarcar no voo reservado.

 

Racionais, mas nem sempre

Quando buscamos apenas respostas lógicas aos desafios do mundo, limitamos nossa linha de atuação. A abordagem puramente racional, científica, conduz a resultados efetivos, porém ortodoxos, de pouca originalidade – porque são resultados aos quais outras pessoas ou empresas poderiam chegar também, por meio de abordagens igualmente racionais e científicas.

É por esta razão que Rory Sutherland nos convida a um olhar mais ousado, que deixe de lado essas ponderações exclusivamente matemáticas, exatas,e traga em seu lugar uma postura inusitada, psicológica, mais criativa e aberta à subjetividade:

“(…) há centenas de soluções, aparentemente irracionais, para os problemas humanos simplesmente esperando para serem descobertas, se nos atrevermos a abandonar os padrões e a ingenuidade lógica na busca por respostas.” [1]

A maioria dos nossos problemas são assim, tornando nossa visão determinista algo um tanto inadequado. Sempre que tentarmos resolver situações com o pensamento lógico, estaremos nos limitando a uma análise incompleta, embora “racional”, de como as coisas funcionam e, por conseguinte, reduzindo a margem para adaptação e criatividade.

Vejamos um exemplo de “irracionalidade” eficaz que se tornou estudo de caso:

Em meados dos anos 1940, a Kraft criou um cereal chamado Shreddies e o disponibilizou nos mercados da Inglaterra, Canadá e Nova Zelândia. Durante muito tempo, ele foi líder de mercado. Até que suas vendas começaram a diminuir. Então, em 2008, a agência de publicidade Ogilvy & Mather Toronto foi contratada para desenhar uma nova proposta que fizesse com que o Shreddies retornasse ao topo – afinal, e conforme pesquisas identificaram na época, embora a participação de mercado estivesse decrescendo, os clientes ainda gostavam bastante do produto e estavam satisfeitos com sua qualidade.

Ao longo desse processo, e durante uma sessão de brainstorming, um estagiário de 26 anos chamado Hunter Sommerville fez um comentário sobre o produto, dizendo que ele não era quadrado, mas que tinha a forma de diamante. E o que poderia ter sido ignorado como uma mera brincadeira, tornou-se uma grande ideia e ponto de partida para a reconstrução do posicionamento de mercado do Shreddies – embasado, é claro, por uma forte e divertida campanha.

Foi aí que surgiu o Diamond Shreddies (Shreddies Diamante): exatamente o mesmo produto, com a mesma fórmula de fabricação, mas apenas uma proposta diferente. Seu sucesso foi quase imediato e alavancou as vendas do produto em 18,6% – além de transformá-lo em um grande case de publicidade. Posteriormente, a Kraft produziu até combos que combinavam os “dois formatos”do produto em uma única embalagem.

 

Há diversos outros cases sobre fatores pouco racionais que, no entanto, tornaram-se extremamente efetivos atendendo a necessidades não-declaradas e problemas mais psicológicos do que propriamente lógicos. Vamos explorar mais alguns:

– pense sobre as pastas de dente: porque várias delas têm listras, separando os ingredientes de limpeza comuns daqueles que dão a sensação de refrescância? Do ponto de vista estritamente lógico, isso não faria o menor sentido, já que os dois elementos imediatamente se misturam em nossa boca logo nos primeiros segundos de escovação. A ideia por trás desse design, contudo, é a de que ao separar os componentes do creme o produto se torna mais convincente em suas diferentes propostas –limpeza e hálito fresco;

 

 

– o botão que fecha as portas dos elevadores. Também chamado de “botão placebo” são pouquíssimos os que realmente têm algum tipo de função programada a fim de acelerar o fechamento das portas. Porém, eles continuam ali para nos dar a sensação de que temos algum controle sobre o processo e, com isso, reduzir um estresse ou ansiedade eventuais, especialmente quando seu utilizador está atrasado para um compromisso no 80º andar. Uma abordagem semelhante envolve os botões de travessia de pedestres que, teoricamente, aceleram o ciclo de tráfego dos carros, a fim de dar vez a quem vem a pé. Segundo estatísticas do município de São Paulo, cerca de 80% dos semáforos estão acoplados com a chamada “botoneira”, mas a maioria delas ou funciona de maneira aleatória ou simplesmente não está programada / conectada a circuito algum que possa interferir no fechamento do farol. Os dados paulistanos não estão disponíveis, mas em Nova Iorque, por exemplo, 76,92%desses botões estão desativados há pelo menos uma década (o processo de desativação teve início em 2004);

– na Austrália, a Comissão de Defesa dos Direitos do Consumidor autuou a Reckitt Benckiser por conta de sua linha de medicamentos para dores Nurofen. Na época, 2016, havia um conjunto de comprimidos para categorias diferentes, como enxaqueca, coluna e cólica, vendidos em embalagens distintas e com preços também variados. Entretanto, toda a linha possuía exatamente a mesma formulação química – o que, pela interpretação do órgão, lesava o consumidor ao conduzi-lo a interpretações equivocadas sobre os efeitos do produto. Na prática, a empresa se apoiava no conceito de placebos afim de “fortalecer” o efeito desses medicamentos, algo totalmente psicológico, mas que tem resultados por vezes próximos ao de medicamentos reais, segundo diversos estudos científicos (vide referências abaixo)

 

John Maynard Keynes dizia:

“É melhor estar vagamente certo doque precisamente errado.”

Tendemos a supervalorizar respostas lógicas, porque elas nos dão ares mais científicos e uma sensação de controle sobre a situação. Entretanto, no fim das contas, o excesso de lógica pode nos tornar apenas previsíveis… pouco originais.

 

Saiba mais em:

Australian Competition and Consumer Commission. Full Federal Court orders $ 6 million penalty for Nurofen Specific Pain products. Disponível em:  https://www.accc.gov.au/media-release/full-federal-court-orders-6-million-penalty-for-nurofen-specific-pain-products

Comercial de TV. (2011). “New Diamond Shreddies”. Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=ZV6xrmm2mII

Detalhes da campanha “Diamond Shreddies”: https://www.ivanpols.com/portfolio/diamond-shreddies

HarvardHealth Publishing. (2017). The power of placebo effect. Disponível em: https://www.health.harvard.edu/mental-health/the-power-of-the-placebo-effect

KAM-HANSEN, Slavenka, JAKUBOWSKI, Moshe, KELLEY, John M. et al. (2014). Altered placebo and drug labeling changes the outcome of episodic migraine attacks. Science translational medicine, 6(218), 218ra5. https://doi.org/10.1126/scitranslmed.3006175.

MUNNAGI, Lambrus. (2020,atualizado em 18 de fevereiro). Placebo effect. Disponível em: https://www.ncbi.nlm.nih.gov/books/NBK513296/.

SUTHERLAND, Rory.(2019). Alchemy: the surprising power of ideas that don’t make sense. London: WH Allen.

SUTHERLAND, Rory. (2009). TED Talk: “Lições de vida de um publicitário”. Disponível em: https://www.ted.com/talks/rory_sutherland_life_lessons_from_an_ad_man?language=pt-br.

The Economist. A pressing problem: the pros and cons of placebo buttons. Matéria publicada na edição de 26 de janeiro de2019 e disponível em: https://www.economist.com/science-and-technology/2019/01/26/the-pros-and-cons-of-placebo-buttons

[1] Tradução livre de “(…) there are also hundreds of seemingly irrational solutions to human problems just waiting to be discovered, if only we dare to abandon standard-issue, naïve logic in the search for answers.”

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8 dicas para tornar suas reuniões mais produtivas

Você chega 5 minutos antes, mas a reunião começa com 15 minutos de atraso. Há pessoas demais na sala, muitas das quais sequer precisariam estar ali, e outras que foram chamadas em cima da hora. A pauta, quando há uma, não é respeitada. Discute-se vários tópicos, mas, ao final, a única decisão tomada é a de que será preciso… agendar uma nova reunião.

Durante workshops sobre produtividade e gestão do tempo que conduzimos na Arquitetura RH, as reuniões aparecem, quase unânimes, como uma das maiores fontes de desperdício de tempo nas organizações. Mas por que elas são assim tão ruins? Neste artigo, vamos discutir oito pontos para ajudá-los a organizar – e participar de – reuniões mais produtivas.

 

01. Precisamos mesmo de uma reunião

Vários assuntos não só podem, como devem ser conduzidos em um contexto diferente. Revisão de documentos, por exemplo. Quando uma reunião é organizada para este propósito, a tendência é de que as pessoas se dispersem rediscutindo decisões que já foram tomadas e desperdiçando tempo com ajustes de palavras e pontuação. O ideal é que o documento seja compartilhado com antecedência, a fim de que todos tenham tempo hábil de lê-lo, levantar pontos de dúvida e, só então, realizar uma reunião de alinhamento dessas especificidades – caso realmente necessário. Há reuniões, no fim das contas, que poderiam muito bem ser substituídas por um simples e-mail.

 

02. Defina previamente a pauta de discussão

Sendo a reunião realmente necessária, estabeleça uma pauta e certifique-se de que ela seja informada previamente a todos os participantes. Se o convite para a reunião for feito através de calendários e aplicativos digitais, use o campo “assunto” ou “descrição”, para explicitar, de maneira breve e objetiva, o que deverá ser tratado nesse encontro. Isso é importante para que as pessoas tenham tempo de se preparar para a discussão, pesquisando ou consultando os materiais que julgarem necessários, além de separar informações relevantes para compartilhar. Mas seja realista: a quantidade e complexidade de tópicos deve ser compatível com o tempo programado.


 

03. Convide apenas as pessoas chave

Certifique-se de que as pessoas que têm poder decisório ou informações importantes para compartilhar foram convidadas. Reuniões com muitos participantes tendem a ser caóticas, com discussões infindáveis e diversas pessoas isoladas, que passam a maior parte do tempo todo mudas – seja porque não têm envolvimento direto com o assunto ou porque não detêm poder de decisão e, consequentemente, não precisariam estar ali. Convidá-las implica apenas em perda de tempo.

Muitas empresas não calculam o custo financeiro de reuniões improdutivas, ou fazem-no de maneira simplista: “só perdemos 1h”. Na verdade, esse desperdício de recursos pode ser calculado: uma reunião improdutiva de 1 hora custa a soma do salário-hora de cada participante. Dependendo da equipe convocada, esse valor pode facilmente atingir a marca de milhares de reais. Então pense nele multiplicado pela quantidade de encontros improdutivos: é dinheiro desperdiçado. Mais ainda: essas reuniões provocam efeitos colaterais, estes mais difíceis de serem calculados, relacionados a perda de produtividade e de motivação.

Considere, no entanto, que as pessoas que não vão contribuir diretamente para as decisões que serão tomadas, mas precisam dessa informação, podem ser incluídas, posteriormente, na lista de distribuição da ata. Outra possibilidade: definir representantes de áreas de negócio que possam participar e, depois, compartilhar as decisões tomadas de forma mais objetiva com o restante de suas equipes. Assim, é possível acertar a quantidade de pessoas presentes.

04. Organize os assuntos e alinhe expectativas

Ao iniciar uma reunião, apresente a sequência dos tópicos que serão tratados e o tempo reservado para cada um desses blocos. Isso permite que as pessoas se programem e acompanhem o andamento, sintetizando ou explorando mais detalhes, conforme o caso e o tempo restante.

Aqui, tenha em mente que as pessoas possuem perfis de comunicação diferentes: algumas são mais objetivas e diretas, ao passo que outras se sentem mais confortáveis esmiuçando detalhes e informações mais aprofundadas. Se o encontro é com pessoas que você já conhece, considere esse detalhe no planejamento da pauta; caso não as conheça de antemão, reserve um espaço a mais para que todos os perfis possam, de alguma forma, encontrar espaço de participação. (Conheça mais sobre este tema aqui.)

05. Respeite o tempo agendado

Reuniões devem começar e terminar no horário programado. Nada de esperar fulano ou sicrano, que está atrasado; muito menos recapitular aos menos pontuais o que foi discutido durante sua ausência. As pessoas devem entender que a efetividade de uma reunião é um resultado atingido em grupo e que, justamente por isso, depende da colaboração de todos.

Tão importante quanto começar no horário é terminar no horário: muitas pessoas planejam seu dia de forma a otimizar o tempo de trabalho. Assim, “prendê-las” além do previsto pode fazer com que suas agendas posteriores sejam desestruturadas, gerando estresse, frustração.

Ademais, atente-se para reuniões consecutivas. Minha recomendação é que você não agende nem participe de duas ou mais em sequência. Afinal de contas, após uma reunião geralmente é necessário um tempo para organizar linhas de raciocínio, concatenar novas informações recebidas e se planejar sobre as tarefas que eventualmente nos foram incumbidas. Ao sair de uma reunião direto para outra, isso significa que esse exercício reflexivo, importante para que o cérebro monte os próximos passos, se acumulará, possivelmente fazendo com que algumas informações – caso você não tenha tomado nota de tudo o que era importante – sejam perdidas nesse intervalo.

Se isso for inevitável, por conta de dificuldade de agenda ou algo parecido, organize as reuniões para que haja um intervalo mínimo entre elas. Recomendação: o tempo padrão de uma reunião deve ser um intervalo de 50 minutos, em vez de 1h cheia. Assim, você terá alguns minutos para entrar na seguinte, começando-a pontualmente.

06. Presença plena

Conforme comentamos em um artigo anterior, sobre produtividade e gestão do tempo, multitasking é essencialmente um mito. O que as pessoas fazem chama-se alternância de tarefas. E esta é uma das práticas mais nocivas à produtividade. Sendo assim, não é possível participar ativamente de uma reunião, enquanto responde a e-mails no computador, conversa com alguém nos aplicativos de mensagem instantânea ou navega na internet.

 

 

07. Boa facilitação

Toda reunião requer a presença ativa de um(a) facilitador(a). Este não precisa ser exatamente a pessoa que agendou e organizou o evento, mas alguém que está ciente e confortável com a pauta e que terá a missão de manter a conversa fluindo dentro dos tópicos acordados previamente. Falaremos sobre isso em detalhes em um outro artigo, mas uma das principais habilidades de facilitação é o “jogo de cintura” para interromper as pessoas que estão trazendo assuntos tangenciais ou relacionados a outro contexto – e elas podem ser inclusive o(a) Presidente da empresa. Cabe também ao facilitador garantir que todos têm igual oportunidade de participar e compartilhar sua opinião / informações.

08. Defina um plano de ação

Toda reunião deve ser concluída com um plano de ação, isto é, uma lista de tarefas que representam os próximos passos a serem executados. Estas, por sua vez, precisam ter um responsável (owner) e um prazo de conclusão. Sem responsável, são grandes as chances de que ninguém efetivamente “pegue a tarefa para si” e ela continue pendente até a próxima reunião; sem prazos, as tarefas não poderão ser devidamente priorizadas na lista (backlog) de cada responsável.

O plano de ação deve ser acordado durante a reunião e com os responsáveis pelas tarefas, colhendo deles a concordância de que é possível realizá-las e, principalmente, dentro do prazo estipulado. Deixar esta etapa para depois pode fazer com que as tarefas sejam dessincronizadas do contexto global em que estão inseridas, prejudicando outras tarefas, áreas ou pessoas.

Este plano deve ser devidamente documentado e enviado para todos os participantes após o encontro. Busque a simplicidade e aproveite as opções de ferramentas eletrônicas e mapas mentais, para torná-lo colaborativo. É recomendável, também, repassá-lo rapidamente como última etapa da reunião, a fim de garantir que tudo foi entendido e acordado corretamente.

09. Item extra: atenção para a linguagem!

Tome cuidado com a linguagem: termos sarcásticos, ironia e comentários depreciativos sobre as ideias podem colocar toda a comunicação a perder, inibindo alguns participantes. Ademais, feedbacks de caráter pessoal devem ser reservados para um momento posterior, em que a conversa possa acontecer de maneira privada, evitando assim exposições desnecessárias.

Jargões, clichês e lugares-comuns também não favorecem a discussão, ao passo que termos em outros idiomas (branding, budget, forecast, pipeline etc.) podem não ser compreendidos por todos que, no entanto, talvez não se sintam confortáveis em perguntar seu significado e perder pontos importantes da conversa.

Da próxima vez

Reuniões podem ser produtivas e divertidas. É possível conduzi-las com bom humor e, especialmente, por meio de técnicas e ferramentas que estimulam a colaboração e o compartilhamento de informações (para dicas sobre este tema, acesse nosso blog – lá você encontrará diversas alternativas para aplicar com seu time).

Por fim, é importante que as pessoas possam oferecer feedback sobre a forma como uma reunião foi conduzida, principalmente se o grupo costuma se reunir com frequência, a fim de colocar em prática melhorias. Todos se sentirão gratos ao perceber seus comentários sendo transformados em ações para otimizar o tempo.

 

Saiba mais em:

BRYANT, Adam. (2017). How to run an effective meeting. Artigo escrito para New York Times, em 24 de abril.

Disponível em: https://www.nytimes.com/guides/business/how-to-run-an-effective-meeting

GRADY, David. (2011). The conference call.

Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=zbJAJEtNUX0.

GRADY, David. (2013). TED Talk: Como salvar o mundo (ou pelo menos a nós mesmos) demás reuniões.

Disponível em: https://bityli.com/2UPA6

MERCHANT, Nilofer. (2013). TED Talk: Got a meeting? Take a walk.

Disponível em: https://www.ted.com/talks/nilofer_merchant_got_a_meeting_take_a_walk

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Ambidestria organizacional

Ambidestria tem a ver com a habilidade de usar ambas as mãos com a mesma destreza. No contexto organizacional, é uma estratégia que combina características

– exploratórias, no sentido de utilizar recursos disponíveis e todo seu potencial, a fim de conduzir os negócios e operações atuais de forma eficiente. Envolve o emprego de métodos e ferramentas com eficácia comprovada e já conhecidas pela empresa, e ocorre por meio de processos produtivos, de melhoria, refinamento; e

– investigativas [1], ou seja, capazes de analisar movimentos e oportunidades de mercado e se adaptara essas demandas. Está relacionada a pesquisas, experimentos, tomada de risco, flexibilidade, criatividade, inovação e agilidade

 

 

A proposta dessa estratégia, portanto, é a combinação das duas vertentes, a fim de potencializar uma mescla de excelência operacional e abertura para o futuro. Afinal, empresas focadas somente na exploração acabam se atendo ao status quo, perdendo velocidade frente às transformações do mercado, enquanto aquelas focadas apenas em investigação podem acabar desperdiçando recursos valiosos em ideias sem resultados concretos ou que jamais serão colocadas em prática.

Origem e características

O conceito surgiu em 1976, com Robert Duncan, mas foi só quinze anos depois, por meio de um paper de James March, que ele se disseminou como estratégia:

 

“Investigar novas oportunidades e explorar velhas certezas.”

O’Reilly e Tuschman usam uma analogia mitológica para defini-lo: Jano, deus romano do início e das escolhas, caracterizado por um ser com duas faces, uma voltada para trás (o passado) e outra para frente (o futuro).

 

Assim, a principal vantagem desse conceito reside na preparação das empresas para atuar em contextos de muita competitividade e de transformações rápidas e profundas – exatamente como acontece nesta fase de transição entre as Revoluções 3 e 4.0, com o avanço da Inteligência Artificial, a simbiose entre componentes biológicos e tecnológicos e a fusão dos ambientes real e virtual.

Nessa visão, uma empresa ambidestra se desenvolve cultural e estrategicamente a ponto de equilibrar elementos mais rígidos, como disciplina e força, e mais voláteis, como apoio e confiança, criando assim objetivos compartilhados, uma identidade coletiva e também respeitando o propósito individual frente aos esforços da organização como um todo.

A ambidestria, contudo, é um dos grandes desafios da gestão: como construir esse ambiente em que executivos podem desbravar novos horizontes enquanto mantêm as operações funcionando de forma diligente? Não é à toa que poucas atingem esse nível. Como afirmam O’Reilly e Tuschman (2004):

A maioria das empresas de sucesso adere ao refinamento de ofertas existentes, mas falham quando se trata de explorar produtos e serviços radicalmente novos.

Como aplicar o conceito

O’Reilly & Tuschman analisaram 35 empresas com diferentes métodos para colocar em prática essa estratégia: desde modelos com times transversais, focados em criação disruptiva a partir da integração entre diversas áreas, dentro da mesma estrutura organizacional, porém sob um hierarquia de gestão diferente; até composições alternadas, em que a empresa trabalhava a ambidestria de forma mista, isto é, alternando períodos de exploração e investigação.

Dentre elas, o maior percentual de sucesso (90%) foi atingido por aquele baseado no modelo de venture capital. Atualmente, inclusive no Brasil, empresas de grande porte têm criado internamente células de pesquisa e inovação que funcionam com certa autonomia e possuem estrutura, processos e culturas separadas, embora com níveis executivos atuando de maneira integrada. Assim, é possível manter a estrutura operacional existente, dentro de um modelo que já funciona com eficiência, ao mesmo tempo em que se abrem caminhos para o novo.


Uma vantagem desse modelo é que a célula de pesquisa funciona como um departamento –eventualmente até mesmo como uma empresa em menor escala – a parte, não havendo, portanto, necessidade de conciliações culturais entre as duas esferas, algo geralmente muito complexo. Ademais, e segundo O’Reilly & Tuschman:

“(…) ele permite o compartilhamento de recursos importantes das unidades tradicionais – dinheiro, talento expertise, clientes e assim por diante –, embora a divisão organizacional garanta que os processos, estruturas e cultura distintos dessa nova célula não sejam pressionados pelo ‘business as usual’. Ao mesmo tempo, as unidades já estabelecidas permanecem blindadas das distrações de lançamento de novos negócios, podendo manter o foco, atenção e energia no refinamento das operações existentes, aprimoramento de produtos e atendimento de clientes.”

Um mapa para o futuro

Assim como o desenvolvimento pessoal parte de uma jornada de autoconhecimento, a gestão estratégica empresarial também precisa olhar para dentro de casa e entender sua trajetória e momento atual para delinear os próximos passos. Por esta razão, recomendamos que vocês, gestores, preencham o “Mapa da Inovação” [3]:


 

Ao fazê-lo, vocês terão evidências sobre áreas e caminhos que suas empresas podem ter deixado de lado e, a partir daí, concentrar os esforços de desenvolvimento da ambidestria.

É importante enfatizar que:

– esse processo requer a criação de uma causa em comum, capaz de unir esforços das equipes das diferentes unidades em prol de um objetivo compartilhado;

– a gestão responsável por ele precisa de força política e trânsito livre entre as diferentes unidades, a fim de exercer influência e, principalmente, angariar o apoio necessário para que as iniciativas de inovação sejam desenvolvidas. Tenha em mente que uma série de tradeoffs entre o atual e o novo inevitavelmente ocorrerá;

-embora as unidades possam estar fisicamente separadas, o que é bastante comum, elas não podem ser fragmentadas. Algumas empresas, por exemplo, optam por atrelar os sistemas de recompensa aos resultados da organização como um todo, em vez daqueles específicos às unidades;

– estabelecer um plano de comunicação claro, definindo a visão da empresa em relação a essas iniciativas. Ele permitirá que as unidades de exploração e investigação coexistam

Há grandes cases de sucesso de ambidestria pelo mundo. No mercado americano, O’Reilly & Tuschman citam o jornal USA Today e seu processo de transformação digital no USAToday.com. No Brasil, há iniciativas poderosas em curso, como o LuizaLabs, responsável por uma grande mudança estratégica no varejo digital, e a parceria entre o Cubo Itaú e a Dasa, em2018, que criou um espaço dedicado a healthtechs. Em todos esses casos, modelos de ambidestria foram e continuam sendo aplicados, a fim de que essas empresas continuem inovando em campos, tecnologias, produtos e serviços complemente novos, ao passo que as operações core continuam funcionando e implementando ações de excelência operacional.

Aqui na Arquitetura RH, o conceito de ambidestria aliado afrentes de inovação tem sido implementado na criação do “LabRH”, ideia que surgiu há cerca de um ano e que tem sido desenvolvida. Mas guardaremos os detalhes desse processo para uma próxima ocasião. Enquanto isso, não deixe de seguir nossas páginas nas mídias sociais (LinkedIn e Instagram), para acompanhar nosso trabalho. Todo dia, um novo conteúdo selecionado para o desenvolvimento – seu e de sua empresa.

 

Saiba mais em:

Cubo Itaú: https://cubo.network/

DasaHub: https://dasa.com.br/inovacao/empreendedorismo-e-startups

DUNCAN, R.(1976). The ambidextrous organization: Designing dual structures for innovation. In: KILLMAN, R. H., PONDY, L. R. & SLEVEN, D. (eds.) The Management of Organization. New York: North Holland. 167-188.

GIBSON, C.& BIRKINSHAW, J. (2004). Building Ambidexterity into an Organization Topic: Leadership and Organizational Studies. Reprint 45408, (4), 47–55.

LIS, Andrzej, JÓZEFOWICZ, Barbara, TOMANEK, Mateusz & GULAK-LIPKA, Patrycja. (2018). The concept of the ambidextrous organization: systematic literature review. International Journal of Contemporary Management Volume 17,  Number 1, pp. 77–97. Disponível em: http://www.ejournals.eu/ijcm/2018/Numer-17(1)/art/11484/

MARCH, James G. (1991). Explorationand exploitation in organizational learning. Organization Science, 2, 71-87. Disponível em:

https://pubsonline.informs.org/doi/abs/10.1287/orsc.2.1.71

O’REILLY III, Charles A. & TUSCHMAN, Michael L. (2018). Liderança e disrupção – como resolver o dilema do inovador. Rio de Janeiro: Alta Books.

O’REILLY III, Charles A. & TUSCHMAN, Michael L. (2004).The ambidextrous organization. Artigo da Harvard Business Review, publicado em abril. Disponível em: https://hbr.org/2004/04/the-ambidextrous-organization

REEVES, Martin, HAANAES, Knut, HOLLINGSWORTH,James & SCOGNAMIGLIO, Filippo. (2013). Ambidexterity: the art of thrivingin complex environments. Artigo escrito para a Boston Consulting Group (BCG) epublicado em 19 de fevereiro. Disponível em: www.bcg.com/publications/2013/strategy-growth-ambidexterity-art-thriving-complex-environments.aspx

[1] Em inglês, as características são definidas pelos termos exploitation exploration, respectivamente, que possuem a mesma tradução para o português: “exploração”, ainda que com nuances de significado diferentes. Foi por esta razão que optei por manter “exploração” para exploitation e usar “investigação” para exploration.

[2] Traduzido e adaptado de Harvard Business School, 2004.

[3] Adaptado do modelo desenvolvido pela Harvard Business School, 2004.

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Pitch de negócios: como apresentar sua ideia em 5 andares

Pitch é uma espécie de tweet do mundo físico: só que em vez de 140 caracteres, você costuma ter alguns minutinhos para apresentar sua ideia de negócio, encantar possíveis investidores e fazer com que eles aportem dinheiro para torná-la realidade. Ou ganhar escala, dependendo do caso.

Há alguns tipos específicos de pitch:

– o chamado one-sentence, em que você resume a proposta de valor da sua ideia ou empresa em apenas uma frase, que pode então ser utilizada em campanhas e materiais de engajamento;

– o elevator business pitch, método que faz alusão ao tempo de discurso que você teria disponível, caso um investidor entrasse no mesmo elevador em que você está e os dois subissem cinco andares juntos (algo em torno de um minuto); e

– o pitch como termo que designa uma apresentação, em geral de 3 a 5 minutos, de uma ideia de negócio e que busca apoio financeiro de fundos de venture capital (VC) ou investidores-anjo.

A técnica pode ainda ser usada no contexto de colaboradores que vão apresentar um determinado projeto para um comitê executivo da empresa em que trabalham, que, por sua vez, pode aprovar ou não o orçamento para que ele seja posto em prática. Neste artigo, usamos a metáfora do elevador, mas com foco no pitch de 3 a 5 minutos.

Térreo – pronto para embarcar

 

 

Um adulto consegue falar, em média, de 120 a 150 palavras por minuto em língua portuguesa – número que pode variar conforme cadência, entonação e características linguísticas regionais. A princípio, essa multiplicação pode parecer pouco tempo, mas mostraremos a seguir que não.

Um pitch precisa cobrir cinco elementos básicos:

(1) O problema;

(2) A solução;

(3) Por que seu interlocutor pode confiarem você;

(4) Proposição de valor; e

(5) Chamada de ação.

Sabendo isso, aperte o botão de subida: vamos explorar cada um desses cinco andares, até chegar ao rooftop. Mas não se esqueça do sorriso no rosto e das saudações – afinal, você nunca sabe quando a próxima grande oportunidade vai entrar nesse elevador.

Primeiro andar: que problema sua ideia pretende resolver

 

 

É o momento de criar um vínculo emocional com o interlocutor, fazendo com que ele se identifique com o problema – seja porque corrobora com a causa, ou por tê-la experienciado pessoalmente.

Grandes startups nasceram a partir do momento em que seus criadores resolveram dar um basta em alguma situação desagradável, complexa, irritante que eles próprios vivenciaram. Embora não seja mandatório ter passado pelo problema, é imprescindível conhecê-lo e, principalmente, por quais razões ele é um problema.

Cuidado, porém, na medida: a descrição do fato precisa conter elementos de apelo emocional, sem se transformar em um dramalhão de sessão da tarde. Anedotas e contação de história com personagens (reais ou personas)são válidas apenas enquanto capazes de ilustrar situações específicas. Além disso, adjetivos muito intensos e opiniões extremadas, particularmente se envolverem questões delicadas (política), podem encerrar sua subida aqui mesmo.

Segundo andar: como você resolve esse problema

 

 

Esclarecido o problema, é hora de falar da solução. Por que sua ideia é capaz de resolvê-lo? Use números, comparações e dados que respaldem suas afirmações, além de explicar seus principais pontos.

Não é o momento de detalhes técnicos, nem de apresentar toda a bibliografia consultada enquanto você montava seu plano de negócios: seja preciso e coerente, destacando os principais benefícios que ela oferece, isto é, seus diferenciais em relação a alternativas de mercado.

Toda ideia tem um concorrente: se não for uma empresa já estabelecida no mercado, ou novo entrante, o competidor serão bom e velho status quo, isto é, “a forma como as coisas sempre foram feitas por aqui”.

Pense nisso, quando tiver de calibrar sua proposta de valor.

Adicionalmente, evite abordagens do tipo locutor de magazine, como:

– provocações exaustivas: “Você não detesta quando [situação 1] acontece, ou quando [situação 2]. Porque [situação 3] é realmente incômoda…”;

– hipérboles: “a mais fantástica”, “melhor do mundo”, “absolutamente incrível”;

– truísmos, ou seja, discursos artificiais, com o buzzword do momento e afirmações que o fazem parecer um vendedor, em vez de uma pessoa resolvendo problemas de negócio.

David Rose, empreendedor em série e investidor-anjo americano fala aqui sobre progressão lógica: você deve discorrer sobre o mercado em que sua ideia está inserida, coisas sobre as quais tem conhecimento, validadores, coisas que sabe que não são corretas, pontos que o fazem refletir e oportunidades de melhoria.


Terceiro andar: por que a pessoas podem confiar em você

 

 

Convenhamos: no elevator pitch você é essencialmente um estranho abordando um investidor em potencial. Por que, então, essa pessoa investiria dinheiro em você?

Esta é a oportunidade para contar um pouco de sua história: como você se envolveu com o problema, principais pontos pesquisados, contatos com outras empresas / empreendedores / soluções, dados de mercado e sobre o público-alvo de sua proposta. Demonstre, com segurança, que você sabe do que está falando, fez a lição de casa e está pronto para se comprometer e colocarem prática a solução.

E este último ponto é fundamental: se esse senso de comprometimento não ficar evidente, é pouquíssimo provável que sua ideia receba qualquer tipo de investimento.

Afinal, quem emprestaria dinheiro para alguém que, logo nos primeiros obstáculos – e eles certamente vão surgir – desiste?

 

Quarto andar: por que sua ideia é uma boa ideia


 

Aqui vem sua proposta de valor. Descreva os benefícios oferecidos por sua solução, oportunidades adicionais de atuação, possibilidades de ganho de escala, questões financeiras (dependendo do contexto).

Mas acima de tudo, o propósito envolvido nessa iniciativa: o que foi que o motivou a perseguir este objetivo e como você se conecta pessoalmente com ele.

Simon Sinek fala sobre isso em uma TED Talk que está dentre as mais assistidas da história do evento – olha a hipérbole aqui; mas, neste caso, não é exagero: foram 50,6 milhões de visualizações, desde 2009.

Outro ponto essencial é a explicação sobre como o dinheiro aportado pelo investidor será empregado na implantação da ideia. Embora o momento do pitch não seja a ocasião para entrar em detalhes, eles certamente serão solicitados em um segundo encontro. Esteja preparado para destrinchar os custos e estimativas.

 

Quinto andar: próximos passos

 

 

Um pitch é essencialmente um teaser da sua ideia, com detalhes suficientes para fazer com que a pessoa se interesse por ela – e dê abertura para um contato mais aprofundado. Uma vez que houver esse interesse, você está pronto para a CTA – call to action, ou “chamada para ação”. É aqui que você estabelece a ponte de conexão para que os próximos passos sejam dados:

– troque contatos para poder encaminhar materiais complementares à conversa, direcionar a pessoa a um site ou local de campanha;

– agende um novo encontro, no qual você poderá desfrutar de mais tempo para apresentar sua ideia com detalhes, discutir a viabilidade financeira, permitir que se interaja com um protótipo.

 

Rooftop

 

 

O improviso é um dos inimigos do pitch. Por mais extrovertido e rápido na concatenação de ideias que você possa ser, convém preparar e treinar sua apresentação, a fim de que ela ganhe fluidez e naturalidade.

Ao começar a escrever seu “roteiro”, não recomendo que o faça já em sua forma final, enquadrada como um pitch. Coloque as ideias em uma folha, de forma livre e despreocupada, organize-as para que assumam um modelo de impacto, e só então comece a ajustar, cortar e substituir palavras e expressões:

Escreva suas ideias livremente para que o discurso ganhe corpo e você consiga organizá-las ao enxergar o texto completo;

Livre-se de detalhes desnecessários, como redundâncias ou aspectos que não dizem respeito às principais características de sua proposta;

Elimine jargões técnicos: posteriormente, você terá a oportunidade de compartilhar documentos com descritivos e comparativos técnicos;

Encurte e conecte suas frases de forma coerente;

Revise o discurso, questionando a si mesmo se ele transmite de forma clara os benefícios que sua ideia / proposta de negócios oferece;

Pratique: apresente-se para pessoas que possam dar feedbacks importantes sobre o conteúdo e sua abordagem, e ensaie para se “tornar fluente” nesse discurso.

Somente desta forma sua apresentação terá o tom, cadência e naturalidade necessárias para encantar investidores e trazê-los para o time.

Com esta estratégia, seu discurso será construído com muito mais facilidade.

E não se torne dependente de recurso tecnológicos ou qualquer outra coisa que, eventualmente, não poderá ser usada na apresentação – seja por falta de tempo ou acesso. O pitch tradicional deverá ser pautado na fala, expressões e movimentos. Posteriormente, e na medida em que você conseguir se apresentar em locais menos voláteis – um escritório ou auditório, por exemplo – adeque seu discurso conforme o público participante, pesquisando sobre background de características desses investidores em potencial, inclusive adaptando elementos de linguagem e contexto. Tudo isso pode enriquecer sua apresentação, criando aquele vínculo que comentamos no primeiro andar.

Essas interações são, acima de tudo, uma negociação. Por isso, e como afirma Steve W. Martin, “em vez de ultimatos que forcem o interlocutor a aceitar ou rejeitar a proposta, ofereça alternativas entre as quais ele possa escolher e que foram cuidadosamente preparadas de antemão”.

Por fim, lembre-se de que o pitch é importante em diferentes momentos: fique atento para identificá-los e se apresentar de forma assertiva, conforme o contexto e o canal utilizado – desde o exemplo do elevador até interações em mídias sociais.

Saiba mais

em:

CAYA. (2019). Elevator pitch examples from startups. Disponível em: https://slidebean.com/blog/startups-elevator-pitch-examples

ELSBACH, KimberlyD. (2003). How to pitch a brilliant idea. Artigo escrito para a Harvard Business Review. Disponível em: https://hbr.org/2003/09/how-to-pitch-a-brilliant-idea

MARTIN, SteveW. (2012). Win the business with this elevator pitch. Artigo escrito para a HarvardBusiness Review. Disponível em: https://hbr.org/2012/08/win-the-business-with-this-ele

ROSE, David.(2007). TED Talk: “How to pitch to a VC”. Disponível em: https://www.ted.com/talks/david_s_rose_how_to_pitch_to_a_vc

SINEK, Simon. (2018). Comece pelo porquê: como grandes líderes inspiram pessoas e equipes a agir. São Paulo: Sextante.

SINEK, Simon. (2009). TED Talk: “Como os grandes líderes inspiram ação”. Disponível em: https://www.ted.com/talks/simon_sinek_how_great_leaders_inspire_action?language=pt-br

 

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Onde foi parar meu tempo?

Dizia Charles Buxton:

“Você nunca encontrará tempo para nada. Se precisar de tempo, terá de criá-lo”.

Manhã de segunda-feira, acabo de chegar à empresa. Ligo o notebook e dou um pulinho até a copa, a fim de tomar o primeiro café do dia. Lá, encontro um colega que está trabalhando em um projeto do qual não participo; sabendo de minha afinidade com planilhas, ele tem uma ideia: pedir para que eu compile os dados de uma pesquisa, já que, para mim, “vai levar só um minutinho”. Ele reforça que precisa desse resultado até sexta-feira, fim do dia. Despreparado para a solicitação, respondo um automático, porém solícito, “tudo bem, deixa comigo”.

Naquela mesma tarde, através de um grupo do WhatsApp criado tempos atrás, uma pessoa que não conheço compartilha o link de uma pesquisa que sua amiga está realizando para uma tese de doutorado. O formulário tem de ser preenchido até sexta. Sem sequer abrir a página para entender a quantidade de perguntas e a profundidade esperada nas respostas, corro enviar uma mensagem me comprometendo ajudar.

De volta à mesa, abro minha agenda digital e vejo o resumo da semana: aula na quinta-feira à noite (e lembro-me de que há leituras de apoio pendentes) e uma apresentação de workshop com oito horas de duração na sexta. Não comecei a preparar o material, mas… o que pode dar errado? Ainda estamos na segunda. Certo?

Os dias passam e continuo dizendo “sim” para uma série de pequenas atividades, em geral com pouca relevância, e nenhuma delas planejadas e priorizada sem minha relação semanal. Até que a, agora sobrecarregada, sexta-feira amanhece e, com ela, a constatação de que se trata, na verdade, de um dia normal, de 24 horas – e não uma versão estendida de 48h. Imediatamente percebo que elas não serão suficientes para lidar com todo os “sins” que fui acumulando ao longo dos outros dias.

Esse cenário é bastante comum: várias pessoas estruturam listas, a fim de organizar seu dia. Cada relação dessas enumera vinte, trinta itens a serem cumpridos em uma determinada data. Mas ansiosos pela quantidade de tarefas, acabamos adotando uma estratégia de resultado duvidoso: começamos pelas tarefas mais fáceis e simples, e seguimos “ticando” a lista. Ao final do dia, e a despeito de ter baixado 60% do planejado, a sensação de frustração e tempo perdido persiste: afinal, fizemos apenas aquilo que era mais fácil, e não necessariamente o que era importante – a lista não estava priorizada.

 

 

Ao longo do dia, interrompemos e somos interrompidos o tempo todo por notificações, alertas, sinais luminosos, vibrações, toques customizados e outros ímãs de atenção emitidos pelo smartphone. Esses estímulos ativam reações cerebrais automáticas, límbicas, difíceis de controlar. E, dessa forma, acabamos impelidos a desbloquear a tela e consultar o que está acontecendo – quase sempre, algo sem importância. Não nos damos conta, porém, de que essas interrupções geram um esforço cognitivo adicional para retomarmos o foco de atenção ao que estávamos fazendo – pesquisas em Neurociência apontam o número: 23 minutos e 15 segundos, em média.

Faça as contas: 23 minutos (pode arredondar) multiplicados pelo número de vezes que você consulta o celular ao longo do dia. O resultado é o ônus do mundo digital sobre sua produtividade.

Distrações como essa não têm impacto apenas sobre a produtividade: sua principal consequência são os efeitos emocionais negativos. Segundo a pesquisa científica de Gloria Mark (2008), essas interrupções levam a situações de aumento de estresse e mau-humor, sem contar a perda de linhas de raciocínio importantes, que talvez demorem muito tempo mais para serem re-associadas – se é que o serão. Mark apurou também que, durante um dia normal de trabalho, as pessoas consultam seu e-mail em média 74 vezes – embora haja casos mais graves em que esse número chega a 435!

Há interrupções mais difíceis de controlar – pessoas vindo à sua mesa fazer perguntas de trabalho, por exemplo; outras, porém, são “autoinfligidas”: o famoso Alt+Tab entre o processador de texto, em que você elabora o relatório gerencial com prazo de entrega em contagem regressiva, e o navegador da internet, aberto na timeline do Facebook. Nesse ritmo frenético de alternâncias do foco de atenção simplesmente não é possível atingir aquilo que Mihaly Csikszentmihalyi chama de flow – um estado de concentração em que as ideias se concatenam em fluxos criativos.

 

Administração do tempo pós-Mozart: o pomodoro

Os biógrafos do compositor austríaco retratam que ele possuía uma qualidade bastante rara: Wolfgang Amadeus Mozart era capaz de trabalhar em diversas composições ao mesmo tempo, todas elas, como viríamos depois, obras de arte. Mas ele é talvez o único exemplo conhecido com essa capacidade. Tendemos a nos considerar grandes praticantes do multitasking, mas é improvável que tenhamos desenvolvido esse perfil de “Mozart executivo” – expressão criada por Peter Drucker (1967).

Ao contrário, somos seres humanos com capacidade de cognição sequencial: qualquer tarefa que exija certo nível de concentração terá de ser realizada de forma individualizada; para que possamos nos dedicar a outra, é necessário terminar (ou pausar) a anterior, e assim sucessivamente.

Isso, no entanto, é bastante difícil, especialmente se considerarmos os aplicativos de comunicação instantânea – inclusive os corporativos – que disparam caixas de diálogo sempre que uma nova mensagem é enviada e quase nos obrigam a respondê-la imediatamente. De fato, existe uma expectativa social na maioria das empresas de que as respostas devem ser imediatas.

Já passou por alguma situação em que um e-mail acabou de chegar a sua caixa de entrada e, segundos depois, o remetente veio a sua mesa informar que havia mandado um e-mail?

É comum nos prendermos a esses maus hábitos e perceber, apenas no fim do dia, que as oito horas passadas no escritório foram em vão – o que nos leva a estender jornadas e/ou levar o trabalho para casa.

 

 

Uma técnica que ficou bastante conhecida e foi difundida pelo mundo a partir da segunda metade dos anos 80 é a chamada “Técnica do Pomodoro”, desenvolvida pelo italiano Francesco Cirillo. Nela, usa-se um timer de cozinha (na versão original com o formato de um tomate, o pomodoro em italiano), no qual definimos um tempo de 25 minutos em que permaneceremos focados em uma determinada atividade, nos abstendo de qualquer interrupção. Ao soar do timer, são permitidos 5 minutos de descanso. E então programamos um novo ciclo de foco, repetindo essa sequência quatro vezes, ao final das quais podemos fazer um intervalo mais longo, de 15 a 30 minutos. De maneira geral, a metodologia funciona da seguinte forma:

– Relacione as atividades que deverão realizadas no dia;

– Identifique quantos pomodoros de 25 minutos cada atividade requer;

– Organize as atividades por ordem de prioridade;

– Monte uma timeline do seu dia, identificando quantos pomodoros podem ser cumpridos em cada período, encaixando as atividades priorizadas nesses pomodoros;

– Aprenda a “defender seu pomodoro” das interferências que inevitavelmente vão aparecer durante seu tempo de foco;

– Utilize o pomodoro não apenas executando a atividade durante esse período, mas também separando alguns minutos antes, para recapitular o que precisa ser feito e, ao final, para revisar o trabalho realizado; e

– Por último, não se esqueça de incluir no planejamento dos pomodoros atividades e objetivos que têm relevância pessoal. Sim, separe alguns ciclos para cuidar de si, seja realizando atividades físicas, estudando, ouvindo sua banda favorita ou programando momentos de reflexão.

Como dica final, não preencha todas as oito horas de seu dia: imprevistos surgem a qualquer momento. Por isso, é essencial ter uma margem para lidar com eles, a fim de gerar o menor impacto possível no planejamento original do dia.

 

As três esferas

No Brasil, Christian Barbosa desenvolveu um método para auxiliar pessoas a administrar seu tempo de forma mais produtiva – a chamada “Tríade do Tempo”. Nela, classificamos nossas atividades atuais e futuras em três esferas:

– urgentes: atividades cujo prazo de entrega é curto ou já se esgotou; é representada por demandas que nem sempre podem ser antevistas, e que têm grande potencial de provocar consequências negativas (seja no âmbito pessoal ou profissional). Comumente, são fonte de estresse;

– importantes: atividades que realizamos e trazem resultados relevantes em nossa vida. Geralmente têm um prazo definido, mas não se encaixam na esfera da urgência, porque podem ser planejadas e desenvolvidas com mais calma. Uma característica essencial delas é a satisfação que nos trazem ao serem realizadas e/ou o desenvolvimento pessoal (entendido aqui da forma mais ampla possível) que fomentam;

– circunstanciais: tarefas com pouca ou nenhuma relevância; interrupções; demandas extras que são solicitadas, mas que não trazem benefício a seus objetivos. De forma geral, são formas de desperdício de tempo e que, somadas, desorganizam o seu dia. Exemplo: navegação em redes sociais, consulta constante a notificações do celular, a função “soneca” do despertador. Ao final do dia, é o conjunto de tarefas desta esfera que causa a maior parcela da frustração.

A partir daí, conseguimos ter uma noção exata de como está nossa distribuição do tempo. Dica: no mundo ideal, as atividades importantes deveriam ocupar 70% de sua agenda, sendo o restante dividido entre urgentes (20%) e circunstanciais(10%), e então dar início a um processo de revisão, reorganização e repriorização.

 

Temos mais ou menos tempo livre?

Há uma falsa ideia de que o tempo que dedicamos ao trabalho aumentou nos últimos anos. Na verdade, hoje temos mais tempo livre para lazer do que as pessoas dos anos 50, por exemplo, possuíam – e isso graças a uma série de avanços tecnológicos na forma de equipamentos eletrônicos, que automatizaram e simplificaram tarefas.

 

 

Nosso desperdício de tempo está relacionado à conexão com a tecnologia, que acaba fragmentando nosso foco de atenção e prejudicando a produtividade com inúmeras microdistrações.

Permita-se acessar as configurações do seu smartphone e desligaras notificações de (quase) todos os aplicativos. Você não precisa:

– de alertas cada vez que alguém da sua rede de contatos no Facebook posta alguma coisa;

– nem que o aparelho vibre quando os apps de entrega e transporte liberarem um novo cupom de desconto (geralmente em momentos e dias em que você não os utilizaria de qualquer forma);

– nem de um toque cada vez que chegar uma mensagem do WhatsApp – porque a maioria delas provavelmente não tem grande utilidade e pode ser vista posteriormente (ou ignoradas).

 

Técnicas para organização e priorização

Finalizamos o artigo com algumas dicas e exercícios adicionais, que podem ser colocados em prática agora mesmo, a fim de que você consiga reorganizar o seu dia, priorizando atividades e atingindo seus objetivos de maneira eficiente:

planeje seu tempo com o mesmo zelo com que você planeja seus gastos: muitas pessoas criam métodos e usam ferramentas para acompanhar e controlar o orçamento; pouquíssimas, contudo, têm o mesmo cuidado com o tempo. Este é nosso recurso mais valioso – e o mais escasso. Devemos planejá-lo com uma espécie de orçamento que deve ser distribuído entre as tarefas. Como você alocaria suas 168h semanais? Reparem que não estou me referindo a ocupar todo o tempo com trabalho, estudo ou atividades ditas “produtivas”; apenas organizar suas horas de forma que o tempo possa ser percebido de maneira leve e agradável, deixando a sensação (com o passar dos anos cada vez mais nostálgica) de que valeu a pena;

MVA (most valuable activities): este conceito foi desenvolvido por Dave Crenshaw, instrutor do LinkedIn Learning e especialista em produtividade. Liste todas as tarefas que você executa e classifique-as de acordo com o valor que elas agregam ao seu trabalho e/ou seu desenvolvimento e que, além disso, trazem prazer. O topo da lista representa as tarefas nas quais você deveria dedicar a maior parcela do seu “orçamento”;

crie procedimentos ou planos de ação para atividades recorrentes. Dessa forma, será mais rápido resolvê-las assim que surgirem;

listas: quantas vezes você passou horas tentando “se lembrar de não esquecer algo”? Não use sua mente como uma caixa de entrada de atividades que você precisa decidir o que fazer. Anote-as em uma lista (adoramos os apps Trello e Evernote) e livre-se dessa carga cognitiva, que apenas gera distrações;

– aprenda a dizer não, especialmente quando se tratar de tarefas circunstanciais.

Administrar bem o tempo é um desafio que requer método e disciplina, mas que está ao alcance de qualquer pessoa. Com as dicas demonstradas aqui, é possível reorganizar sua rotina, para que “sobre” tempo para cuidar daquilo que, no fim das contas, é o mais importante em sua lista de pendências: você mesmo.

Saiba mais em:

BARBOSA, Christian. (2018). A tríade do tempo. São Paulo: Buzz Editora.

CSIKSZENTMIHALYI,Mihaly. (2008). Flow: the psychology of optimal experience. HarperCollinse-books.

DRUECKER, Peter.(2017). The effective executive – the definitive guide to getting the rightthings done. Harper Business e-book revised edition.

MARK, Gloriaet al. (2008). The cost of interrupted work: more speed and stress. CHI (2008). Disponível em: https://www.ics.uci.edu/~gmark/chi08-mark.pdf.

MARK, Gloria. (2016). Entrevista concedida a Tristan Harrispara o programa “Your undivided attention podcast”, episódio 07: “Sorry for theinterruptions”. Center for Humane Technology, Transcrição da gravação disponível em:

http://humanetech.com/wp-content/uploads/2019/08/CHT-Undivided-Attention-Podcast-Ep.7-Pardon-the-Interruptions.pdf.

WHILLANS, AshleyWhillans. (2019). TED Talk: “A simple strategy for happiness”. Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=C36WaLcHpEY.

WHILLANS, Ashley Victoria. (2020). Timesmart: how to reclaim your time and live a happier life. Cambridge, MA: HarvardBusiness Publishing.

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O futuro, de trás para frente

Processos de inovação podem ser eles próprios inovadores. Já apresentamos as cinco etapas do Design Thinking e como conduzir uma sessão de brainstorming reverso. Neste artigo, falaremos sobre uma técnica com ares futuristas chamada future, backwards – ou, como no título, “futuro, de trás para frente”.

Normalmente, quando estamos planejando algo, temos uma abordagem cronológica: partimos do momento atual e vamos, passo a passo, encaixando as peças que nos levarão ao objetivo final. Não há nada de errado com isso. Contudo, quaisquer perspectivas limitadas que as pessoas tenham do presente podem influenciar a definição do futuro. É como se fizéssemos o seguinte exercício: onde podemos chegar, considerando os recursos (entendidos aqui da forma mais ampla possível) que temos hoje?

Com a técnica do “futuro, de trás para frente”, também buscamos os caminhos que serão tomados para atingir um determinado objetivo. Entretanto, a construção parte do próprio objetivo e retrocede para a etapa imediatamente anterior, e assim sucessivamente. Imagine que sua organização quer lançar um app com ferramentas voltadas à gestão de projetos. Neste caso, na aplicação do método teríamos:

– Disponibilização do app para download nas principais lojas – Apple Store e Google Play;

– Aprovação dos requerimentos de segurança e termos de uso por parte das lojas de app;

– Envio dos formulários contendo informações sobre o produto digital para análise das lojas de app;

– Revisão da documentação do app;

­- Envio do app para o ambiente de Produção;

-Homologação das funcionalidades em ambiente de qualidade.

E assim por diante¹.

Observe que tão logo o objetivo foi definido, começamos a pensar em cada etapa imediatamente anterior, a fim de materializar nosso plano. Se partíssemos de um exercício cronológico, talvez nem cogitaríamos a abertura de capital, pois estaríamos, logo de início, focados nos problemas e desafios atuais da empresa – que, por sua vez, teriam um peso maior na análise de viabilidade, por estarem “mais frescos” na memória.

A grande vantagem deste método, portanto, reside na possibilidade de buscar caminhos de inovação que literalmente rompam com as premissas do presente.

 

5 etapas para repensar o futuro

Esta técnica tem efeitos positivos quando o planeja mento envolve certa complexidade e há várias etapas para sair do estado atual e atingir o objetivo; em extrapolações mais simples ou com poucos passos envolvidos – três ou menos, por exemplo, – não se observou diferença em relação a métodos de planejamento tradicionais.

 

 

1. Defina seu objetivo

Onde você ou sua organização pretende chegar? Defina um objetivo claro², comum a todos os participantes. Neste momento, não se atenha apenas ao que é atualmente factível. Iniciativas como Calico e Google Brain têm trabalhado na combinação de biotecnologia e ciências computacionais para criar, por exemplo, sequências de “neurônios”, a fim de construir cérebros artificiais capazes de levar a inteligência de máquina a um patamar completamente novo. A princípio, não existe tecnologia ou conhecimento capaz de realizar esse objetivo hoje; ainda assim, é uma proposta disruptiva em torna da qual seus colaboradores se engajaram.

2. Organize os participantes

Neste método, uma equipe ideal é composta por pessoas das diferentes áreas envolvidas no objetivo definido anteriormente, e deve ter de 6 a 10 participantes – desta forma, é possível balancear diversidade e quantidade de ideias, sem transformar as sessões em um longo debate.

Além disso, pode-se optar por realizá-lo com uma única equipe ou com algumas paralelas, mas focadas no mesmo objetivo. Caso este seja o caminho escolhido, o resultado de cada equipe pode ser comparado posteriormente para uma visão mais ampla sobre apercepção de futuro existente na empresa. Importante: embora essas sessões não precisem ser conduzidas de forma simultânea, é essencial que os membros dos grupos que já a realizaram não comentem sobre o processo e os resultados com aqueles que não participaram ainda, para que estes não sejam induzidos a soluções já discutidas, o que diminuiria as propostas inovadoras.

 

3. Dinâmica de ideação

3.1. Em um quadro ou parede, crie um cartão de papel com a descrição do objetivo e o posicione na extremidade direita;

 

3.2. Distribua cartões ou post-its de uma cor diferente para os participantes e peça para que eles escrevam quais etapas seriam necessárias para atingir esse objetivo, pensando sempre de forma retroativa, isto é, do objetivo de volta até o momento atual (nunca o contrário). Neste momento, caberá a(o) facilitador(a) provocar o grupo a respeito da sequência de atividades e para que haja cadência entre as etapas, ou seja, o esforço envolvido em cada uma delas é similar, não havendo grandes saltos (gaps);

 

 

3.3. Ao final da primeira iteração, o grupo deverá revisar a trilha desenhada e fazer os ajustes necessários. Discordâncias entre os participantes deverão ser debatidas – senão for possível chegar a um acordo, use um post it ou marcação de cor diferente para destacar a etapa em que há divergências;

3.4. Destaque as etapas críticas.

 

 

Etapas críticas são aquelas que carregam grande impacto para o objetivo, seja por conta de risco, complexidade, dependência de fatores externos, dentre outros.

 

4. Simulações de excelência e falha

Nesta segunda iteração, faça um exercício de extrapolação desse futuro almejado: pense de que forma ele poderia ser atingido com excelência, e crie um cartão/post it com essa variação, posicionando-o logo acima do objetivo; e também de que forma ele poderia culminar em falha, indicando tal cenário com outra cor de cartão/post it e posicionando-o logo abaixo do objetivo.

 

 

Tente identificar em qual (ou quais etapas) poderia ocorrer esse ponto de virada – para melhor ou pior – e trace uma nova trilha de passos para chegar até eles. Observe que estes passos são essencialmente fictícios, tarefas que você ou sua empresa ainda não executou (e talvez sequer tenha pensado antes desta dinâmica).

Neste momento, seu diagrama ficará parecido com um garfo:

 

 

5. Revise o material

Revise o diagrama completo para possíveis refinamentos. Pronto: agora você terá um mapa com formas criativas, heterodoxas e/ou não pensadas anteriormente de se atingir um determinado objetivo. Isto não significa que elas precisam, dali em diante, ser seguidas à risca. Trata-se de um panorama de simulação, cujo propósito está em fomentar ideias e caminhos que fujam do lugar comum.

Esta é mais uma forma de trabalhar processos de inovação, alterando a perspectiva de construção do futuro – tanto da empresa, quanto do seu próprio planejamento pessoal. Ao longo deste exercício, será possível ainda observar expectativas e temores que os padrões do presente podem estar projetando no futuro – e fazer as devidas correções de rota em sua estratégia.

Segundo pesquisas realizadas na Universidade de Pequim (Park,2017) esta técnica inspira motivação maior nas equipes, aumentando a expectativa em relação aos objetivos finais e contribuindo para a performance durante sua execução. Dessa forma, o estudo sugere que

“a forma como as pessoas planejam é tão importante quanto se elas planejam ou não”³.

 

Tem dúvidas sobre o processo ou precisa de uma ajudinha para conduzir o seu? Entre em contato conosco. A Arquitetura RH dispõe de um laboratório de inovação dedicado a transformar pessoas e empresas 😉

Saiba mais em:

Cognitive Edge. The future, backwards. (s/d).

Disponível em: https://cognitive-edge.com/methods/the-future-backwards/

JOOYOUNG, Park,FANG-CHI, Lu & HEDGCOCK, William. Relative effects of forward and backward planning on goal pursuit. Psychological Science, vol 28 (11), 2017. DOI:10.1177/0956797617715510.

ROLLIER, Bruce &TURNER, Jon Anthony. Planning forward by looking backwards: retrospective thinking in strategic decision-making. DecisionScience, 25 (2): 169-188, junho 2007.

Disponível em: https://bityli.com/iZbgk

WILLIAMS, Bri. Futurerestrospection: reach your goals by thinking backwards. Artigo publicado no portal Smart Company, em 18de setembro de 2017.

Disponível em: https://bityli.com/5K7yZ

 

[1] As etapas apresentadas estão bastante resumidas, pois têm por objetivo unicamente explicitar o método, sem a pretensão de detalhar o processo de IPO em sua íntegra.

[2] Um objetivo claro é aquele que pode ser definido em uma frase, sem ambiguidades ou abertura para diferentes interpretações.

[3] Tradução livre de: These findings suggest that the way people plan matters just as much as whether or not they plan.

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Mapas mentais: nosso jeito de raciocinar, desenhando.

Mapa mental é um método de suporte à aprendizagem. Desenvolvido por Tony Buzan¹, ele parte do princípio de que nosso cérebro processa melhor informações visuais do que escritas, o que o torna uma excelente ferramenta não apenas para o estudo, mas para sessões de brainstorming, planejamento e ideação.

Sua grande vantagem é o estabelecimento de conexões entre as ideias representadas. Afinal, e ao contrário do que costumamos fazer, nosso cérebro não trabalha de forma linear, acompanhando narrativas e descrições feitas em bullets; ele segue caminhos associativos, entre elementos por vezes alheios uns aos outros. E é justamente esse processo de associação que dá origem à criatividade, à inovação; sem ele, não poderíamos construir soluções que não fossem também lineares e previsíveis.

Criar um mapa mental é um processo muito fácil e intuitivo. Não existem propriamente regras, embora Buzan faça uma série de recomendações para potencializar seus resultados. Assim, compartilhamos aqui como construir seu mapa, pontuando essas observações ao longo das etapas.

 

1. Defina o objeto central do seu mapa

Prometo que não vou complicar uma coisa simples. A ideia desta primeira etapa é definir qual é a razão do seu mapa mental, que pode ser:

 

– o tema de uma aula (tanto sob a perspectivado aluno fazendo anotações, quanto do facilitador, se preparando para a apresentação);

– um processo criativo para estabelecer novas frentes de trabalho (fiz isto quando comecei a transição de carreira da área de tecnologia para a de Economia Comportamental, em 2014);

– entendimento de uma área ou processo de negócio;

– definição de papeis e responsabilidades;

– organização de material para escrever um livro;

– levantamento de possibilidades para criação de um produto ou serviço; dentre outras.

Considerando os tópicos acima, percebemos que crianças e adolescentes também podem usar este método como apoio para estudos – algumas escolas até fomentam sua utilização; e mapas funcionam tanto como ferramenta para reforço e referência, quanto para explorar caminhos ainda desconhecidos.

Definido o seu tema, coloque-o no centro da folha, preferencialmente usando imagens ou referências divertidas para enfatizá-lo. A propósito, use e abuse das cores: elas podem ser empregadas tanto para destacar pontos mais relevantes, classificar itens do mapa e torná-lo mais divertido (Quais livros são mais legais de ler: os que trazem imagens e ilustrações ou os que possuem apenas texto corrido?).

No meu exemplo, o mapa vai ser criado para levantar ideias de brincadeiras para crianças – frequentemente, sinto falta de um repertório maior para poder diversificar e garantir que a minha filha esteja tendo um mix de diversão e aprendizado compatível com a idade dela:

2. Pense em palavras-chave e adicione-as ao mapa como conexões da ideia central

Defina “grandes grupos” que caracterizam sua ideia central ou nos quais ela possa ser desmembrada. Neste momento, não se preocupe em esgotaras possibilidades – sempre haverá tempo e espaço para ampliar seu mapa.

Evite descrições longas e textos explicativos, seja sucinto: qual palavra ou expressão define cada um desses grupos?

 

3. Crie ramificações para essas palavras-chave, ampliando possibilidades

Na etapa anterior, defini 4 categorias de brincadeiras com as habilidades que podem ser trabalhadas com as crianças.

Aqui é importante entender que essas ramificações têm a ver com a forma como você se lembra, associa ou conecta os elementos. Eles não precisam, necessariamente, ter uma lógica “científica”, porque você está criando um mapa para ajudar no entendimento e associação de ideias – e estas ,por sua vez, com frequência ocorrem de maneiras inusitadas.

As demais, pessoas diferentes farão mapas completamente diferentes sobre um mesmo tema – justamente porque seu contexto (história pessoal, formação, classificação emocional etc. de eventos) é único.

 

4. Crie destaques e pontos de encontro entre diferentes palavras-chave

Já testou algumas dessas ideias ou acredita que um determinado grupo tem mais potencial? Destaque-o em seu mapa, a fim de chamar a atenção para esse elemento. A priorização dos itens será feita, principalmente, por meio de cores, figuras, contornos e outros recursos visuais que os tornem mais salientes em meio ao elemento central.

Eventualmente, alguns itens serão comuns a diferentes grupos. Novamente, você pode usar formas criativas de indicar isso no mapa:

 

5. Pratique

Com o passar do tempo e a experiência, você vai encontrar recursos mais úteis para retratar suas ideias. O importante é sempre testar modos diferentes de construir o mapa e, sobretudo, verificá-lo ao final para entender quais abordagens foram positivas – e, portanto, facilitaram seu entendimento – e quais poderiam ser mais bem desenvolvidas.

 

Embora no início seja mais interessante construir mapas físicos, com lápis e papel, há diversas ferramentas digitais – algumas com planos gratuitos, embora limitados – que podem ser usadas para isso (vide opções na sessão “Saiba mais”).

Por fim, deixo aqui alguns exemplos de mapas bem criativos feitos mundo afora:


 

Agora é só colocar em prática! Lembre-se: a construção de um mapa mental deve ser uma atividade acima de tudo divertida e agradável.

Curtiu?

Aproveite e compartilhe seus mapas conosco – será um prazer ajudá-los (as) nesta atividade 😉

Saiba mais em:

BUZAN,Tony. (2009). Mapas mentais – métodos criativos para estimular o raciocínio e usar o máximo potencial do seu cérebro. São Paulo: Sextante.

Coggle – mapas mentais e fluxogramas. No plano gratuito, você pode criar até 3 diagramas, mas com limitações em termos de controle de acesso. Oferece uma ampla gama de ícones e elementos gráficos prontos, para turbinar seu mapa.

Mindmeister – ferramenta dedicada a esta técnica. O plano básico, gratuito, oferece até 3 mapas simultâneos. Possui uma boa variedade de templates.

Miro – quadros colaborativos. Há uma opção na tela inicial: + Blank board > Ideation& brainstorming > Mind map que adiciona esse template ao seu quadro.No plano gratuito, você pode criar até 03 quadros, porém o controle de acesso é bastante limitado.

[1]Tony Buzan (1942 – 2019). Estudioso sobre memória, criatividade e leitura rápida, é considerado o inventor dos mapas mentais. Escreveu diversos livros,que venderam mais de 5 milhões de cópias pelo mundo, em 40 idiomas diferentes.

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Me dá uma mãozinha, aí? Nudges e como eles têm sido usados para facilitar decisões.

Agora que já sabemos o que é a Economia Comportamental, vamos falar sobre nudges. A palavra nudge diz respeito àqueles cutucões que costumamos dar em alguém, geralmente com o cotovelo, chamando sua atenção para algo que está acontecendo.

De certa forma, a proposta comportamental dos nudges é bem semelhante: são intervenções que buscam simplificar a tomada de decisão, ajudando as pessoas a obter melhores resultados – ou seja, dão um empurrãozinho na direção certa.

Por definição, um nudge deve ser simples, barato e não promover qualquer tipo de alteração nos incentivos financeiros envolvidos (Thaler &Sunstein, 2019).

Por exemplo: destacar lixeiras com pinturas divertidas e espalhar adesivos em forma de pegadas¹ que conduzam os pedestres a elas é um ótimo exemplo; alocar um fiscal para multar as pessoas que jogarem lixo no chão, não.

 

Esse conceito foi sendo desenvolvido ao longo da trajetória acadêmica de dois cientistas comportamentais, Richard Thaler e Cass Sunstein, e posteriormente consolidada no livro “Nudge” (2019).

A partir daí, passou a ser empregado em diferentes contextos, como forma de atenuar erros de interpretação e análise de contexto (vieses) e atalhos cognitivos (heurísticas) – desde situações cotidianas até questões mais complexas.

Mais interessante do que discutir o conceito em si é demonstrar suas aplicações. Vamos a alguns dos nudges mais famosos e/ou que obtiveram grandes resultados, conseguindo alterar comportamentos e direcionar escolhas positivamente.

 

Limpeza nos banheiros:

 

Perdoem-me a foto do mictório. Mas esse adesivo no formato de uma mosca – sim, é um adesivo – foi colocado nos banheiros masculinos do aeroporto de Schiphol, Amsterdã, com o objetivo de reduzir as despesas com produtos e equipes de limpeza.

A lógica por trás dele tem a ver com um probleminha de mira, digamos assim, bastante comum aos homens. Daí a mosca, que se destaca de forma a chamar nossa atenção. Como sua posição representa aquela em que o jato de urina tende a provocar menos respingos, ela acaba promovendo essa melhoria – tanto aos bolsos da administração, quanto aos usuários, que encontram um ambiente mais limpo, por mais tempo.

Quanto aos resultados, embora seja difícil mensurar a redução de respingos de urina no chão e nas paredes, a Sphynx, empresa que fabrica esses mictórios e os administra em Schiphol, fala de uma redução em torno de 20% nos gastos com a limpeza dessas áreas, e em torno de 8% no geral.

Limpeza urbana:

 

 

Elas até podem parecer “inofensivas” em um primeiro momento, mas as bitucas de cigarro são um dos principais tipos de lixo jogados no chão das grandes cidades. Além da sujeira, é claro, há os aspectos ambientais: trata-se de um item tóxico, que não é biodegradável.

Dessa forma, e a fim de salientar o problema – como elas são pequenas, podem passar despercebidas na correria do dia a dia – o governo de Oslo produziu um modelo gigantesco, que é posicionado em áreas centrais, em que há grande fluxo de pessoas, bares e restaurantes.

Na Bélgica, o governo optou por uma campanha publicitária mais impactante, que alerta a população para o fato de que uma única bituca jogada ao chão pode poluir até 500 litros de água.

As pessoas estão cientes de que jogar lixo no chão é um grande problema, e a maioria apoia iniciativas desse tipo; entretanto, e por vezes de forma involuntária, acabando o fazendo por estarem distraídas ou focadas em outra coisa. O propósito dessas iniciativas, portanto, é evidenciar um comportamento inadequado, tirando-o de seu contexto automático e invisível, a fim de suscitar respostas mais efetivas dos cidadãos. E o impacto é gigantesco: segundo dados da iniciativa Clean Europe Network, só em Paris, mais de 350 toneladas de bitucas são recolhidas das ruas todos os anos.


Hábitos mais saudáveis:

 

A prática regular de atividades físicas reduz significativamente o risco de doenças cardíacas, influenciando diretamente em uma vida mais saudável, ainda mais quando combinada com uma alimentação adequada. Dessa forma, e a fim de incentivar que os usuários do metrô preferissem as escadas físicas às rolantes, diversas cidades ao redor do mundo, como Estocolmo, Seul e, mais recentemente, São Paulo, implementaram as “teclas de piano” em algumas saídas de estações. Conforme as pessoas pisam nesses degraus, eles emitem sons musicais.

Esta pequena alteração fez com que o número de pessoas optantes pelas escadas físicas subisse, em média, 2,3%². Se pensarmos nos milhões de usuários que passam pelo sistema de transporte diariamente, esse percentual se torna bastante significativo.

Preservação do meio ambiente:

Em 2014, a agência de publicidade BBDO, na Malásia, concebeu uma campanha bastante inusitada, no intuito de evidenciar comportamentos que causam impactos graves ao meio ambiente – em particular, a diversas espécies de animais que, em contato com lixo e outros objetos deixados pelas pessoas, especialmente itens de plástico, acabam morrendo:

 

 

As sacolas plásticas foram desenhadas de forma a parecer que a pessoa está segurando o animal pelo pescoço – e, portanto, colocando sua vida em risco. Apesar de forte, a campanha serviu para conscientizar a população sobre a quantidade enorme desse material que vai parar na natureza, inclusive mares e oceanos.

 

Alternativas para implantar um nudge

Como visto, nudges são ferramentas versáteis que podem ajudar pessoas a fazer melhores escolhas e a adotar comportamentos específicos em contextos variados, especialmente os que envolvem certa complexidade. Existem diferentes metodologias para pesquisar, testar e implantar um nudge – mas deixaremos este tópico para um outro artigo. Aqui, ressaltamos alguns caminhos que podem ser explorados para que sua empresa comece a pensar nesse tipo de abordagem como solução:

 

 

– pré-compromissos: quando alguém se compromete previamente com uma ação, a chance de que ela não a execute diminui radicalmente. É por esta razão que consultórios médicos por vezes pedem que o próprio paciente anote em um papel (ou crie em sua agenda digital) uma anotação sobre a próxima consulta; ou porque contar a alguém que você está lendo um livro e, depois, vai apresentá-lo, geralmente faz com que essas propostas sejam levadas a cabo. Compromissos assumidos publicamente têm um efeito ainda maior – isso só não vale para a política ☹;

– conveniência: há uma tendência natural para a escolha pela opção mais fácil, rápida ou simples. Por conta disso, e para evitar que os ruídos do processo desestimulem ações, faça com que o caminho desejado seja aquele mais saliente ou prático;

– lembretes: vivemos em uma era repleta de estímulos que disputam incessantemente nossa atenção. Com base nisso, ajude seus colaboradores, amigos e clientes, lembrando-os de pontos importantes: datas, horários de medicação, ações esperadas, pendências, dentre outros. Nem todo mundo consegue organizar sua rotina e, por isso, uma ajudinha é sempre bem-vinda;

– normas sociais: todos nós fazemos parte de grupos – de estudo, de trabalho, do condomínio, de interesses literários e assim por diante. Em cada um deles existem normas ou regras implícitas, que não geram punição, mas cuja conformidade garante a participação e identificação como membro do grupo. Assim, utilizar elementos comparativos aos indivíduos desse grupo pode reforçar comportamentos que promovam harmonia e bem-estar coletivo;

– objetividade somada à visualização: o que se espera de mim? As ações requeridas precisam estar declaradas de forma objetiva, preferencialmente com destaques visuais. No começo da pandemia, por exemplo, muitos governos falavam em “praticar o distanciamento social”. Oras! Esta solicitação é bastante subjetiva: o que é distanciamento social para mim não o é para outras tantas pessoas. Nessa confusão de interpretações, acabamos agindo de maneiras indesejáveis – ou, neste caso, não colaborando com o tal distanciamento – de modo involuntário. Pouco tempo depois, adotou-se mundialmente a campanha #FiqueEmCasa – esta, sim, absolutamente clara;

– opções-padrão: talvez um dos tipos de nudge mais eficientes, justamente por representar a “escolha passiva”. Devido a questões como desinteresse, preguiça, distração ou medo, as pessoas tendem a manter todas as opções que já lhes são previamente apresentadas. Dessa forma, governos, ONGs e empresas podem construir abordagens que tragam pré-selecionadas condições que ajudem as pessoas a seguir caminhos desejados, a fim de terem melhores resultados. Um excelente exemplo de opção-padrão são os planos de previdência nos EUA: ao ingressar em uma empresa e assinar o formulário de contratação, os novos funcionários têm de marcar um “x” em um quadrinho caso não queiram participar do programa. Dessa forma, mais de 70% deles têm sido automaticamente registrados em planos de previdência, vantajosos no longo prazo. E simplesmente… por não fazer nada!

– simplificação do contexto: complexidade aumenta a incerteza e esta, por sua vez, gera paralisia. Pessoas em dúvida adiam suas decisões indeterminadamente. Por conseguinte, simplificar formulários, planos de comunicação, interfaces de sistemas e processos é uma forma muito eficaz de garantir que as pessoas atinjam os resultados esperados.

Agora que você já sabe como dar os primeiros passos na criação de intervenções comportamentais – NUDGES! \o/ – fique ligado(a) em nosso blog: em breve, disponibilizaremos novos artigos com dicas e aplicações em diversas áreas.

 

Saiba mais em:

Clean Europe Network. (2016).Nudging: from Denmark with love. Reportagem sobre a companha “Pure love”, realizada entre 2012 e 2015 em Copenhague, Dinamarca, para redução da quantidade de lixo jogada no chão.

Disponível em: http://cleaneuropenetwork.eu/en/blog/nudging-from-denmark-with-love/agf/.

Clean Europe Network.(2017). Hold Norge rent. Campanha para manter a Noruega bonita e limpa.

Disponível em: http://cleaneuropenetwork.eu/pdf/2017-06-28_Norway.pdf.

Clean Europe Network. (2017). Stop déchets sauvages, Workshop sobre bitucas de cigarro jogadas no chão e seu impacto ao meio ambiente.

Disponível em: http://cleaneuropenetwork.eu/pdf/2017-06-28_GP.pdf.

EVANS-PRTICHARD, Blake. (2013). Aiming to reduce cleaning costs. Análise sobre o case dos mictórios no aeroporto de Schiphol.

Disponível em: https://worksthatwork.com/1/urinal-fly.

Pure Province. Iniciativa belga para ações voltadas à limpeza e manutenção do meio ambiente.

Disponível em: http://www.pureprovince.be/nos-actions.html (apenas em francês).

THALER, Richard. (2019). Misbehaving: A construção da Economia Comportamental. SãoPaulo: Intrínseca.

THALER, Richard & SUNSTEIN, Cass. (2019). Nudge: Como tomar melhores decisões sobre saúde, dinheiro e felicidade. São Paulo: Objetiva.

[1]Esta ideia, bem como a imagem exibida logo abaixo deste trecho, se refere ao programa “Pure Love”, implementado em Copenhague. Para mais detalhes, vide referência sobre “Clean Europe Network”.

[2]Os resultados variam entre as cidades e também ao longo do tempo: enquanto era novidade, o piano de Estocolmo atraiu 66% dos passageiros em um determinado período. Após alguns dias, esse número foi diminuindo, o que evidencia a necessidade de acompanhamento e ajustes para que o nudge permaneça efetivo em sua proposta.

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O contexto importa: como a Economia se tornou Comportamental

Sempre que falo sobre contexto, utilizo um exercício chamado “ilusão de Ebbinhaus”. Talvez você não o conheça por este nome, mas certamente vai reconhecê-lo por estas figuras:

 

Observe o círculo amarelo nas duas imagens. Qual deles é maior?

Embora você já imagine que a minha pergunta é uma espécie de “pegadinha”, nós não conseguimos evitar que o círculo da esquerda pareça maior do que o outro.

Mas…e se apagarmos as esferas cinza que contornam os círculos amarelos?


Nosso cérebro então escapa da armadilha e percebe que – vejam só! – os dois círculos têm o mesmo tamanho. Tudo bem, vou dar uma ajudinha extra para os mais céticos:

(Se preferir, pode medir os círculos da primeira imagem.)

Esse “truque” ilustra um princípio fundamental da psicologia: o contexto importa. E se o contexto é essencial para tirar dúvidas sobre uma imagem tão simples como essa que acabamos de ver acima, que dirá em casos em que a escolha é mais complexa e mais difícil, como, por exemplo: de quanto dinheiro eu preciso para me aposentar daqui a 25 anos, mantendo o padrão de vida atual?

Eu não a tenho a menor ideia de como a economia do país estará daqui a 25 anos. Na verdade, eu não tenho a menor ideia nem de como eu estarei em 25 anos. Sendo assim, como tomar essa decisão?

O pior é que o contexto acaba dificultando nossas escolhas, por conta de uma série de vieses¹ e atalhos que nós temos programados em nossa mente e que, inevitavelmente, acabam nos influenciando – muitas vezes de forma contrária a nossos interesses, bem-estar e resultados econômicos. E o mais interessante: se eu voltar tudo como estava antes e recolocar as esferas cinza na imagem


é como se nós não tivéssemos aprendido nada nos últimos parágrafos. O círculo da esquerda parece maior outra vez. Não é que de uma hora para outra nós desenvolvemos uma nova visão da realidade – isso não acontece. Nossa intuição nos engana de novo,e de novo, e de novo, não importa quantas vezes olhamos para as figuras.

Esse é um engano recorrente, previsível. E se nós cometemos erros desse tipo com a visão, que é justamente o sentido que nós mais praticamos no dia a dia e desenvolvemos ao longo do tempo, imagine com outras coisas nas quais não somos tão capacitados assim – caso das decisões financeiras, por exemplo. Afinal, nosso cérebro não passou por um processo de evolução no que diz respeito a como montar um portfólio de investimentos.

 

Uma nova perspectiva

Durante muitas décadas, as aplicações da área de Economia foram construídas sobre um modelo denominado homo economicus². Segundo ele, somos tomadores de decisão plenamente racionais e maximizadores de utilidade. Isto significa que, ao nos depararmos com um contexto de tomada de decisão:

– possuímos capacidade ilimitada de processar informações, ponderando probabilidade, risco e retorno;

– somos analíticos e conscientes das implicações, inclusive as de longo prazo;

– não nos deixamos influenciar por variações de estados emocionais, nem por opiniões alheias ou associações de ideias com pouca relevância ao tema; e

– somos suficientemente auto controlados, aponto de renunciar recompensas de curto prazo, pensando em benefícios para o nosso futuro.

Mas…você conhece alguém assim?

 

 

Foi a partir daí que surgiu a Economia Comportamental. Por meio de experimentações realizadas ao longo da década de 1960, o psicólogo Herbert Simon³ trouxe à tona o fato de que nem sempre agimos em benefício próprio; não conseguimos minimizar os custos de todas as interações econômicas em que nos engajamos; por vezes, tomamos decisões em contextos de grande incerteza, com conhecimento e dados insuficientes; que eventualmente perdemos o autocontrole; e que nossas preferências, por mais convictas e arraigadas que possam parecer, frequentemente oscilam como resposta a mudanças no contexto de tomada de decisão. Por estas razões,

O comportamento esperado de um indivíduo que usa a lógica para tomar decisões consistentemente diverge de seu comportamento real.

As principais contribuições de Simon para o nascimento deste modelo vieram da Teoria da Racionalidade Limitada⁴. Segundo ela, a capacidade de previsão de eventos futuros torna-se impossível tanto pela incerteza sobre as condições futuras do ambiente (estrutural),quanto pela incapacidade dos agentes em obter e processar todas as informações relevantes para a tomada de decisão dentro do sistema complexo em que estão inseridos.

Adicionalmente, Simon trouxe à Economia práticas e modelos experimentais usados pela Psicologia– na época ainda relegada a um segundo plano dentre as Ciências Sociais – para verificação e validação de hipóteses. Essa abordagem se intensificou nos anos 90 e ganhou substancial apoio tecnológico da inteligência artificial a partir dos anos 2000. Dessa forma, propiciou à Economia Comportamental um novo impulso rumo a práticas mais empíricas e capazes de lidar com sistemas cada vez mais complexos, comparativamente aos modelos analíticos tradicionais.

Essa base foi reforçada no ano de 1979, quando dois também psicólogos, Daniel Kahneman⁵ e Amos Tversky⁶ realizaram um estudo que comprovava na prática a influência de vieses na tomada de decisão. A chamada Teoria da Perspectiva⁷ identificou que situações que envolviam riscos acarretavam comportamentos inconsistentes com os modelos de maximização de utilidade. Por exemplo:

– quando no campo positivo dos ganhos, os indivíduos tendem a ser mais conservadores e evitar o risco, escolhendo a opção com maior probabilidade de ocorrência, não a com maior retorno;

– já no campo das perdas, os participantes se tornam mais propensos ao risco, selecionando opções com menor valor de perda,ainda que sejam também as com maior probabilidade de ocorrência

‍Sistema 1, Sistema 2

 

 

Em 2011, Kahneman publicou “Rápido, devagar – duas formas de pensar”, livro pautado no conceito de dois sistemas que regem nossas análises e interações como ambiente. Kahneman classificou-os em Sistema 1 e Sistema 2. A razão da escolha de nomes simples e objetivos é justamente essa: facilitar o processo de compreensão, livrando o cérebro de cargas cognitivas desnecessárias, comoveremos mais adiante.

E por falar em cérebro, esse órgão fantástico que pesa cerca de 1,4kg consome sozinho em torno 25% da energia (glicose) do corpo. Pois esse consumo alto sempre foi uma constante no processo de evolução humana, fazendo com que nossos antepassados primitivos tivessem de tomar uma decisão:

– passar o dia inteiro comendo e abastecendo o corpo de energia, para que o cérebro pudesse dispor de um estoque ilimitado de atenção e capacidade analítica [alternativa inviável, pois eram nômades, que dependiam da caça, pesca e coleta para sobreviver]; ou

– desenvolver meios de economizar energia.

Sendo assim, e por eliminação forçada, acabaram escolhendo a segunda opção.

Esse racionamento de energia deu origem a atalhos mentais, que são regras, hábitos e reações instintivas em que nos baseamos para tomar decisões. Por exemplo: atravessara rua.

Embora possa parecer prudente – observe: prudente, não necessariamente prático –, ao atravessar a rua poderíamos olhar para os dois lados, a fim de obter um panorama do cenário de travessia, identificar os veículos vindo em nossa direção e eventuais obstáculos (tanto ao veículo quanto ao pedestre), e então pegar papel e caneta para calcular:

– distância do ponto atual até o outro lado da calçada;

– distância do veículo até o nosso ponto atual;

– velocidade média de deslocamento do veículo e de nossa caminhada;

– riscos adicionais – como escorregar, reduzir o passo, observar o motorista ensandecido acelerar o veículo etc. – e obstáculos, como lombadas, poças d’água e semáforos;

– fazer um cálculo (relativamente complexo); e

– finalmente decidir se é possível atravessar ou não.

Ao final desse processo, contudo, o cenário já teria sofrido uma alteração completa e precisaríamos refazer as equações.

 

 

Isso, obviamente não acontece. Nós olhamos para os dois lados e, em questão de microssegundos, decidimos se vamos ou não atravessar. Essa decisão automática, que dispensa cálculos aritméticos, é o Sistema 1 em funcionamento. Foi em grande parte graças a ele que o ser humano chegou a 2020, sobrevivendo a feras selvagens, conflitos com outros grupos, catástrofes naturais e períodos de escassez. Nele, trazemos “pré-programado” uma espécie de guia de sobrevivência que nos ajudou a superar esses obstáculos e preservar a espécie durante dezenas de milhares de anos.

Assim, podemos dizer que o Sistema 1 opera de forma rápida e automática, com reduzido esforço cognitivo e nenhuma percepção de controle voluntário. Ele compreende capacidades inatas e instintivas – e que, portanto, são compartilhadas com outros animais –, além de atividades que se tornam rápidas em razão da prática e treino prolongados. É um modo associativo, que toma por verdadeiros fatos que estão disponíveis mais facilmente – ainda que não sejam tão confiáveis ou cientificamente embasados –, e essencialmente emocional (associado ao cérebro límbico).

O Sistema 2, por sua vez, está associado ao neo-córtex, parte mais jovem do processo evolutivo cerebral. Constitui respostas analíticas, que desprendem atenção e esforços para resolver atividades mentais, inclusive avaliação decenários e cálculos complexos. É importante observar que este é um modo sequencial (uma tarefa de cada vez),exploratório, questionador e que, portanto, requer grande dose de concentração para funcionar corretamente. Assim, suas atividades serão imediatamente interrompidas tão logo ocorra um desvio de atenção.

De forma geral, nós tendemos a nos enxergar e nos identificar com os aspectos mais conscientes do Sistema 2 – afinal, somos seres racionais, fazemos escolhas, decidimos o que pensar a respeito de algo. Certo? Na verdade, o protagonista do nosso dia a dia é o Sistema 1, que utiliza hábitos, bases de conhecimento enraizadas, informações salientes e recordações mais rapidamente disponíveis para formar nossas impressões e sensações sobre o mundo, os estímulos e as pessoas a nossa volta.

E aqui há questão fundamental chamada carga cognitiva. Nosso cérebro possui um estoque limitado de atenção, disponível para ser distribuído ao longo do dia e das tarefas que executamos. As que exigem concentração e análise consomem partes desse estoque e interferem umas nas outras, razão pela qual é difícil ou até impossível conduzir várias ao mesmo tempo.

Duvida? Então tente resolver uma multiplicação, 18 x 79, digamos, enquanto faz a baliza em uma vaga estreita na rua.

Ao atingir o limite desse estoque, nossa capacidade de continuar tomando decisões e atuando em assuntos mais complexos se exaure – até fazermos uma pausa e descansarmos a mente com outra coisa.

Christopher Chabris e Daniel Simons fizeram um experimento interessante a este respeito, que posteriormente se transformou no livro “O gorila invisível – e outros equívocos da intuição”. Nele, os dois pesquisadores chamam a atenção para seis falhas que cometemos repetidamente em nosso cotidiano devido a crenças distorcidas que temos sobre o funcionamento do cérebro.

Tudo partiu de um vídeo simples em que seis jovens divididos em dois times – o de camiseta branca e o de camiseta preta – trocavam passes de bola em um corredor, enquanto se movimentavam de um lado para o outro. Os autores propuseram uma tarefa trivial: contar quantos vezes o time de camiseta branca trocava passes entre si. Nós então embarcávamos em um bloqueio de atenção nesse time, acompanhando cuidadosamente o movimento da bola de basquete. Ao final, dávamos a resposta correta (ou bastante aproximada) dos 15 passes. E era justamente nesse ponto que os pesquisadores voltavam e nos faziam uma pergunta inusitada: você viu o gorila? O foco de atenção no time branco era tanto, que, das milhares de pessoas que assistiram ao vídeo, menos da metade notava um indivíduo fantasiado de gorila que atravessava a cena, pulando e gesticulando por longos 9 segundos. E quando reprisavam o vídeo, a sensação era a mesma: como pudemos não ver o gorila?

Se um gorila de cerca de 1,70m passou despercebido, quantos detalhes e nuances dos ambientes pelos quais transitamos também não estamos ignorando inconscientemente e, em decorrência disso, cometendo erros de julgamento e escolha?

Considerando a fusão cada vez mais envolvente entre mundos real e virtual, especialmente por meio do smartphone e suas inúmeras notificações, esse estoque de atenção acaba sendo direcionado a atividades que não necessariamente são as mais relevantes e prioritárias. Isso significa que os impulsos do Sistema 1, em diversas ocasiões, terão de ser freados pela consciência do Sistema 2; do contrário, acabaremos nos prejudicando, mesmo sem intenção de fazer isso.

Kahneman(2011) alerta:

Questionar constantemente nosso próprio pensamento seria impossivelmente tedioso, e o Sistema 2 é vagaroso e ineficiente demais para servir como um substituto para o Sistema 1 na tomada de decisões rotineiras. O melhor que podemos fazer é um acordo: aprender a reconhecer situações em que os enganos são prováveis e nos esforçar mais para evitar enganos significativos quando há muita coisa em jogo.

 

Um oceano azul pela frente

Dada a amplitude de aplicações, a Economia Comportamental tem se tornado cada vez mais popular e importante. Hoje ela é usada para ajudar

– pessoas: em decisões financeiras, desenvolver autocontrole, evitar o consumo por impulso, distinguir melhor as ofertas de serviços e produtos, adotar hábitos mais saudáveis;

– empresas a: potencializar resultados através da simplificação de decisões, entender melhor clientes e consumidores, incrementar a experiência que esses clientes e consumidores têm com seus produtos e serviços; e, finalmente,

– governos a: identificar formas de aumentar a eficiência e adesão a políticas públicas, facilitar escolhas para os cidadãos, evidenciar problemas de longo prazo e como mudanças de comportamento no presente podem reduzir ou mitigar impactos negativos, incentivar hábitos saudáveis, desenvolver políticas assistencialistas mais assertivas

Esse potencial tem sido aproveitado por agências humanitárias mundo afora – como a ONU, por exemplo –, em ações de combate à pobreza, à gestão financeira e apoio à educação infantil; e também por governos de diversos países, como Estados Unidos e Reino Unido, que transformaram a pesquisa acadêmica e experimental na área em setores com poderes similares aos de um Ministério (as chamadas Nudge Units) para auxiliar líderes no desenho, implantação e otimização de políticas públicas, visando ao aumento do bem-estar de seus cidadãos.

Diversas startups também têm surgido com soluções e produtos focados nessa ótica mais psicológica do ser humano, e há centenas de cases de sucesso em que soluções simples e baratas foram desenvolvidas para orientar ou facilitar o comportamento das pessoas em situações de escolha e tomada de decisão. É possível, por meio da facilitação de um programa, que todas as empresas desenvolvam estas soluções internamente: além de ampliar o repertório de ferramentas e perspectiva dos colaboradores, podem maximizar resultados.

Ainda há muito a ser feito!

 

 

Refletindo sobre a introdução e trazendo novamente a questão do contexto, a importância desse estudo se torna mais evidente. No fim das contas, e como disse Charlie Munger:

Se a Economia não é comportamental, não sei que mais diabos ela poderia ser⁸.

 

 

Saiba mais em:

ARIELY,Dan. (2008) Previsivelmente irracional. São Paulo: Elsevier.

CHABRIS, Christopher& SIMONS, Daniel. (2010) The invisible gorilla: and other ways ourintuition deceives us. New York, NY:Crown.

KAHNEMAN,Daniel. (2012) Rápido e devagar – duas formas de pensar. São Paulo: Objetiva.

KAHNEMAN, Daniel &TVERSKY, Amos. (1979) Prospect theory – an analysis of decision under risk. Econometrica, Vol. 47, No. 2, pp263-292.

Melo,T. M., Fucidji, J. R. (2016). Racionalidade limitada e a tomada de decisão em sistemas complexos. Revista de Economia Política, vol. 36, nº 3 (144), pp. 622-645.

SIMON, Herbert. (1982)Models of bounded rationality. Cambridge, MA: MIT Press.

THALER, Richard &SUNSTEIN, Cass. (2009) Nudge – improving decisions on health, wealth andhappiness. Penguin Books.

TVERSKY, Amos &KAHNEMAN, Daniel. (1974) Judgement under uncertainty: heuristics and biases.Science, new series, Vol. 185, No. 4157, pp 11274-1131.

[1] Erros sistemáticos que podemos cometer em um processo de tomada de decisão, geralmente por influência do contexto.

[2] “Homem econômico”. Trata-se de uma interpretação dos seres humanos como agentes movidos pelo bem-estar e benefício próprios e que,consequentemente, buscam a maximização da utilidade em todas as relações econômicas de que participam.

[3] Herbert Alexander Simon, PhD. (1916 – 2001).Economista nascido nos Estados Unidos, dedicou sua carreira acadêmica aos campos da psicologia cognitiva, sociologia econômica, administração pública e filosofia. Autor da Teoria da Racionalidade Limitada, em 1978 recebeu o Prêmio Nobel de Economia por sua pesquisa precursora no processo de tomada de decisões dentro de organizações econômicas. Seu trabalho é considerado por muitos estudiosos a pedra inicial da área que posteriormente se tornaria conhecida como Economia Comportamental.

[4] Conceito elaborado por Herbert Simon que desafiou o modelo econômico tradicional representado até então pelo homo economicus. Segundo ela, existem limites a nossa capacidade de raciocínio, às informações disponíveis e o fator tempo. Este é um dos fundamentos psicológicos em que se baseia a área da Economia Comportamental.

[5] Daniel Kahneman, PhD. (1934 – ). Psicólogo e Economista de origem israelense e coautor, com Amos Tversky, da Teoria da Perspectiva. Seu trabalho voltado à psicologia nos processos de tomada de decisão e suas extensas contribuições à Economia Comportamental renderam-lhe o prêmio Nobel de Economia em 2002. Tornou-se mundialmente conhecido em 2011, ao publicar o livro “Rápido, devagar – duas formas de pensar”, best-seller que até hoje figura entre os títulos mais vendidos no segmento. Atualmente, é Professor emérito de Psicologia e Assuntos Públicos na Universidade Princeton, EUA.

[6] Amos Tversky, PhD. (1937 – 1996). Pesquisador de origem israelense dedicado às áreas de Psicologia Cognitiva e Matemática. Professor titular da Universidade de Stanford desde 1978, durante muitos anos trabalhou em colaboração com Daniel Kahneman em estudos que estabeleceriam as bases experimentais das Economia Comportamental, sendo coautor da Teoria da Perspectiva.

[7] Teoria da Perspectiva (1979). Construída sobre a observação de que cenários envolvendo riscos e incertezas disparavam comportamentos inconsistentes com o modelo da maximização de utilidade, seus autores, Daniel Kahneman e Amos Tversky, propuseram uma nova abordagem baseada em duas etapas:(1) análise preliminar de perspectivas – também chamada de “edição”; e (2)avaliação da opção com maior valor, a fim de simplificar a escolha. Esta Teoria tornou-se um dos principais estudos que alavancaram a Economia Comportamental.

[8]Frase proferia durante um discurso na Universidade de Harvard, quando era Vice-presidente da Berkshire Hathaway. Em inglês: How could economics not be behavioral? If it isn’t behavioral, what the hell is it?

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Brainstorming reverso

Já pensou se, em vez de buscar soluções, você explorasse formas de… criar ou agravar um problema?

Brainstorming é um método popularmente usado para levantar ideias, a fim de discutir um assunto e os desafios para resolvê-lo. Criado em 1939 pelo publicitário e escritor americano Alex Osborn (1888-1966), ele encoraja a criatividade dos participantes, que devem deixar sua imaginação correr livremente.

Durante sua realização, não é permitido criticar ou julgar oque for dito, para que não haja obstáculos à concepção de novas abordagens. Todas as ideias, portanto, são bem-vindas, inclusive aquelas que pareçam (ao menos inicialmente)extravagantes, pois, segundo Osborn:

‍‍

“É mais fácil ajustar uma ideia absurda do que criar uma nova.” ¹

Este método tem início com uma questão clara, e finaliza com uma lista de ideias “cruas” para respondê-la. Algumas delas serão boas, outras nem tanto. O importante é que a etapa de análise aconteça somente em um momento posterior, quando o grupo poderá utilizar outras ferramentas – como diagramas de afinidade, por exemplo – para refinamento.

Uma vez que nosso cérebro trabalha de maneira associativa ao procurar soluções, esta técnica é vantajosa justamente por incentivar a conexão entre elementos distintos.

Apesar disso, o processo todo pode ser por vezes difícil, seja porque os participantes não estão confortáveis o bastante para contribuir com sugestões, ou porque o problema é complexo, ou mesmo porque é algo novo e não há nenhuma solução ou caminho trilhado anteriormente.

 

Que tal inverter tudo?

Foi com base nessas dificuldades que surgiu o brainstorming reverso. Este método traz uma nova perspectiva, propondo problemas em vez de soluções. A ideia é que um grupo que não esteja confiante a respeito de um projeto ou tenha esgotado suas ideias muito rapidamente possa inverter o ponto de discussão, pensando em maneiras de irritar, frustrar ou impedir que o cliente obtenha os resultados desejados.

 

Por exemplo:

Imagine que você e seu grupo estão trabalhando em um programa de fidelidade voltado ao público de alta renda. Porém, após poucos minutos de brainstorming, vocês começam a ter dificuldade em levantar ideias para que o produto seja diferente dos outros disponíveis no mercado. A fim de dar continuidade à sessão, vocês mudam a abordagem utilizando o brainstorming reverso, fazendo-se perguntas sobre como causar o problema ou forçar que o programa dê errado, dentre elas:


‍Como podemos garantir que ninguém se cadastre em nosso programa?

Como reduzir o número de membros?

Como impedir que os usuários resgatem seus prêmios?

Perguntas assim podem gerar respostas como:

– Obrigar os novos membros a ler um contrato enorme e clicar em “Li e aceito os termos” a cada página;

– Tornar o processo de login difícil ou instável (conexão derrubada a cada 2 minutos de inatividade);

– Solicitar muitas informações pessoais, inclusive as que não têm relação direta com o serviço oferecido;

– Esconder informações relevantes em páginas adicionais ou que só possam ser acessadas quando a pessoa clicar em“Mais informações”;

– Tornar as regras de utilização de pontos confusas e ambíguas;

– Incluir e exibir custos adicionais apenas na finalização do resgate

e assim por diante.

Sob este novo ângulo de interpretação, a busca por soluções pode se tornar mais simples e intuitiva, fazendo com que o grupo tenha um novo ímpeto de participação. Ademais, e devido à grande possibilidade de que a sessão se torne mais divertida – algumas sugestões de resposta sempre acabam sendo hilárias –, as pessoas podem se sentir mais confortáveis e abertas para opinar. A técnica também funciona bem com grupos que estão encarando problemas antigos, que fazem parte do adágio corporativo do “sempre foi assim” e que, por isso, precisam de trilhas alternativas.

Da mesma forma que o brainstorming “tradicional”, durante as sessões do reverso não são permitidas críticas ou julgamentos e a abundância de ideias deve ser incentivada. Como atividade inicial, no entanto, sugiro que o(a) facilitador(a) faça um exercício com uma pergunta/problema não relacionada ao tema central da discussão, a fim de que todos se familiarizem com o processo.

Posteriormente, deve-se conduzir uma nova sessão (pode ser no mesmo dia, após um intervalo) para “converter” os problemas de volta para soluções. Cada problema pode gerar mais de uma solução.

Por exemplo:

 

1. Problema:

Obrigar os novos membros a ler um contrato enorme e clicarem “Li e aceito os termos” a cada página.

Propostas de solução:

Otimizar o contrato para que ele traga os termos específicos da prestação de serviços, sem tentar cobrir cada particularidade e especificidade que porventura possa ocorrer.

Simplificar os termos de aceite com linguagem clara e objetiva.

Utilizar um processo de coleta eletrônica de assinaturas, evitando-se assim impressão e digitalização de documentos.

2. Problema:

Tornar o processo de login difícil ou instável(conexão derrubada a cada 2 minutos de inatividade).

Propostas de solução:

Oferecer single sign-on, caso a solução seja corporativa.

Habilitar o cadastro da digital para acesso à área do cliente.

3. Problema:

Incluir e exibir custos adicionais apenas na finalização do resgate.

Propostas de solução:

Exibir o custo total de resgate em pontos logo que usuário clicar em um produto.

Recalcular automaticamente o total de pontos necessários para o resgate a cada produto incluído ou excluído do carrinho.

 

Etapas de implantação:

 

1. Comece com uma questão clara a ser resolvida

Identifique a questão central a ser discutida, descreva-a e anote-a em um flipchart, destacada e visível para todos os participantes.

2. Pense em como torná-la um problema

Não pergunte como o problema pode ser resolvido, mas sim o que pode causá-lo ou torná-lo ainda pior. Dessa forma, é possível obter vantagens do fato de que as pessoas tendem a focar mais no problema do que na solução, aumentando assim o número de ideias compartilhadas.

3. Colete ideias

Ouça e anote as ideias, inclusive as que parecerem absurdas, sem permitir críticas ou julgamentos. Quanto mais contribuições, melhor. E não se preocupe, pois haverá tempo para avaliá-las refiná-las posteriormente.

4.Converta as ideias em soluções

Em um encontro seguinte (ou após um intervalo) converta as ideias levantadas no passo anterior em soluções. Nesta etapa, diversas formas de responder à questão inicial já estarão mais claras ou poderão ser mais facilmente identificadas.

5. Avalie as soluções

Combine as ideais, avalie e faça os devidos ajustes – vale usar ferramentas novas, como um diagrama de afinidade – para que o grupo descubra, junto, que realmente pode ser transformada em uma solução efetiva.

 

Fatores de sucesso para aplicação deste método: a facilitação, pois a pessoa à frente do brainstorming reverso precisa de habilidade para manter o fluxo de ideias do grupo constante; e atenção exclusiva, visto que será necessário ter uma sessão ou momento extra para transformar os problemas em soluções novamente.

Agora é sua vez de colocar em prática!

 

 

Saiba mais em:

 

Ducere Global Business School. (2018) 4 ways to improve your brainstorming.

Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=HRWt1rBG10o.

ELMANSY, Rafiq. (2015) Design Thinking tools: reverse brainstorming.

Disponível em: https://www.designorate.com/design-thinking-tools-reverse-brainstorming/.

MULDER,Patty. (2018) Reverse Brainstorming.

Disponível em: https://www.toolshero.com/creativity/reverse-brainstorming/.

WILSON,Chaunsey. (2011) 100 User Experience (UX) design and evaluation methods for yourtoolkit.

Disponível em: https://dux.typepad.com/dux/2011/01/this-is-the-fourth-in-a-series-of-100-short-articles-about-ux-design-and-evaluation-methods-todays-method-is-called-rever.html.

 

[1] Tradução livre. No original: “It is easier to tone down a wild idea than to think up a new one.”

 

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Já ouviu falar de… DDO?

DDO são as chamadas organizações focadas no desenvolvimento[1] (do inglês Deliberately Developmental Organizations). Este conceito é fruto de um extenso trabalho de pesquisa realizado por Lisa Lahey e Robert Kegan, e publicado em An everyone’s culture (2016, ainda sem tradução para o português).

Especialistas em aprendizagem na fase adulta e estratégias de desenvolvimento nas organizações, juntos estudaram diversas empresas e a forma como elas constroem e executam programas de desenvolvimento, a fim de entender o impacto real dessas iniciativas na melhoria do ambiente corporativo como um todo – em especial, no que tange aos aspectos culturais.

Nesse processo, notaram que a maioria delas comete equívocos que fazem com que o potencial desses programas seja inócuo:

– as pessoas estão desempenhando um segundo trabalho no dia a dia, que consiste em gerenciar impressões e ocultar vulnerabilidades. Contratadas sob uma idealização de que são capazes de resolver qualquer desafio por si só, ao se deparar com situações em que precisam de apoio e por não dispõem de um ambiente emocionalmente seguro para pedir essa ajuda, acabam se esbarrando em obstáculos que ofuscam ótimas oportunidades de crescimento;

– grupos seletos de “talentos”. Em geral, os programas de desenvolvimento são voltados para um grupo restrito de pessoas, consideradas “talentos” da organização. Elas, no entanto, representam um percentual muito baixo do quadro total de colaboradores – geralmente ente 1 e 2%, raríssimas vezes acima de 5%. Mas aí vem a pergunta: e o restante? O que acontece com a motivação e o engajamento de alguém que não se vê pertencente a esse grupo? Apoiando somente um recorte ínfimo das pessoas com cursos, coaching, mentorias e treinamentos variados, a empresa dá um recado frequentemente mal visto de que vale a pena investir dinheiro somente nas “estrelas”;

– programas externos: embora esses programas muitas vezes sejam bem organizados, conduzidos e até customizados para oferecer a linguagem e os elementos que fazem parte do dia a dia da contratante, é extremamente complexo transpor todo o conhecimento, ferramentas e comportamentos desenvolvidos lá de volta para a rotina de trabalho. Dessa forma, muitos processos acabam fracassando, porque não são capazes de prover à organização os resultados esperados, principalmente na disseminação do que foi aprendido e na implantação de mudanças que de fato otimizem a realidade do trabalho;

– custo duplo: ao final, resta às organizações apenas um custo duplo, isto é, o dinheiro investido no treinamento propriamente dito e aquele pago aos colaboradores que estavam ausentes do trabalho durante o treinamento. E esse custo, de forma geral, assume ares de despesa, visto que os programas dificilmente atingem a amplitude necessária, que justificaria sua realização.

Ademais, e segundo os dados de pesquisa dos autores:

A maior causa de burnout não é a sobrecarga de trabalho, mas sim o excesso de trabalho sem a experiência de autodesenvolvimento porque falta um senso coletivo, que abrange todos os indivíduos nos programas de desenvolvimento; falta clareza sobre as perspectivas de desenvolvimento compreendidas pela maior parte das tarefas realizadas; e, por fim, falta o entendimento de que elas se encaixam em um contexto maior – a questão do propósito –, fazendo com que o trabalho se torne inevitavelmente desmotivador.

Surgem assim as DDOs

As organizações focadas no desenvolvimento têm como principal característica estarem alinhadas ao propósito individual de crescer – e a soma desses propósitos traz consigo toda a estratégia e cultura da organização. São empresas que mudaram seu foco de ter Grandes Líderes para formar a todos como grandes pessoas. Nelas, não importa quem é abordado, pois todos podem dar contribuições importantes, seja através de suas atitudes, experiência ou mindset.

 

 

Toda empresa possui desafios – internos, tecnológicos, regulatórios, de mercado etc. É preciso, portanto, ressignificar pré-conceitos e encorajar o time a fazê-lo também, tornando o trabalho melhor, mais relevante e com o potencial (não necessariamente a certeza) de trazer grandes impactos organizacionais. Assim, os autores falam em uma substituição do “melhores empresas para se trabalhar” por “melhores empresas para crescer e se desenvolver”.

Não existe uma técnica específica para que as organizações se transformem em uma DDO. Entretanto, há alguns pontos de partida:

– realização de programas de desenvolvimento global, ou seja, estendido a todos os colaboradores e não só aos “talentos”;

ambientes emocionalmente seguros, em que as pessoas se sintam confortáveis para falar de suas fraquezas, vulnerabilidades, inseguranças, pois isto permitirá que elas cresçam por meio do desenvolvimento desses pontos;

estratégia e cultura precisam ser aplicadas no contexto diário de trabalho, estabelecendo pontes entre os programas de desenvolvimento e as tarefas executadas.

Afinal, o desenvolvimento de pessoas reflete diretamente no desenvolvimento da organização e na excelência operacional. Kegan e Lahey reforçam desde as primeiras páginas que:

A cultura de uma organização é sua estratégia

Pois as interações, colaboração, abertura para diálogo, feedback, incentivos de desenvolvimento implicam diretamente na estratégia, refletindo no comportamento das pessoas que compõem as organizações. Por isso, criar uma cultura focada no desenvolvimento gera uma situação do tipo ganha-ganha: colaboradores se desenvolvem, empresa prospera.

Como exemplos de DDOs no mercado americano, o livro cita:

– Next Jump, e-commerce cujos Co-CEOs, Charlie Kim e Meghan Messenger, deram uma ótima palestra no evento da NCSL de 2018 e que tem uma política de não demitir ninguém (no firing policy), além de promover grupos de coaching rotativo, para que todos possam tanto receber quanto dar feedback. Adicionalmente, o pagamento de bônus está atrelado a duas vertentes: 50% aos resultados como um todo e os 50% restantes, à contribuição individual ao desenvolvimento da cultura da organização;

– Decurion, do setor imobiliário, que promove as chamadas next-generation learning communities, grupos colaborativos em que as equipes discutem estratégias, principalmente voltadas para inovação e tendências futuras; e

– Bridgwater, um hedge-fund em que a liderança afirma que para se transformar em uma empresa entre 10.000 outras é necessário contratar pessoas que também sejam uma entre 10.000. Nela, o valor mais importante é a busca pela verdade, seja ela qual for. Para tanto, trabalham com um log de erros e problemas encontrados, a fim de mantê-los no radar e traçar planos para corrigi-los ou mitigar sua ocorrência.

As DDOs representam uma nova forma de olhar e desenvolver colaboradores e, potencialmente, uma estratégia para tornar empresas mais competitivas na atração (e retenção) de talentos. Deixo aqui minha provocação:

Como podemos transpor esses conceitos para as empresas que lideramos?

 

Saiba mais em:

KEGAN, Robert & LAHEY, Lisa. (2016) An everyone’s culture: becoming a Deliberately Developmental Organization. Harvard Business Press.

KEGAN, Robert. (2013) The further reaches of adult development. Palestra dada no evento RSA. Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=BoasM4cCHBc.

KIM, Charlie & MESSENGER, Meghan. (2018) Leadership and employee development. Palestra dada no evento NCLS. Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=VE5q-ACxZ30.

LAHEY, Lisa & ANDERSON, Bob. (2017) Developing feedback rich cultures in organisations. Entrevista realizada como parte do evento The Leadership Circle. Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=Ja6xNAAw4r4.

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Design Thinking: método de inovação e descoberta

“Não podemos solucionar problemas usando o mesmo padrão de pensamento que utilizamos para criá-los.”

Albert Einstein

Design Thinking é um método de cocriação utilizado para encontrar soluções criativas, capazes de oferecer respostas inovadoras a diferentes contextos de negócio. Trata-se de um processo divertido, que fortalece os laços de colaboração entre os participantes e que, para isso, requer um ambiente em que há confiança e, principalmente, liberdade para ousar. Segundo a definição do “Kit Design Thinking para educadores”, do Instituto Educadigital:

“É uma abordagem profundamente humana, que depende da habilidade de ser intuitivo, de interpretar o que se observa e desenvolver ideias que são emocionalmente significativas para aqueles para quem se está trabalhando (…)”

O DT abraça a heterodoxia, a multidisciplinaridade. É a crença de que podemos fazer diferente, combinando um pool de ideias, visões e perfis para gerar impacto positivo, transformando desafios em oportunidades. Seus pilares são:

foco nas pessoas: parte da empatia e do desejo de entender as necessidades e motivações das pessoas. É preciso ouvir, observar, envolver-se com o contexto e com quem está inserido nele. Somente assim será possível pensar em soluções efetivas;

– otimismo: acreditar que é possível promover mudanças, a despeito de quão grande ou complexo for o desafio;

– experimentação: erros fazem parte do processo e devemos aprender com eles. A razão para que o DT seja conduzido é o conjunto de oportunidades de melhoria que pode ser trazido, seja pelo feedback de outras pessoas seja pelas próprias interações entre os participantes; e

– colaboração: a grande vantagem está na soma de várias perspectivas que, juntas, reforçam a criatividade do grupo. Como afirma Brown (2018):

“Uma organização criativa está constantemente em busca de pessoas com a capacidade e – tão importante quanto – a disposição de colaborar entre diferentes disciplinas. No final, essa capacidade é o que distingue a mera equipe multidisciplinar de uma equipe verdadeiramente interdisciplinar.”

Desta forma, o Design Thinking pode ser usado tanto para resolver problemas de negócio, quanto para elaborar novos produtos ou serviços. Ainda que existam etapas nesse método, ele não é fixo com relação à duração: alguns grupos podem encontrar seu caminho em sessões mais curtas e focadas; outros farão um processo de aprendizagem contínua, estendendo-se por semanas ou até meses. Cabe a cada time identificar as características e disponibilidade de engajamento, a fim de balizar os encontros, empregando ferramentas que potencializem esses momentos de forma produtiva e criativa.

Etapas do processo

O método engloba cinco[1] etapas e, embora seus nomes possam variar, o objetivo geral extrapola nomenclaturas. A seguir, veremos cada uma delas em detalhes:

 

 

1. Descoberta

Todo processo de Design Thinking começa pelo entendimento profundo do problema que será tratado (a empatia) – ou das necessidades que poderão ser atendidas por um novo produto ou serviço. Assim, é preciso compreender as pessoas, observá-las e a forma como elas interagem com seu ambiente, a fim de coletar elementos sobre o que elas realmente pensam e como se sentem.

Através desta etapa, é possível entender significados intangíveis a respeito de experiências, valores, frustrações e necessidades que, de outra maneira, dificilmente poderiam ser explicados. Justamente por esta razão, é uma etapa delicada, já que o cérebro tende a filtrar informações e criar inferências e julgamentos com base em nosso próprio contexto.

Neste primeiro momento, o objetivo é:

– descobrir as verdadeiras necessidades a serem atendidas, tendo-se em conta que as pessoas podem não estar totalmente cientes delas, ou mesmo enviesadas em outra direção;

– identificar o grupo de pessoas (usuários, clientes) para quem o design será realizado;

– descobrir quais emoções estão guiando os comportamentos atuais.

2. Interpretação

Consolida todo o entendimento da Descoberta e o transforma em um desafio com significado e propósito. É um momento de foco em que se define o problema a ser abordado e que, portanto, está direcionado a um grupo específico de pessoas, insights e necessidades.

Este problema deve ser expresso em uma frase clara a todos os participantes do DT, para:

– definir o escopo de atuação (oportunidades), capturando o racional e os sentimentos das pessoas que você conheceu durante a Descoberta;

– inspirar o time de colaboradores;

– servir como referência para avaliação de ideias, especialmente as antagônicas;

– fomentar a curiosidade por meio de perguntas do tipo “Como poderíamos?”;

É uma etapa passível de refinamentos, conforme você avança no projeto, aprende e recebe feedback. Enquanto a primeira (Descoberta) é divergente, na medida em que cria um leque enorme de possibilidades, a Interpretação é convergente, porque nos orienta a fazer escolhas.

 


 

Nesta etapa, precisamos definir:

– limites: o escopo não deve ser nem tão grande nem tão pequeno. Pense em uma abordagem que ao mesmo tempo seja desejada (atende uma ou mais necessidades do grupo identificado), economicamente viável e tecnologicamente factível;

– indicadores de sucesso: o que tornará esse trabalho bem-sucedido? Como podemos verificar se o problema foi de fato endereçado?

– objetivo final: onde você espera chegar ao final desse processo

Aproveite também para documentar o aprendizado (insights, descobertas, impressões), preferencialmente conforme as discussões acontecem – deixar para consolidar depois pode fazer com que elementos importantes sejam esquecidos.

3. Ideação

Já temos um repositório, agora vamos explorar um espaço amplo de soluções possíveis, buscando quantidade e diversidade de propostas. Nesta fase organizaremos as ideias em grupos, priorizaremos conforme entrega de valor aos nossos usuários/clientes e daremos os primeiros passos rumo à experimentação (ou prototipação).

 

 

Enquanto a Interpretação trabalha com a definição do problema, aqui buscamos explorar soluções. Sendo assim, os principais objetivos são:

– transitar para além dos lugares-comuns, promovendo ideias ousadas, inusitadas e – por que não? – improváveis. Ainda que em um primeiro momento algumas possam carregar um certo tom irrealista, é possível que se tornem ótimas soluções após algumas rodadas de discussão em grupo e refinamento;

– descobrir áreas até então inexploradas;

– criar volume e flexibilidade para suas opções de inovação;

– avaliar o pool sob a tríade desejável-viável-factível (refinamento), no intuito de construir uma proposta para experimentação;

– descrever a proposta que será prototipada: dê um título a ela, conte como funcionaria, explique o valor e o benefício que serão gerados para cada uma das pessoas identificadas, liste questões e desafios.

Trabalhe de forma colaborativa, incentivando que os participantes não só deem ideias, mas também complementem e refinem aquelas levantadas por outros – tome cuidado apenas para que se use o “e”, em vez do “mas”, evitando assim julgamentos. Use elementos visuais, como desenhos, peças de montar, objetos e outras coisas que possam materializar – mesmo que de forma simples e rústica – aquilo que está sendo discutido. E lembre-se: durante o processo, erros e exageros são bem-vindos, pois permitem que o grupo aprenda com as iterações.

4. Experimentação

Hora de dar vida à ideia selecionada na etapa anterior. Construa storyboards[2] que descrevam a experiência completa que o usuário/cliente terá ao interagir com a solução, além de diagramas e modelos que possam facilitar a demonstração.

 

 

Seja criativo: as técnicas de prototipagem em papel podem substituir trabalhos mais técnicos de forma rápida e lúdica; vídeos, encenações, maquetes e versões digitais também são válidas. Buscamos:

– selecionar os participantes que vão interagir com o protótipo;

– criar o roteiro de interação;

– demonstrar a proposta de solução;

– obter feedback e integrá-lo ao modelo da experimentação;

– resolver discordâncias (conceituais, visuais, funcionais) que porventura tenham permanecido da etapa anterior; e

– traçar as necessidades adicionais para implementar a solução: custos envolvidos, recursos necessários, cronograma de implantação, pessoas e parceiros.

Tenha em mente que a experimentação raríssimas vezes proporcionará acertos “de primeira”. Por esta razão, desafie-se a construir duas ou três versões diferentes do seu protótipo, para testar aspectos distintos. Esteja aberto ao feedback e incorpore-os nos ciclos seguintes de Ideação e Experimentação – manter-se próximo aos usuários/clientes garante o alinhamento de expectativas entre eles e o que está sendo prototipado, além de permitir ajustes de rota. Por fim, lembre-se de manter seus protótipos simples, facilitando assim correções, o aprendizado rápido e a investigação de novas possibilidades.

5. Evolução

A partir do aprendizado da prototipação, entraremos em ciclos de melhorias incrementais, sendo aplicadas ao produto ou serviço resultado do Design Thinking.

Neste momento, documente o progresso de seus protótipos e reflita sobre formas de aprimorá-lo. Desenhe um plano de ação para os próximos passos, listando tarefas, líderes, lacunas do ciclo anterior e novos pontos de contato para o time de participantes, para fortalecer a iniciativa. Adicionalmente, envolva outras pessoas, encorajando sua contribuição, e comunique a solução e resultados obtidos.

 

 

Pense em inovação como ciclos incrementais que vão tornar sua ideia cada vez melhor – e o DT cumpre seu papel oferecendo um ótimo caminho para que isso aconteça.

Primeira vez a bordo?

Em sua primeira experiência com o DT, tenha em mente uma observação do próprio Tim Brown:

“Pelo fato de ser ilimitado, neutro e iterativo, um processo impulsionado pelo Design Thinking parecerá caótico (…) Mas, ao longo da vida de um projeto, ele invariavelmente passa a fazer sentido e atinge resultados que diferem, de forma visível, dos processos lineares baseados em marcos que definem as práticas de negócios tradicionais. De qualquer maneira, a previsibilidade leva ao tédio, e o tédio leva à perda de pessoas talentosas. E também leva a resultados que os concorrentes consideram fáceis de copiar.”

Ademais, é essencial assumir uma postura de aprendiz: aborde as questões como se fossem novidade, mesmo que você já tenha uma base a respeito do assunto; permita-se aprender e esteja aberto à experimentação; mantenha um pensamento otimista e de abundância, substituindo o “Não vai dar certo” por “E se?”. Seja curioso!

Saiba mais em:

– BROWN, Tim. (2019) TED Talk, “Designers – think big!”. Disponível com legendas em: https://www.ted.com/talks/tim_brown_designers_think_big?language=pt-br

– BROWN, Tim. (2018) Design Thinking: uma metodologia poderosa para decretar o fim das velhas ideias. E-book.

– BROWN, Tim. (2008) Design Thinking. Artigo publicado na Harvard Business Review, edição de junho. Disponível (inglês) em: https://hbr.org/2008/06/design-thinking

– Instituto Educadigital. Versão em português do Kit Design Thinking para Educadores, 1ª edição.

– PINHEIRO, Tennyson & ALT, Luis. (2011) Design Thinking Brasil: empatia, colaboração e experimentação para pessoas, negócios e sociedade. São Paulo: Elsevier.

– STICKDORN, Marc & SCHNEIDER, Jacob. (2014) Isto é Design Thinking de serviços: fundamentos, ferramentas, casos. Porto Alegre: Bookman.

[1] Alguns autores / facilitadores consolidam as etapas 1 e 2 em uma única, chamada “Imersão”.

[2] Uma espécie de roteiro que descreve todos os pontos de interação do usuário/cliente com o produto ou serviço sendo prototipado.

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Revisitando o Diagrama de Gantt: aprenda a tirar o máximo dessa ferramenta em 6 etapas

Combinando o jogo com os russos

‍Neste artigo, vamos explorar as funcionalidades do Diagrama de Gantt e colocá-las em prática, criando um projeto a partir do zero, planejando suas etapas em um quadro virtual, traçando sua rota crítica e, por fim, transpondo esse esquema todo para o Excel – porque o Gantt não precisa necessariamente do MS Project 😉

 

Desde o meu primeiro emprego tenho atuado no contexto de projetos – e dos mais variados tipos e complexidades. Durante boa parte dessa trajetória, essas iniciativas foram conduzidas sob uma metodologia tradicional “em cascata”, baseada no PMBOK ou adaptada a partir dele (entenda essa metodologia aqui). Dessa forma, a expressão “Diagrama de Gantt” acabou sendo uma constante.

Embora o contato com a ferramenta tenha se dado logo cedo, a ferramenta me foi apresentada de um jeito um tanto equivocado: na maioria desses projetos, o Gantt era empregado apenas como uma apresentação visual do cronograma do projeto. Não é propriamente um erro, mas sim uma visão bastante limitada de seu potencial.

Poderia ter sido um Diagrama de… Adamiecki

O primeiro Diagrama “de Gantt” surgiu na década de 1890, criado pelo engenheiro polonês Karol Adamiecki. Responsável por uma indústria especializada na laminação de aço, ele se interessava bastante por questões relacionadas à gestão e técnicas de produtividade. E foi a partir desse contexto que desenvolveu uma forma de representar processos interdependentes, capaz de dar mais visibilidade aos cronogramas de produção. Seus primeiros artigos foram publicados entre 1903 e 1909. Em russo. Na época – e talvez ainda hoje – esse idioma tinha pouco apelo (além de intérpretes e tradutores) no mundo Ocidental e, por esta razão, não chegaram a ser difundidos fora do círculo russo e polonês.

Do outro lado do Atlântico (ou do Pacífico, dependendo da perspectiva), e entre os anos de 1910 e 1915, Henry Gantt, engenheiro e consultor de projetos americano, criou sua própria versão da ferramenta e passou a difundi-la pelos escritórios e empresas pelos quais passava. A partir daí, o Diagrama (agora sim) de Gantt ganhou popularidade e passou a ser aperfeiçoado ao longo do tempo. Como prêmio de consolação, coloco aqui ao lado a imagem de Adamiecki.

Veja bem, não é só um cronograma

Muitas empresas e profissionais “pulam” essa etapa importante:

– simplesmente não fazendo planejamento algum (“É um projetinho simples, pequeno, não precisa disso”);

– elaborando um plano, mas mantendo-o “guardado” na cabeça de poucas pessoas (normalmente uma só), sem qualquer tipo de documentação;

– montando um plano declarado, porém sob a forma de lista de tarefas. Como não há distribuição delas ao longo do tempo nem uma noção exata de interdependência, não é possível saber quando esse projeto vai terminar;

– elaborando tanto um plano quanto o Diagrama de Gantt, mas este apenas como cronograma.

Não importa se você é mais tradicional ou entusiasta do Agile: todo projeto precisa de um plano! E esse plano pode começar de uma maneira bem simples, low tech, com um quadro ou uma parede e alguns blocos de post its coloridos. Vamos a ele, então!

Projeto 101

O exemplo que vou criar é de complexidade relativamente baixa, a fim de ilustrar rapidamente as etapas da criação do Diagrama de Gantt e como executá-las. Uma vez entendido o processo, ele poderá ser replicado para qualquer outro contexto e complexidade.

Sendo assim, suponha que você está se casando e precisa planejar todas as tarefas necessárias para que o evento seja inesquecível (você vai planejar as coisas, certo?).

01. Crie uma lista de tarefas

O primeiro passo, portanto, é listar todas as tarefas que conectam nosso estado atual, de planejamento, até a data de entrega do projeto – neste caso, a cerimônia de casamento. Não se preocupe ainda com a sequência e a ordem exata delas; deixe a mente fluir. E, sempre que possível, use post its em um quadro ou parede, ou alguma solução digital para tornar esse exercício mais fácil e visual. O quadro abaixo, por exemplo, foi criado no Miro:

 

 

02. Organize-as

Nesta segunda etapa, criaremos alguns “caminhos” ligando a tarefa de partida e a do evento final (ou entrega do projeto), de forma a agrupar atividades correlacionadas em conjuntos, como: “trajes”, “alimentação”, “convites” e assim por diante. O objetivo é definir as sequências e interdependências (no exemplo, isso foi feito através das setas de conexão) entre todas as tarefas identificadas:

 

 

A lógica acima pode ser interpretada da seguinte maneira:

– estabeleci que o ponto de partida será definir o orçamento. Afinal, sem esse parâmetro não consigo escolher o local da cerimônia, nem que tipo de bufê poderá ser contratado, nem a quantidade de convidados, e assim por diante;

– a partir do orçamento, utilizei o critério de interdependência para organizar as tarefas em sequências razoáveis. Cada uma delas representa um grande tema que tenho de manter no radar, por exemplo: “convidados”, “local da cerimônia”, “trajes”. Chamarei essas sequências de rotas;

– isso me deixa com oito rotas (flechas partindo da tarefa definir orçamento) possíveis até o Grande Dia;

– selecionando uma delas para detalhamento – definir data do casamento (flechas rosa). Aqui existe uma tarefa acessória – escolher bolo e doces – representando um “desvio” na rota que pode ou não ocorrer, visto que esses itens eventualmente farão parte da mesma etapa de agendar visitas e degustação;

– note que haverá rotas mais longas, ou seja, com mais etapas até o Grande Dia, e outras mais curtas, eventualmente com uma única tarefa (vide flechas verdes). Sem dúvida, essas tarefas também são muito importantes para o projeto, mas elas não têm nenhuma dependência e tampouco afetam as demais. Pense nas alianças, por exemplo, que não causam impacto à escolha do local, dos convites, trajes, documentação ou qualquer outra tarefa listada no quadro, a não ser o próprio evento (Grande Dia);

– durante esta etapa, é normal lembrar-se de tarefas que não haviam sido listadas na anterior. Cole os novos post its nos lugares adequados e ajuste as rotas;

– é importante tentar ser o mais assertivo possível no desenho dessas rotas. Porém, o principal objetivo é mapear as rotas, a fim de ter uma estimativa do caminho mais longo a ser percorrido. Esse número balizará a criação do Diagrama de Gantt, como veremos a seguir. Sendo assim, não se preocupe em estabelecer todas as relações lógicas possíveis e, muito menos, um mapa definitivo da sequência de tarefas. Isso acontecerá de forma gradual.

03. Estime prazos

Finalizado o mapa de sequência de tarefas, defina um padrão de tempo (pode ser dias, semanas ou meses, conforme o tamanho do projeto) e estime quanto você levará para concluir cada uma das tarefas:

 

 

Importante:

– seja realista, preferencialmente conservador: problemas acontecem e é preciso ter margem para ajustes e adaptações;

– pessoas diferentes darão estimativas diferentes para um mesmo projeto. Por este motivo, envolva o time todo o mais cedo possível na etapa de planejamento, a fim de que os especialistas na execução de cada tarefa possam contribuir com sua experiência. Caso haja variações muito grandes para uma tarefa, solicite às pessoas que deram o maior e o menor número que justifiquem a razão por trás de sua estimativa – normalmente, após um debate, elas chegarão a um novo valor, mais próximo um do outro;

– em caso de projetos pessoais, como no exemplo deste artigo, as estimativas também podem variar de uma pessoa para outra por questões como: orçamento disponível, definição de prioridades e perfil comportamental (saiba mais sobre este aspecto aqui);

– seja assertivo, mas tenha em mente que algumas estimativas certamente sofrerão desvios quando o plano for posto em prática.

 

04. Trace a rota crítica

A rota crítica é indicada pelo caminho mais longo (em tempo, não em quantidade de etapas!) que liga a primeira tarefa, definir orçamento, à última, Grande Dia. Este é o caminho que realmente nos interessa, porque representa a melhor referência temporal para a conclusão do projeto.

Note que, apesar de ser a mais longa, ela pode simbolizar o tempo mínimo de conclusão, porque haverá concomitância de atividades, como veremos após a construção do Diagrama, diminuindo o ritmo de avanço ou mesmo precisando de replanejamentos.

Some então o total de semanas de cada uma das rotas traçadas:

 

 

Assim, nosso caminho mais longo tem duração de 14 semanas e passa pelas tarefas: (i) definir orçamento; (ii) escolher vestido da noiva; (iii) provar/ajustar vestido da noiva; (iv) escolher trajes do noivo; (v) agendar dia da noiva/noivo. Esta será a linha mestra de nosso Diagrama de Gantt.

Adicionalmente, defina possíveis interdependências entre as demais tarefas e aquelas indicadas na rota crítica (flechas pontilhadas azuis):

 

Em nosso exemplo, contratar carro para noiva e enviar convites para a gráfica são tarefas que dependem de reservar local da cerimônia.

 

05. Transporte tudo para o Excel

Há várias ferramentas disponíveis para transformar seu quadro de post its em um Diagrama de Gantt. Gosto do Excel pela flexibilidade que ele oferece, as possibilidades de customização e também pelo fato de que este é um software que a maioria das pessoas já têm e utiliza em ambientes corporativos – no caso do MS Project, por exemplo, será necessário adquirir licenças específicas e quem não a tiver não conseguirá abrir o arquivo (ou terá de receber uma versão em Excel, que não é muito prática).

Nesta etapa, então, listamos em uma coluna todas as atividades que compõem a rota crítica:

 

 

Logo abaixo, todas as outras tarefas:

 

 

No topo, coloque os números referentes às semanas (ou sua unidade de tempo) que totalizam a rota crítica – 14, no caso:

 

Agora, e a fim de automatizar o desenho das linhas de tempo, em vez de ficar pintando as células individualmente, utilize a “formatação condicional”.

Para isso, selecione todas as células que concatenam tarefas com semanas de execução – no exemplo abaixo, G2:T30 –, clique em Página inicial > Formatação condicional > Regras de realce das células > É maior do que, e defina valor > 0



 

Para diferenciar a rota crítica das demais, costumo formatá-la com uma cor diferente. Dessa forma, obtemos uma planilha em que toda vez que digitamos valor nas células com formatação condicional, elas ficam desta forma:

 

 

A partir daí, preencha as células das tarefas da rota crítica com “1”, conforme sua duração. No caso do Grande Dia, como ela representa um evento e não uma tarefa propriamente dita, prefiro usar a função de bordas, selecionando a coluna inteira (U) e aplicando a opção de borda lateral esquerda. Assim, delimito o encerramento ou entrega do projeto:

 


 

Este é um bom momento para revisar as estimativas iniciais, caso elas pareçam incorretas na projeção da linha do tempo.

Agora podemos preencher a duração das demais atividades, respeitando a sequência que foi definida em nosso diagrama de post its anteriormente e suas interdependências. Para facilitar este ponto, recomendo que você siga cada uma das rotas traçadas anteriormente. Por exemplo:

 

 

– nenhuma tarefa antecede definir orçamento. Por isso, nenhuma poderá ser colocada antes dela na planilha;

definir padrinhos / madrinhas, vem logo a frente e pode ser realizada antes de definir data do casamento. O mesmo vale para montar lista de convidados. Já a respeito de escolher modelo de convite, esta tarefa talvez seja pertinente após contratar decoração, pois o tema da celebração pode ser replicado nos convites.

Siga com este exercício de identificar tarefas antecessoras e sucessoras, inclusive atualizando o diagrama de post its, se julgar necessário. E observe que, no caso de interdependências, será preciso ajustar as tarefas para que iniciem somente após a conclusão daquelas das quais dependem – e isso pode fazer com que as 14 semanas previstas inicialmente se transformem em um número maior.

O resultado será uma projeção de linhas do tempo:

 

 

As setas indicam margens possíveis para antecipar ou postergar uma tarefa, conforme suas interdependências. Além disso, é válido reorganizar a sequência de tarefas na planilha para facilitar sua visualização e, principalmente, as validações que faremos mais adiante:

 

 

Agora nosso Diagrama está pronto para a etapa final.

06. Refine o Diagrama

Neste momento, devemos revisar o modelo criado e otimizar a distribuição de tarefas, especialmente nos casos de concomitância. Se considerarmos a semana 2, por exemplo:

 

temos cinco tarefas planejadas. Será possível definir padrinhos / madrinhas + comprar alianças + definir data do casamento + escolher lembrancinhas + providenciar documentação ao mesmo tempo?

Tudo indica que não, pois grande parte dessas tarefas envolve várias atividades, deslocamento e agendamentos que vão tornar essa semana caótica, caso sigamos dessa forma.

Assim, podemos movimentar algumas dessas tarefas ao longo das próximas semanas, privilegiando aquelas que têm margem, isto é, que não dependem de outras. E, caso isso não seja possível, teremos de arrastar alguns blocos maiores de tarefas, eventualmente da própria rota crítica, a fim de comportar uma execução viável do plano – ainda que isso faça nosso projeto saltar de 14 para 18 semanas, por exemplo.

Consequentemente, é fundamental realizar um exercício crítico envolvendo todo o time do projeto, para que o Diagrama de Gantt seja uma versão viável do objetivo, e não apenas uma representação idealizada, a partir da qual o time já sai frustrado.

Aperfeiçoando seu Gantt

Com o tempo, você terá diversas ideias que poderão ser implantadas em seu diagrama para torná-lo mais prático. Algumas sugestões:

 

 

– em vez de utilizar o número “1”, que ativava a formatação condicional, você pode especificar em cada célula o número real de horas que serão dedicadas à tarefa em questão, ao longo de cada semana. Ou o custo-hora estimado, dando ao seu diagrama uma perspectiva financeira;

– inclua o somatório na última linha, permitindo também uma visão de totais por tarefa (de semanas, horas, custo etc.);

– ao final das colunas, inclua um somatório para verificar totais por semana;

– em relação à utilização de horas, e a menos que haja um acordo específico de que o time estará dedicado full time ao projeto, recomendo definir uma alocação máxima de 25% (10h) por semana;

– mesmo em casos de alocação full time, tenha em mente que as pessoas, em um momento ou outro, serão acessadas por demandas de sua rotina fora do projeto. Dependendo da estratégia adotada e da fase em andamento, isso pode ser crítico;

– você pode definir notações para indicar tarefas atrasadas e, principalmente, seu impacto na data de conclusão do projeto. Geralmente uso uma cor mais forte com bordas pontilhadas para evidenciar isso;

– você pode utilizar a última coluna para indicar a pessoa responsável (owner) pela entrega de cada atividade;

– não existe uma ordem de tarefas a ser plotada no diagrama – a única regra é manter a rota crítica no topo. Então, ajuste-as até que sua interpretação se torne fácil e intuitiva

O Diagrama de Gantt é uma ótima ferramenta para auxiliar na comunicação do projeto, organizar a alocação do time e demonstrar o progresso das atividades – além de funcionar como cronograma! Use sua criatividade para acrescentar e customizar elementos, aperfeiçoando ainda mais suas funcionalidades. Boa jornada – e, neste caso, um bom casamento!

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Cascata à vista – o que é um projeto e como aplicar os métodos do PMBOK

Um rápido alinhamento de expectativas

‍Este artigo está dividido em duas partes. A primeira aborda o conceito de “projeto”, sua estrutura, nuances, desafios e oportunidades, além do modelo de gestão tradicional, “em cascata”; o segundo traz a perspectiva do Agile e algumas considerações finais.

Não fazem parte do escopo deste texto discussões sobre ferramentas nem estratégias sobre gestão propriamente dita, embora façamos diversos comentários sobre pontos de atenção e cuidados a serem tomados.

 

Antes de falar sobre metodologias, frameworks e formas de gestão, é importante entender o que, exatamente, é um projeto. De acordo com a definição do Guia PMBOK (Project Management Body of Knowledge), projeto é um esforço temporário empreendido para criar um produto, serviço ou resultado único. Projetos são realizados para cumprir objetivos através da produção de entregas (…) tangíveis ou intangíveis.

Dessa forma, devemos entendê-lo como uma iniciativa que tem começo e fim, e que busca algum tipo de melhoria nos mais diversos diferentes âmbitos: ferramentas, métodos, processos, produtos, políticas, serviços, dentre outros. Afinal, ninguém faz um projeto para que as coisas continuem do jeito que estão, certo? (Embora, alguns tenham resultados um tanto… controversos – as famosas iniciativas de pioria.)

Um dos maiores desafios de um projeto tende a ser a interdependência de ações: como ele promove a conjunção de tarefas entre diversas áreas e disciplinas de uma (ou mais) organização, um dos elementos-chave para o sucesso é estabelecer a comunicação e a coordenação adequadas de suas atividades. E isso pode ser feito de diversas maneiras, como veremos à frente. Mesmo em projetos de cunho individual – quando planejamos um programa de desenvolvimento pessoal, uma mudança de residência ou um plano de carreira, por exemplo –, há envolvimento e interdependência de outras pessoas e situações.

Outro ponto importante é entender que algumas iniciativas podem constituir ou não um projeto de acordo com o contexto em que estão inseridas. Por exemplo: para mim, que nunca construí um carro na vida (sequer um de rolimã), fazê-lo seria um projeto; para o operário da linha de produção da indústria automobilística, construir um carro faz parte de um processo, já que representa uma atividade repetida, para qual já existe uma organização de trabalho funcional.

Feito o entendimento inicial sobre o conceito de projeto, vamos às formas de gerenciá-lo.

 

 

Projetos em cascata

O PMI – Project Management Institute – foi criado nos Estados Unidos em 1969 com o objetivo de pesquisar, discutir e formular as boas práticas de gestão de projetos. Na década de 1980, seus fundadores desenvolveram os primeiros programas de certificação na área, dando aos profissionais aprovados o título de PMP – Project Management Professional (hoje são mais de 370.000 ao redor do mundo). Um tempo depois, no começo dos anos 90, a primeira versão do PMBOK – o Project Management Body of Knowledge, traduzido aqui como Guia do Conhecimento em Gestão de Projetos – foi publicada[1].

O PMI funciona por meio de “capítulos”, que são escritórios abertos em diversas cidades do mundo e que realizam fóruns de discussão relacionados ao tema, formação e certificação de profissionais, além de fomentar uma rede de associados que atuam na disseminação de sua metodologia de gestão de projetos, contida no PMBOK. Este, por sua vez, consolida as chamadas melhores práticas de gestão de projetos e representa a consolidação do trabalho de pesquisa de milhares de profissionais da área que foram, ao longo dos anos, compilando suas experiências, desafios, cases de sucesso e, assim, aprimorando as práticas vigentes. O guia está dividido em dez áreas de conhecimento, aqui descritas muito brevemente:

– aquisições: processos necessários para comprar ou adquirir produtos, serviços ou resultados externos à equipe do projeto;

– comunicação: processos necessários para assegurar que as informações do projeto sejam planejadas, coletadas, criadas, distribuídas, armazenadas, recuperadas, gerenciadas, controladas, monitoradas e finalmente organizadas de maneira oportuna e apropriada;

– cronograma: processos necessários para gerenciar o término pontual do projeto;

– custos: processos envolvidos em planejamento, estimativas, financiamentos, gerenciamento e controle dos custos, de modo que atenda, honre e respeite o orçamento aprovado;

– escopo: processos necessários para assegurar que o projeto contemple todo o trabalho necessário, e apenas o necessário, para que o mesmo termine com sucesso;

– integração: processos e atividades necessárias para identificar, definir, combinar, unificar e coordenar as várias áreas envolvidas;

– qualidade: processos para incorporação da política de qualidade da organização com relação ao planejamento, gerenciamento e controle dos requisitos de qualidade do projeto e do produto para atender as expectativas das partes interessadas;

– recursos: processos para identificar, adquirir e gerenciar os recursos materiais, tecnológicos e afins, bem como as pessoas necessárias para a conclusão bem-sucedida do projeto;

– riscos: processos de condução de planejamento, identificação, monitoramento e análise de gerenciamento de risco, planejamento e implementação de resposta;

– stakeholders ou partes interessadas: processos promovidos para identificar as pessoas, grupos ou organizações que podem impactar, serem impactados ou ainda se sentirem impactados pelo projeto, analisando suas expectativas e respectivo impacto, para o desenvolvimento de estratégias visando o engajamento eficaz nas decisões e execução do projeto.

O termo “projeto em cascata” (waterfall project) remonta ao estilo de uma de suas principais ferramentas, o diagrama de Gantt (Gantt chart), que é faseado, lembrando os degraus da queda d’água de uma cachoeira:

 

 

Cada fase representa uma etapa de avanço do projeto e, para que a etapa seguinte tenha início é necessário que a anterior esteja totalmente concluída – o que acontece por meio de um termo de aceite assinado pelos gestores e stakeholders do projeto. O objetivo é garantir que o time e o contexto estejam prontos para avançar para o próximo bloco de atividades definido durante etapa de planejamento, sem que tarefas pendentes possam gerar problemas ou atrasos.

Em termos de estrutura, um projeto em cascata geralmente é definido pelas seguintes etapas:

– Termo de Abertura, com desmembramento em um Plano de Projeto: compreende a definição do objetivo a ser atingido, bem com as delimitações de escopo a ser entregue, prazo de execução, pessoas e áreas envolvidas, orçamento disponível e o plano de comunicação do projeto. Esta etapa é particularmente crítica, pois uma definição imprecisa do trabalho a ser realizado certamente resultará em uma série de problemas no decorrer de sua execução, seja por falta de clareza sobre o que precisa ser feito e o que será entregue ou desalinhamento de expectativas / informação. As consequências, em qualquer dos casos, partem de conflitos entre as equipes até a criação de produtos e serviços que não atendem aos objetivos desejados. Nas Oficinas de Projetos realizadas pela Arquitetura RH, costumamos compartilhar com os participantes o trecho de um filme chamado Pentagon Wars (1998, com direção de Richard Benjamim e traduzido no Brasil como “Máquina de guerra”). Baseado em um evento verídico, a criação de um veículo blindado de transporte de tropas pelo Exército Americano, ele traz uma visão contundente a respeito da importância da definição de escopo (em determinado momento, a situação de caos assume até ares cômicos);


 

– Kick-off: cerimônia de abertura oficial do projeto. Em geral, neste evento participam todas as pessoas envolvidas e afetadas pelo projeto, que tomarão ciência dos termos de abertura e, quase sempre, realizarão etapas de integração para que se conheçam e ambientalizem. Isto é importante, pois os projetos tendem, cada vez mais, a ser iniciativas multidisciplinares, conduzidos com a participação de pessoas de diferentes áreas e perfis, e que doravante estarão atuando juntas;

– Análise e entendimento: esta fase pode ser subdividida em duas etapas, AS IS e TO BE. O AS IS é um desenho sistêmico e/ou de processos, procedimentos, políticas, práticas e comportamentos atuais, que já são executados normalmente dentro do escopo definido para o projeto. Por sua vez, o TO BE é uma proposta de melhoria, correção ou transformação trazida pelo projeto. Aqui existe uma nuance importante, porque o sucesso do desenho do cenário futuro (TO BE) depende do entendimento correto do AS IS – afinal, ninguém quer repetir os erros presentes, tampouco complicar ainda mais as coisas. Uma dificuldade com que times de projeto frequentemente se deparam é a falta de definições claras e documentação acerca dos processos existentes. E as pessoas que os executam nem sempre seguem um padrão lógico, não havendo descrições objetivas sobre o que elas recebem do processo anterior (entradas) e o que entregam para o próximo (saídas). Sem isso, é difícil garantir qualidade, acuracidade e até os prazos de entrega das informações;

– Realização: é a execução propriamente dita, partindo do documento de entendimento. Nesta fase são produzidas também as especificações técnicas que darão suporte ao desenvolvimento das atividades. Dependendo da natureza do projeto, esta tende a ser uma das fases mais longas;

– Testes & homologação: nesta etapa, o time de projeto, com o auxílio das áreas e pessoas que receberão a entrega desse projeto, testam a solução desenvolvida a fim de garantir que ela (1) cumpre as propostas declaradas no Plano do Projeto e (2) é aderente às necessidades levantadas durante a fase de Entendimento. Para testar uma solução, a equipe de projeto elabora roteiros com etapas que devem ser realizadas, bem como os resultados esperados a partir de uma determinada sequência de tarefas. Aqui entram importantes questões de qualidade: embora o time de projeto também realize um ciclo de testes chamados unitários, para filtrar erros e problemas mais genéricos, os testes de integração mais importantes são conduzidos pelas partes interessadas (áreas de negócio, clientes etc.) na solução. São essas equipes que validarão especificidades, regras de negócio, questões legais, tributárias, contábeis, regulatórias, dentre outras. Entretanto, não basta um teste simples – enviesado – em que dados corretos são usados para se chegar a um resultado correto. É imprescindível que se realize testes amplos, incluindo situações consideradas incorretas, para garantir que elas serão bloqueadas ou impedidas de seguir adiante. Um teste de qualidade eficaz aborda quatro perspectivas:

 

 

 

– Entrada de dados errados com resultado errado;

– Entrada de dados certos com resultado certo;

– Entrada de dados errados com resultado certo (falso positivo); e

– Entrada de dados certos com resultado errado (falso negativo).

Idealmente, esse é o mínimo que precisa ser feito, garantindo-se que a entrada errada gera resultados errados e que a entrada certa gera resultados certos. Em sistemas de TI isso é importante, mas existem algumas áreas em que isso é absolutamente crítico. Pense na Medicina: um médico analisa informações de exames e conclui que seu paciente tem uma doença grave e precisa passar por uma cirurgia de alto risco – só que os dados dos exames não tinham precisão e, na verdade, esse paciente estava apenas com uma doença simples, que poderia ser tratada em casa, com antibióticos (falso positivo). Ou então: os dados do exame indicam que está tudo bem e, com base nisso, o médico autoriza sua liberação. Chegando em casa, ele tem uma piora expressiva (falso negativo). Sem dúvida, isso terá implicações bastante graves. Por fim, o time responsável pela implantação pode testar unitariamente as funcionalidades de um projeto, mas não a sua integração, justamente para evitar que vieses e conhecimento prévio dos caminhos empregados na construção do projeto afetem a qualidade desse teste;

– Implantação (Go-Live): momento em que a solução homologada pelas partes interessadas pelo projeto (stakeholders) é efetivamente ativada, disponibilizada ao mercado ou colocada em ambiente de Produção. A partir daí, inicia-se uma fase de monitoramento para verificação de eventuais erros ou problemas não captados nos ciclos de teste, além de ajustes de rota que somente serão possíveis quando o produto ou serviço estiver sendo utilizado em larga escala. Embora o projeto em si seja encerrado, processos de melhoria e aprimoramento contínuo assumem a direção e, eventualmente, trazem elementos que vão conduzir a um novo projeto.

Durante muito tempo, esta metodologia foi a mais utilizada para planejamento, execução e entrega de projetos nas mais distintas frentes: construção civil, projetos de defesa, desenvolvimento de software, engenharia de produtos, pesquisa de medicamentos, programas educacionais etc. É, de longe, a mais popular: são cerca de 700.000 membros do PMI em quase todos os países do mundo, embora desde o início dos anos 2000 tenha começado a perder espaço para os frameworks ágeis, especialmente no contexto tecnológico, com o despontar das empresas de tecnologia e startups, como veremos a seguir.

Isso tem a ver com a velocidade com que as mudanças têm ocorrido nos últimos anos e a flexibilidades que esse cenário requer: um projeto em cascata funciona sob a tríade custo, escopo e tempo – fatores que estão diretamente interligados. Qualquer alteração em um deles, portanto, implica em alteração nos demais. Essas alterações, por sua vez, precisam passar por um comitê de aprovação denominado Comitê de Gestão de Mudanças (Change Management Board), que poderá autorizar ou não sua inclusão no âmbito das atividades definidas no Plano de Projeto. Em caso positivo, elas, bem como todas as etapas subsequentes – incluindo as que estiverem em andamento – terão de ser replanejadas, a fim de atualizar esse Plano adequadamente.

 

 

No contexto da Indústria 4.0, caracterizado pela “disrupção” em inúmeras esferas, a gestão de projetos sob essa metodologia pode gerar entraves para o tempo de resposta oferecido a essas mudanças do mercado, tornando uma entrega de projeto obsoleta antes mesmo que ela esteja finalizada – e comitês de mudança podem não ser rápidos o suficiente para retomar o passo, tendo em vista todas as etapas (e assinaturas) necessárias para aprovação de mudanças.

Ainda assim, a metodologia de gestão de projetos em cascata é sem dúvida uma das mais robustas do mercado, contando com a experiência e a colaboração de milhares de profissionais que se dedicam ao seu aperfeiçoamento contínuo. Seja entusiasta dela ou não, em algum momento você certamente vai se deparar com os famosos diagramas de Gantt feitos no MS Project, caso isso ainda não tenha ocorrido.

[1] Atualmente estamos na 7ª edição, que possui cerca de 800 páginas e pode ser baixada (somente membros associados) a partir do site dos capítulos do PMI ou adquirida a partir de livrarias e e-commerce em geral.

Quer ver uma nova perspectiva sobre projetos? Acesse aqui a segunda parte deste artigo, no qual discutimos métodos ágeis.

Saiba mais em:

– Project Management Institute, Guia do Conhecimento em Gerenciamento de Projetos (Guia PMBOK), 6ª edição, 2017.

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Entre quadros e cerimônias – conceitos de projetos ágeis

Para entender um pouco mais sobre o conceito de projetos e a metodologia de gestão “em cascata”, acesse a primeira parte deste artigo aqui.

Antes de começar, gosto de esclarecer dois conceitos: por que framework e não metodologia ágil? Embora muitas pessoas utilizem incorretamente o termo “metodologia” para se referir a projetos conduzidos sob os valores e princípios ágeis, ele é impreciso.

Metodologia tem a ver com orientações de certa forma prescritivas, um conjunto de regras a serem seguidas. Ao ler o Guia do Conhecimento em Gestão de Projetos do PMI, por exemplo, nós temos não apenas a declaração de inúmeras situações de projeto, como também referências sobre como agir em cada uma delas, inclusive em casos de problema e dificuldades – as chamadas “melhores práticas”.

Já no framework esse aspecto de prescrição não está presente; ele oferece diretrizes gerais de condução, acompanhamento e engajamento, mas deixa a critério das equipes de projeto decidir como e por meio de quais ferramentas o framework será implantado. Sendo assim, é comum haver adaptações mesmo de frameworks bastante disseminados – como o Scrum e o Kanban, por exemplo –, o que é plausível e até estimulado pelos próprios organizadores do Manifesto Ágil.

A propósito, o Manifesto surgiu em 2001, durante um encontro entre 17 profissionais[1] que já praticavam formas mais “leves” de conduzir projetos e que discutiram quais deveriam ser os métodos essenciais para o desenvolvimento de software. O resultado disso ficou conhecido como “Manifesto Ágil”, e representa os quatro valores mais importantes a reger uma iniciativa desse tipo. São eles:

Indivíduos e interações mais que processos e ferramentas

Software em funcionamento mais que documentação abrangente

Colaboração com o cliente mais que negociação de contratos

Responder a mudanças mais que seguir um plano

Embora tenha sua origem no desenvolvimento de software, o Manifesto pode ser expandido para qualquer outro contexto de projetos. É importante enfatizar também que, ainda que seja dada uma relevância maior para os componentes do lado esquerdo dessas afirmações, destacados em negrito, ele não prescinde daquelas retratadas à direita. Sendo assim:

– processos e ferramentas são úteis e oferecem um bom suporte, mas nunca podem ser colocados em um patamar mais elevado do que o das próprias pessoas. Devemos considerar que as interações humanas têm o “poder” de resolver problemas crônicos de comunicação ou entendimento. Por isso, a ênfase nesse aspecto;

– embora documentação seja importante, principalmente para fases pós-implantação, quando (geralmente) times diferentes assumem as rotinas de correção e melhorias de software, o aspecto essencial por que um projeto é realizado é ter um produto funcionando corretamente: este é o maior indicador de que algo foi construído e é a partir dele que os clientes, sejam internos ou externos, vão comprovar o valor entregue;

– colaboração é a palavra-chave de projetos. Em vez de administrar conflitos do tipo eu (time de projeto) contra eles (clientes), o Manifesto reforça a importância do trabalho em conjunto, desde a concepção de um produto ou serviço, a fim de que as partes cocriem a solução e tenham suas necessidades efetivamente atendidas;

 

– o framework deve estar aberto a correções de rota. Observar o contexto macro e, em especial, o feedback do cliente é fundamental para que o desenvolvimento atenda a essas mudanças e seja funcional após a entrega. Ao contrário do modelo em cascata, em que mudanças de escopo geram requerimentos que então passam por um comitê de aprovação composto pelos principais stakeholders, aqui o time de projeto apenas discute a organização e (re)priorização dessas tarefas, a fim de assimilá-las em seu escopo de trabalho.

O Manifesto Ágil foi posteriormente “completado” com doze princípios para orientar ações e escolhas de métodos e ferramentas, no intuito de maximizar o resultado dos projetos. São eles:

1. Nossa maior prioridade é satisfazer o cliente através da entrega contínua e adiantada de software com valor agregado;

2. Aceitar mudanças de requisitos, mesmo no fim do desenvolvimento. Processos ágeis se adequam a mudanças, para que o cliente possa tirar vantagens competitivas;

3. Entregar frequentemente software funcionando, de poucas semanas a poucos meses, com preferência à menor escala de tempo;

4. Pessoas de negócio e desenvolvedores devem trabalhar diariamente em conjunto por todo o projeto;

5. Construir projetos em torno de indivíduos motivados, dando a eles o ambiente e o suporte necessário e confiando neles para fazer o trabalho;

6. O método mais eficiente e eficaz de transmitir informações para e entre uma equipe de desenvolvimento é por meio de conversa face a face;

7. Software funcionando é a medida primária de progresso;

8. Os processos ágeis promovem desenvolvimento sustentável. Os patrocinadores, desenvolvedores e usuários devem ser capazes de manter um ritmo constante indefinidamente;

9. Contínua atenção à excelência técnica e bom design aumenta a agilidade;

10. Simplicidade: a arte de maximizar a quantidade de trabalho não realizado é essencial;

11. As melhores arquiteturas, requisitos e designs emergem de times auto-organizáveis;

12. Em intervalos regulares, a equipe reflete sobre como se tornar mais eficaz e então refina e ajusta seu comportamento de acordo.

Tendo isso em mente, falemos sobre um dos frameworks mais populares.

Scrum

O Scrum é um dos principais métodos ágeis. Ele nasceu em meados dos anos 90, quando dois caras, Jeff Sutherland e Ken Schwaber, cansados dos projetos confusos, com cronogramas irrealistas e orçamentos apertados em que trabalharam até então buscaram novas formas de se organizar e realizar as atividades. Devido a sua versatilidade, ele pode ser utilizado em diferentes contextos e complexidades: desde uma campanha publicitária até a estruturação de informações do FBI[3]. Segundo a definição de seus criadores:

É um framework por meio do qual as pessoas podem lidar com problemas complexos, enquanto entregam produtos de forma eficaz e criativa, gerando o maior valor possível.

Ao contrário da metodologia em cascata, o Scrum funciona a partir de iterações incrementais que vão, aos poucos, construindo seu produto / serviço. E diferente do PMBOK também, o guia de implementação[3] possui meras 19 páginas, em comparação às quase 800 daquele. Isso significa que se trata de um método fácil de aprender, ainda que nem sempre fácil de aplicar.

A etapa inicial é caracterizada pela definição de papéis:

– Scrum Master (“SM”): aqui a figura do Gerente de Projetos é substituída pelo Scrum Master, profissional que garante a orientação do time em relação ao framework e responsável por remover os impedimentos apontados pela equipe nas cerimônias diárias. A propósito, este é um erro comum de organizações que tentam (ou dizem) aplicar este método: confundir o papel desses dois profissionais e alocar um GP sob um projeto dito ágil; ou então descrever como responsabilidade do SM “gerenciar um projeto ágil”. No Scrum não há “gestão” propriamente dita, muito menos reuniões de status;

– Product Owner (P.O. ou Dono do Produto): representa seu cliente final, tomando decisões acerca da priorização de funcionalidades e aderência aos requerimentos levantados. É o principal canal de comunicação entre o time de projeto e seus stakeholders;

– Time de desenvolvimento: equipe multidisciplinar responsável pela entrega do produto.

Note que não há uma hierarquia entre esses papeis – todos atuam de forma colaborativa, comprometidos com a entrega da melhor solução possível e sempre mantendo o foco no cliente e sua experiência. No caso do SM, costuma-se falar em servant leader, ou seja, um líder que serve ao grupo (em vez de controlá-lo).

Uma vez definidos os representantes de cada papel, o projeto tem início com a criação de um backlog de produto, isto é, uma lista contendo todas as tarefas que precisam ser realizadas para que o objetivo seja atingido. A partir dela, e baseado na interpretação dos interesses do cliente final, o P.O. priorizará essas tarefas, segundo sua relevância e perspectiva de valor entregue ao cliente. Vale ressaltar que o backlog nunca estará completo – conforme o projeto avança e os ciclos se sucedem, novos requerimentos e tarefas surgirão e serão incluídos nele.

 

O Scrum funciona sob cerimônias que são realizadas periodicamente dentre os membros do time de desenvolvimento, SM e PO:

– Daily Scrum (ou daily meeting ou stand up meeting): são reuniões diárias envolvendo o SM além do time de desenvolvimento. Idealmente, elas devem acontecer no início – ou o mais próximo possível disso – do trabalho. Sua duração não pode exceder 15 minutos, pois tem por finalidade um alinhamento rápido sobre os pontos mais relevantes que estão ou serão desenvolvidos. Nela, cada um dos participantes responde a três perguntas: (1) o que fiz ontem; (2) o que farei hoje; (3) se existem impedimentos à realização do meu trabalho. A partir dessas informações, o time todo consegue se atualizar a respeito do progresso, bem como compartilhar possíveis problemas a tempo de serem resolvidos – neste caso, cabe ao SM a responsabilidade de organizar junto aos stakeholders as estratégias mais pertinentes para removê-los do caminho;

– Planning: encontro para organização do trabalho que será realizado no ciclo de iteração seguinte, a chamada Sprint. Tendo em vista a priorização de tarefas organizada no backlog de produto, o time de desenvolvimento “puxa para si” uma determinada quantidade de trabalho que julga capaz de realizar nesse período. Como padrão, as Sprint duram duas semanas consecutivas, embora esse número possa variar conforme necessidades do contexto. Uma característica fundamental desses encontros de planejamento é o compromisso do time em realizar as tarefas com as quais se comprometeram e a autonomia para tomar essa decisão. Autonomia e protagonismo são as palavras-chave de um time ágil, que com o tempo vai se tornando cada vez mais entrosado e preciso em suas estimativas;

– Refining (ou Review): geralmente na metade de uma Sprint, o time se reúne para discutir o andamento das tarefas e revisar prioridades. Eventualmente, por questões inerentes ou não ao projeto, pode ser necessário ajustar os próximos passos. Assim, o ritmo de entregas pode ser mantido, bem como a proposta de entrega de valor ao cliente. Neste encontro, a participação do P.O. é imprescindível, pois é a pessoa com maior domínio dos requerimentos e experiência do cliente em relação às entregas sendo feitas;

– Retrospectiva: ao final de uma Sprint, o time todo se reúne para discutir o trabalho realizado e entregue. O que deu certo? O que poderia ser melhor? Quais lições podemos levar para as próximas Sprints? Mais do que uma ocasião para apontar dedos, este é um momento de reflexão sobre os caminhos que o projeto seguiu e como eles podem ser otimizados dali em diante. Também é o evento para que os membros do time parabenizem iniciativas de destaque e demonstrações de colaboração, comprometimento, ideias e esforço – minha sugestão é que este seja justamente o ponto de partida de uma Retrospectiva. Para isso, muitos times usam formas lúdicas de discussão com modelos baseados em desenhos, personagens do cinema e contextos inusitados. Por exemplo:

 

 

Na figura acima, o navio representa o time do projeto; as âncoras são os fatores e comportamentos que “reduziram a velocidade da navegação”; as nuvens soprando indicam iniciativas, ideias e comportamentos que deram velocidade às entregas; e, por fim, a ilha é o objetivo que deveria (ou foi) alcançado. É produtivo deixar que as pessoas interajam com a figura, colocando post-its e pequenas notas exemplificando cada uma dessas situações. Ao SM cabe o papel de fomentar a participação de todos e, principalmente, impedir que a Retrospectiva se transforme em uma sessão para “lavar roupa suja”.

Essas cerimônias são então repetidas a cada nova Sprint, até que o produto esteja acabado. Ou melhor: uma vez finalizado, o produto entra em um looping de melhorias contínuas. Ao contrário dos projetos em cascata, em que todo o trabalho é entregue de uma só vez ao final do ciclo, no Scrum isso acontece em estágios sucessivos a partir de um MUP[5] (minimun usable product ou protótipo minimamente utilizável, se preferir), que vai sendo incrementado.

Um princípio vital do Scrum é a noção de transparência. Todos no time precisam ter pleno conhecimento do que os demais estão fazendo, o nível de avanço do projeto e os objetivos esperados. Sendo a visibilidade tão fundamental, recomendo a utilização de quadros (Kanban) para disponibilizar uma “gestão à vista” de tudo o que está sendo feito.

Kanban

Neste tópico, trato o Kanban como ferramenta de suporte ao Scrum e não como método (que tem uma série de nuances distintas). Esses quadros ajudam o time a se localizar em termos de tarefas a serem realizadas, bem como seus responsáveis, e o progresso geral do projeto. Isso evita uma série de perguntas aborrecidas sobre “o que você está fazendo?”, “quando fica pronto?” e similares.

A partir do Kanban, o time reforça seu papel de autogestão, atualizando a evolução do projeto. Comumente, isso é feito durante o Daily Scrum (que tal realizar este encontro de frente para um quadro Kanban?).

 

 

A representação mínima de um Kanban requer 3 colunas: “a fazer” (backlog), “em andamento” e “concluído”. Conforme o time evolui na aplicação da ferramenta, novas colunas poderão ser incorporadas para representar etapas-chave do projeto. As tarefas serão identificadas por cartões (post its) que, por sua vez, serão movidos pelo time (respeitando a responsabilidade de cada um pela tarefa) através dessas colunas, conforme o trabalho for sendo desenvolvido. Posteriormente publicaremos um artigo dedicado ao Kanban para auxiliá-los nessa jornada 😉

Melhor do mundo?

Não existe um método “melhor”; existe um método mais adequado às necessidades e contexto do projeto que você está desenvolvendo. Em startups e empresas envolvidas em circuitos de inovação, há uma tendência pela utilização do Agile, dada sua flexibilidade a mudanças e ciclos incrementais de produto. Por outro lado, um profissional certificado como PMP tem como vantagem poder atuar em qualquer projeto em qualquer lugar do mundo, visto que a metodologia em cascata representada pelo PMBOK é universal.

Minha sugestão é que você experimente essas duas formas em iniciativas de sua empresa, a fim de se familiarizar com elas. Com tempo, você elegerá uma principal e começará a customizá-la para obter resultados ainda melhores.

[1] Alistair Cockburn, Andrew Hunt, Arie van Bennekum, Brian Marick, Dave Thomas, James Grenning, Jeff Sutherland, Jim Highsmith, Jon Kern, Ken Schwaber, Kent Beck, Martin Fowler, Mike Beedle, Robert C. Martin, Ron Jeffries, Steve Mellor e Ward Cunningham.

[2] Vide https://agilemanifesto.org/.

[3] Este case é contado no livro “Scrum”, do Jeff Sutherland, indicado na sessão “Saiba mais”.

[4] Vide referência do “Scrum Guide”.

[5] Na Arquitetura RH, temos dado preferência ao termo MUP em vez de MVP (minimun viable product) para refletir a importância da experiência do cliente com o produto.

Saiba mais em:

– SUTHERLAND, Jeff. Scrum – a arte de fazer o dobro do trabalho na metade do tempo. São Paulo: Sextante, 2019.

– SUTHERLAND, Jeff & SCHWABER, Ken. Scrum Guide. Disponível em https://scrumguides.org/.

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Sobrecarga de escolhas: excesso de informação… e de dúvidas

Domingo. Acabo de almoçar. Na cozinha, tudo limpo e organizado; no quarto, a criança tira um cochilo debaixo do cobertor – e dos gatos. A estante de livros me convida a ler o segundo volume dos “Contos de Kolimá”[1], mas, por outro lado, o friozinho de outono faz a combinação sofá & manta ser mais atrativa. Resolvo então ver um filme. Qual? Não sei ao certo. Acesso o Netflix – deve ser fácil escolher algum que me agrade.

Ou, pelo menos, foi isso o que achei até fazer o login.

Na página principal, 4 grupos: “séries”, “filmes”, “mais recentes” e “minha lista”. Dentro de “filmes”, 24 categorias:

 

 

A partir de cada categoria, 15 opções iniciais só na primeira tela…

 

 

… e sabe-se lá quantas centenas de outras[2] depois, que serão exibidas assim que eu der início à maratona – não de filmes, mas do scroll down.

A princípio, esse leque gigantesco de opções parece atrativo, um grande benefício que justifica minha assinatura de R$ 45,90 mensais: com tantos títulos disponíveis, é improvável que eu não encontre um sequer que me agrade. O problema é que esse mesmo leque gigantesco de opções impede que eu me decida a assistir a qualquer um deles.

Percorro telas e mais telas, leio sinopses, assisto a trailers, clico em recomendações (“títulos semelhantes” ou “porque você assistiu…”), e vejo-me perdido em um labirinto de promessas de entretenimento: tão acessíveis quanto um apertar de botão do controle remoto, mas ainda assim inalcançáveis em meio a minha indecisão.

Passados quase cinquenta minutos, encontro um filme que já assisti anos atrás e do qual me lembro com satisfação. Tarde demais: ele tem cerca de 2 horas e, até lá, a Sophie já terá acordado. Desligo a TV, um pouco triste: por não ter conseguido assistir nada; por ter perdido a oportunidade de ler algumas páginas do Chalámov; e, finalmente, por ter desperdiçado tanto tempo à toa.

A tirania das pequenas decisões[3]

Quando o assunto é escolhas, temos a impressão de que quanto mais, melhor. Não é bem assim. Se por um lado ter mais opções pode reforçar o conceito de “liberdade de escolha” e a sensação de customização, por outro, o ônus trazido pelo processo de decidir mediante tantas opções é grande, embora comumente negligenciado.

Existe um efeito cumulativo que as pequenas decisões provocam em nosso cérebro, levando-nos ao cansaço cognitivo. Imagine se, desde o momento em que você acordasse, tivesse de lidar com dezenas de decisões de pequena relevância, mas todas elas com inúmeras configurações. E é geralmente isso o que acontece. Por exemplo: de manhã, em uma cafeteria da cidade, podemos escolher entre: café americano, expresso, expresso duplo, em cápsula, forte, fraco, descafeinado, com toques frutados, notas de amêndoas, de cereais, solúvel, com leite, média, coado, tirado na prensa francesa, Hario V60, Chemex, Aeropress…

Mas qual é a diferença de satisfação que uma opção ou outra provoca em você? A menos que você seja um barista, ou tenha acordado com uma vontade específica por um desses tipos, a diferença será muito, mas muito sutil. Talvez até imperceptível. E, no entanto, podemos perder um longo tempo lendo e relendo cardápios em busca da escolha perfeita.

A propósito, há um outro ponto crítico sobre as escolhas: após tomarmos uma decisão, nós não nos livramos (mentalmente) das opções que foram preteridas. Dependendo do resultado obtido, seremos psicológica e emocionalmente perturbados por elas durante um longo tempo, aumentando ainda mais nossa carga cognitiva – inclusive no contexto de decisões absolutamente irrelevantes.

Tempos atrás, saí para comprar iogurte em um supermercado do bairro onde moro. Na sessão de laticínios, deparei-me com uma geladeira com 93 (!) tipos diferentes do produto. Sim, perdi tempo contando todos eles pelo benefício de poder usar esses dados mais para frente:

natural, desnatado, sem lactose, com cereais, com chocolate, com geleia de frutas, com pedaços de fruta, com fruta batida, com mel, enriquecido com vitaminas, sem açúcar, com o dobro de açúcar, com leite de vaca, de cabra, de ovelha, de ornitorrinca…

Em geral, compro um batido e desnatado, sempre da mesma marca. Neste dia, porém, e em meio à dúvida sobre qual levar, acabei escolhendo um com pedaços de pêssego.

Para quê?!

Embora seja fã de pêssego, o tal iogurte era excessivamente doce e se tornava incomestível quando misturado à fruta em calda – também muito doce. A partir daí, somei à perda de tempo durante as compras a insatisfação de ter escolhido um produto ruim: com tantas opções disponíveis, como puder fracassar miseravelmente nesta escolha, aparentemente simples?

Este é um outro aspecto negativo da sobrecarga de escolhas: tendo uma gama de opções tão grande, o arrependimento por ter feito uma escolha ruim torna-se mais agudo e nos acompanha por mais tempo. E quanto mais opções houver, maior também será o remorso.

Este episódio evidencia que, se quiséssemos, poderíamos passar o dia todo indo de um supermercado a outro, comparando opções de um determinado produto, preço, datas de fabricação e validade, aspecto da embalagem, lista de ingredientes… Mas quem tem tempo de fazer isso hoje em dia? Por esta razão, a maioria dos consumidores repete seus padrões de compra, levando basicamente os mesmos produtos.

Não ter opções a respeito de um dado contexto, ou tê-las impostas por alguma autoridade, condição, governo etc., é algo praticamente insuportável. Na medida em que as opções surgem, sentimo-nos “no controle” da situação, o que é positivo. Contudo, a partir do momento em que essas opções saem do controle, o ônus da indecisão causada pela sobrecarga anula qualquer vantagem dessa “liberdade de escolha”. Como diz Barry Schwartz, no livro “Paradoxo das escolhas”:

(…) neste ponto, as opções não promovem mais liberdade, mas sim nos debilitam – e até tiranizam.

Enquanto não percebermos o inconveniente dessas microdecisões com múltiplas alternativas, continuaremos imersos na saga da indecisão. E Schwartz complementa:

“A maioria das pessoas deseja ter mais controle sobre os detalhes de suas vidas. Mas a maioria das pessoas também quer simplificar as coisas. Este é o paradoxo de nosso tempo.”

Maximizadores e satisficers [4]

De forma alternada, nós nos enquadramos em dois grupos no que diz respeito à tomada de decisão: o dos que buscam a maximização e o dos que aceitam a satisficiência (neologismo baseado no termo em inglês satisficiency: algo que me deixa satisfeito e, ao mesmo tempo, me é suficiente).

Maximizadores são, por excelência, indivíduos que não admitem nada senão o melhor: dado um conjunto de opções, eles percorrem cada uma delas, analisando detalhes, contexto, consequências, possíveis trade-offs; fazem pesquisas na internet, consultam amigos e especialistas, constroem planilhas – até se sentirem plenamente seguros de que estão escolhendo a melhor opção desse conjunto. A satisficiência, pelo contrário, é aceitar algo que seja razoavelmente bom. E isso é o bastante, a busca pode ser encerrada.

Ao ligar a televisão com um pacote de canais por assinatura, por exemplo, o maximizador vai percorrer todos os 400 canais disponíveis, um a um, e só então, após ter a visão completa de programas daquela faixa horária, decidirá qual assistir. Na perspectiva da satisficiência, o telespectador liga a TV e, a partir do canal que estiver sintonizado, vai passando os seguintes, um a um, mas somente até encontrar um programa que lhe pareça bom. A partir daí, se dará por satisfeito, sem se preocupar com o que está passando nos demais.

Normalmente, a maximização tende a ser um processo mais doloroso, pois consome mais tempo e gera mais incertezas, além de deixar as pessoas frequentemente menos felizes. É muito comum que o maximizador, após tomar uma decisão, tenha remorsos decorrentes de dúvidas, como: estou realmente escolhendo a melhor opção? E se tivesse escolhido de forma diferente? É o caso do iogurte, que mencionei anteriormente, mas também de escolhas com implicações críticas.

Modelos para otimizar a tomada de decisão

Como vimos, ser maximizador é potencialmente negativo: sendo improvável conseguirmos avaliar todas as opções disponíveis, as chances de arrependimento são enormes.

O que fazer, então?

Existem diversos modelos de tomada de decisão que podem ser empregados em contextos de maior criticidade. Trago aqui quatro que podem auxiliá-los em suas decisões, tanto pessoais quanto profissionais. Mas primeiro, vamos criar um exemplo sobre o qual cada um deles será aplicado:

Imagine que temos D$ 10,000.00 (dez mil “dinheiros”) disponíveis e pretendemos investi-los, integralmente, em algum produto do mercado financeiro. Para isso, listamos 3 atributos que são relevantes nessa escolha: rentabilidade, baixo risco e alta liquidez:

 

 

1. Aditivo

Neste primeiro modelo, normalizamos todos os atributos para uma escala de valores que os torne comparáveis – digamos: de 0 a 5, sendo 5 o nível máximo de aderência ao critério indicado pelo atributo. Em seguida, classificamos todas as opções nessa escala e somamos o total atingido por cada uma delas. A decisão será pela opção que apresentar o maior valor nesse somatório:

 

 

Em nosso exemplo, e a despeito das características individuais de cada título, investiríamos os D$ 10k na opção T1, que apresenta o maior valor combinado de aderência aos critérios que estabelecemos inicialmente.

E se houvesse empate entre duas ou mais opções? Você poderia, então, estabelecer um quarto critério e classificar todas as opções nele, gerando um novo somatório; ou alterar o peso de cada atributo existente, de forma que A1 > A2 > A3, por exemplo, gerando assim também um novo resultado.

2. Lexicográfica

(ignorem o nome, ela é bem simples de ser empregada)

O modelo lexicográfico é mais simples e objetivo: basta definir o critério mais relevante para seus objetivos e, a partir dele, selecionar a opção que apresenta o maior valor. Supondo que rentabilidade seja nosso principal critério, então T4 seria o título escolhido:

 

Em caso de empate, definiríamos o segundo critério mais importante, e assim sucessivamente até restar uma única opção.

3. Eliminação de atributos

Semelhante ao modelo lexicográfico, definimos um valor mínimo que desejamos ter para cada critério e, com base nesses valores, vamos eliminando as opções até que reste apenas uma. Por exemplo:

– rentabilidade tem de ser >= 4 (T1, portanto, eliminado):

 

– baixo risco tem de ser >= 4 (T3 e T4, portanto, eliminados, restando apenas T2, a opção que será escolhida):

 

 

4. “Satisficiência”

Analisamos os títulos um a um até encontrar o primeiro que atenda, de forma satisfatória, aos critérios desejados. A partir daí, ignoramos as demais opções. Em nosso exemplo, suponha que o objetivo do investimento é ter rentabilidade >=3 e baixo risco >=3. A primeira opção que atende a essa combinação é T2. Assim, escolhemos T2 e não nos preocupamos mais em analisar T3, T4 e quaisquer outros títulos que porventura estejam disponíveis – é o famoso good enough is good enough:

 

De agora em diante

Ainda que não seja possível – e desejável – usar modelos de tomada de decisão a cada escolha com que nos deparamos, podemos, sim, aplicá-los para as mais relevantes, de forma a tornar o processo mais estruturado e menos sujeito a vieses e heurísticas. Barry Schwartz, no já citado livro, nos deixa algumas lições:

1. Nós nos sentiríamos melhor e mais felizes se abríssemos mão voluntariamente de parte de nossa “liberdade de escolha”;

2. A opção “boa o bastante” traz mais satisfação do que a “melhor de todas”;

3. Seríamos mais felizes se reduzíssemos nossas expectativas acerca do resultado de cada decisão que tomamos;

4. Idealmente, as decisões devem ter caráter irreversível;

5. Viveríamos mais satisfeitos se prestássemos menos atenção ao que os outros estão fazendo

Saiba mais em:

– SCHWARTZ, Barry. (2004) O paradoxo das escolhas: por que menos é mais. São Paulo: A Girafa.

– SCHWARTZ, Barry. (2005) Sobre o paradoxo das escolhas. Disponível em: encurtador.com.br/ioyG4

– SIMON, Herbert. (1972) Human problem solving. Brattleboro: Echo Point Books, reprint 2019.

– TVERSKY, Amos. (1972) Elimination by aspects: a theory of choice. Psychological Review, 79 (4), pp 281-299. Disponível em: encurtador.com.br/jlwAD

[1] São 6 ao todo, de autoria de Varlam Chalámov, publicados no Brasil pela Editora 34.

[2] Segundo dados da Netflix: o catálogo da empresa no Brasil oferece 1.920 filmes, 1.455 séries e 480 documentários (dados do final de março de 2020).

[3] Esta expressão foi cunhada pelo Economista Fred Hirsch.

[4] São 6 ao todo, de autoria de Varlam Chalámov, publicados no Brasil pela Editora 34.

[5] O termo não foi oficialmente traduzido para o português. Assim, entenda o satisficer como o indivíduo que aceita a “satisficiência”.

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Viés da confirmação: por que fatos não são o suficiente para nos fazer mudar de ideia

Os avanços tecnológicos das duas últimas décadas trouxeram uma fonte virtualmente infinita de informações. Contudo, beber dessa fonte nem sempre nos tem deixado mais conscientes de nossa situação. Tome como exemplo as discussões políticas recentes: qualquer argumento cuja sombra contradiga minimamente alguma de nossas crenças é imediatamente refutado. Dessa forma, embora o processo de comunicação tenha sido expandido e facilitado, em especial por conta das redes sociais, o resultado dessas interações é pouco eficaz:

“(…) paradoxalmente, a riqueza de informações disponíveis nos torna mais resistentes à mudança, porque é muito fácil encontrar dados em apoio a nossa própria opinião. Isso é válido até para opiniões extremadas (…)” – Tali Sharot (2018)

Mas por que é tão difícil entender (que dirá concordar com) pontos de vista diferentes?

Antes, proponho a vocês um jogo rápido:

Há quatro pessoas em uma festa. Cada uma recebe um cartão – de um lado, consta a bebida que ela está tomando; do outro, sua idade. As cartas são então dispostas sobre uma mesa da seguinte forma:

Sabendo que o consumo de álcool por menores de 18 anos é ilegal, quais cartas devem ser viradas para nos certificarmos de que a lei não está sendo infringida?

Anote em um papel, pois voltaremos à resposta em breve.

Comentamos em artigos anteriores (aqui e aqui) que uma das “heranças” de nossa evolução cerebral foi o surgimento – e a permanência – de vieses, e que essas influências sutis nem sempre nos conduzem por bons caminhos, nos predispondo a erros de percepção e julgamento. Dentre o rol de influências a que estamos sujeitos, uma das mais frequentes é o viés de confirmação. Segundo Sharot (2018):

“Quando você fornece novos dados a alguém, a pessoa rapidamente aceita as provas que confirmam suas noções preconcebidas (conhecidas como crenças prévias) e avalia as contraprovas com um olhar crítico.”

O viés de confirmação é, portanto, uma influência direta que o desejo de estarmos certos exerce sobre nossas crenças. Quando desenvolvemos uma linha de pensamento sobre um determinado assunto, nós passamos a considerá-la verdadeira e, a partir daí, buscar e interpretar informações de maneiras que suportem essa visão de mundo; ou simplesmente abandonar a pesquisa por novas evidências tão logo essa visão seja confirmada. Afinal, aceitar informações que se encaixam em nossas crenças é fácil e requer pouco esforço cognitivo.

Reflita, então: ao pesquisar um tema no Google, por exemplo, o que você costuma acessar primeiro: páginas que, de alguma forma, corroboram com a opinião que você já possui, ou percepções opostas?

Uma vez que formamos uma opinião, nós tendemos a ignorar ou rejeitar qualquer fato que possa contradizê-la, ainda que haja fortes evidências sobre nosso equívoco. Esse viés sugere que nós não percebemos o mundo de maneira objetiva, e sim a partir de perspectivas que confirmam nossas narrativas mentais. Por esta razão, podemos nos tornar prisioneiros de premissas falsas, a partir do momento em que estivermos “comprometidos” com elas.

O viés de confirmação pode se manifestar em diversos contextos:

– financeiro: quando compramos ações de uma empresa incertos sobre o porquê dessa escolha e, logo em seguida, buscamos notícias que confirmem as possibilidades de ganho. Notícias negativas que porventura aparecerem terão um peso menor nessa análise, ainda que seu impacto sobre o desempenho dos papeis possa ser mais provável e mais crítico;

– psicológico: quando uma pessoa acredita que um determinado grupo a está ignorando, e então passa a interpretar cada movimento e palavra dessas pessoas como manifestações claras desse comportamento;

– científico: as boas práticas da experimentação científica sugerem que um pesquisador deve buscar formas de refutar suas hipóteses, e não de confirmá-las. Entretanto, interpretações enviesadas, isto é, que consideram apenas resultados que validam essas hipóteses, têm se tornado muito comum no meio acadêmico. Além do descrédito que pode recair sobre a área de pesquisa como um todo, essas ações fazem com que estudos equivocados sejam continuados, gerando grandes perdas de tempo, recursos e dinheiro;

– tecnológico: os algoritmos que abastecem os feeds e timeline das redes sociais traçam perfis de nossos gostos e comportamentos. Assim, ao clicar em um link, curtir uma página ou compartilhar uma reportagem, essas ações geram pegadas virtuais que são posteriormente usadas para recomendar conteúdos que provavelmente nos interessariam. O problema é que essa estratégia tende a homogeneizar o tipo de informação que recebemos – e que, consequentemente, consumimos –, polarizando cada vez mais nossa opinião. Alguns especialistas classificam isto como “filtros-bolha”, ou seja, a ação do algoritmo para fornecer produtos, serviços e informações personalizadas, mas que acaba restringindo nosso contato com conteúdos diversificados, que poderiam nos desafiar ou ampliar nossa avaliação do mundo. De qualquer forma, os filtros-bolha fortalecem o viés de confirmação, na medida em que entregam mais do mesmo, reiterando ideias e perspectivas previamente formadas;

– social: em 1954, a comunidade de Belligham (EUA), passou por uma “epidemia de buracos no para-brisa”: um grupo de moradores notou pequenos buracos no vidro de seus carros e acionou a polícia, acreditando ser isso fruto de vandalismo. Com a divulgação do caso, pouco tempo depois outros moradores reportaram o mesmo problema. E outros. E ainda outros, totalizando mais de duas mil queixas – o que, de certa forma, já deixava alguns bons sinais de que o problema dificilmente seria fruto da ação de vândalos. As denúncias continuaram surgindo, e as autoridades locais chegaram a escrever uma carta ao governador de Washington e ao então Presidente Eisenhower, solicitando apoio em caráter emergencial. Logo os cientistas verificaram que carros novos não possuíam os tais buracos – que, no fim das contas, eram resultado das condições normais de direção, quando pequenos objetos colidiam com o para-brisa e provocavam o pequeno dano. Ou seja, eles já estavam lá, as pessoas é que não tinham percebido isso – e quando o fizeram, atribuíram essa constatação a crenças diversas que surgiram a respeito (confirmando sua suspeita de que “algo estranho” havia acontecido). A propósito, dê uma olhada no para-brisa do seu carro: dependendo do ano de fabricação, ele certamente terá alguns pontinhos também

Desse modo, os exemplos acima – selecionados dentre inúmeros outros – demonstram que nós tendemos a acreditar naquilo em que queremos acreditar. Buscar evidências que confirmem nosso ponto de vista é uma resposta natural do cérebro e, portanto, bastante difícil de evitar. Mas…

… o quão longe podemos ir nesse viés?

Há uma história interessante sobre Hiroo Onoda, oficial de inteligência do Exército Imperial Japonês, durante a Segunda Guerra Mundial. Em 1944, ele foi incumbido de uma missão nas Filipinas, na ilha de Lu Bang, onde deveria, de todas as formas possíveis, combater, dificultar e sabotar quaisquer operações dos Aliados na região. Além disso, ele não estava autorizado, sob hipótese alguma, a se render ou cometer suicídio.

A ilha foi tomada pelas forças conjuntas dos EUA e Filipinas em 28 de fevereiro de 1945, e Onoda, com mais três soldados, fugiu para as montanhas. De lá, manteve-se fiel às ordens recebidas, atuando em atividades de guerrilha – mesmo quando, em outubro de 1945, forças Aliadas começaram a lançar panfletos na região, informando que a guerra havia terminado e convocando-os a se render. Onoda teve contato com esse material, mas acreditou que era uma forma de propaganda, a fim de enganá-los. E seguiu em sua missão.

Ao longo dos anos, um de seus companheiros fugiu e se entregou ao governo filipino, ao passo que os dois outros acabaram mortos em confrontos com forças policiais e habitantes do local. Apenas Onoda resistira. E assim foi por trinta anos, até que, em 1974, um japonês chamado Norio Suzuki, que havia abandonado a faculdade e, em suas palavras, viajava pelo mundo “em busca do tenente Onoda, de um panda e do abominável homem das neves, não necessariamente nessa ordem”, encontrou-o nas montanhas.

Os dois conversaram bastante, e Suzuki contou-lhe sobre o fim da guerra – fato ocorrido em 15 de agosto … de 1945! Ainda assim, Onoda não acreditou na história e só se rendeu quando, tempos depois, o relato de Suzuki ganhou repercussão no Japão e fez com que o governo mobilizasse o Major Taniguchi, seu antigo comandante e agora dono de uma livraria, a viajar até as Filipinas e liberá-lo oficialmente do serviço.

Por fim, em 9 de março de 1974, e em um evento organizado junto ao governo filipino, Suzuki e Taniguchi se encontraram com Onoda, formalizando o ato:

 

Onoda entrega sua espada a Ferdinand Marcos, então Presidente das Filipinas, 1974

 

A história de Onoda, evidentemente, é um caso extremo, mas demonstra quão fortes podem ser nossas convicções, mesmo quando há inúmeros sinais de que elas podem estar erradas. Neste caso, e apesar do contato com várias evidências fortes (os americanos chegaram a lançar na região, a partir de um bombardeiro, fotos recentes e cartas de seus parentes, pedindo que ele saísse das montanhas e se entregasse, pois a guerra havia acabado!), ele as considerou “propaganda inimiga”.

A propósito, uma curiosidade: Onoda mudou-se para o Brasil no fim da década de 70, tornando-se fazendeiro no Mato Grosso do Sul. Sua história, retratada na autobiografia No Surrender, sem tradução para o português, é impressionante.

Como, então, desafiar nossas crenças?

 

 

Para reduzir a influência do viés de confirmação, podemos fazer um exercício de experimentação científica. Não se preocupe! Apesar do nome, é simples (a menos que você já tenha definido em sua mente o contrário 😊):

1. Ao lidar com um determinado assunto – a quarentena, para usarmos um exemplo recente e recentemente polêmico – assuma que seu ponto de vista é meramente uma hipótese e que, por isso mesmo, precisa ser validado;

2. Marque essa hipótese no centro de uma folha ou documento digital (você pode usar um mapa mental, caso esteja habituado com este tipo de ferramenta) e coloque de um lado os argumentos que se antepõem à sua visão e, do outro, os que corroboram com ela. Comece nessa ordem, com as evidências contrárias primeiro, visto que argumentos “a favor” das suas crenças prévias tendem a se consolidar mais rápido e criar raízes, posteriormente difíceis de remover;

3. Faça uma pesquisa para cada um desses argumentos, a fim de verificar se eles se sustentam em fatos ou são meras opiniões. Destaque tudo o que houver respaldo (científico, estatístico, cultural etc.) e procure acessar fontes com posicionamentos antagônicos. Observe, no entanto, que o simples fato de buscar opiniões contrárias não anula por si só a influência do viés de confirmação – em alguns casos, o efeito pode ser justamente o oposto: quando sentem suas crenças confrontadas, as pessoas podem reagir como se “seu lado” estivesse sob ataque e, dessa forma, apegar-se ainda mais a ele;

4. Reflita sobre esses argumentos e só então assuma uma posição. O objetivo é enxergar o mundo sem buscar instâncias que simplesmente massageiem seu ego e, para isso, é preciso manter-se aberto (leia sobre mindset aqui).

Não é possível realizar essa análise (sistema 2 em sua essência) para todos os assuntos com que nos deparamos no dia a dia. Certamente, temos de nos limitar aos mais importantes ou com maior impacto em nossas vidas; não obstante, esse exercício fortalece nosso poder de análise e amplia nossa visão de mundo.

Por fim, não se esqueça de que todas as informações passam por um enquadramento (falaremos melhor disso em outro artigo) e, consequentemente, foram produzidas para evidenciar alguns elementos em detrimento de outros – o que inevitavelmente nos predispõe a uma determinada perspectiva. Logo, interprete os fatos com cautela, deixando a emoção de lado tanto quanto possível (afinal, a emoção faz parte do sistema 1, nosso piloto automático, que quer resolver as coisas rápido, economizando energia do corpo).

Já dizia o jornalista americano: “desde que ouvi falar sobre o viés de confirmação, vejo-a por toda parte”.

De volta ao exercício

Se você chegou até aqui, releia o exercício inicial e reflita sobre a resposta que você deu. Ela se mantém ou você prefere mudá-la?

Neste problema, a condição que devemos verificar é: se uma pessoa está consumindo bebida alcoólica, então ela deve ter pelo menos 18 anos. Ainda que tentadoras, há duas cartas que, se viradas, não nos ajudam em nada para testar a condição:

 

Assim, os únicos casos que precisam ser verificados são: (1) o da pessoa que está bebendo vinho, pois ela não pode ter menos de 18 anos, e (2) o da pessoa que tem 15 anos, que não pode estar consumindo bebida alcoólica. Precisávamos buscar informações que pudessem refutar a hipótese, em vez de confirmá-la.

 

Saiba mais em:

– ALLEN, Ben. (2018) Confirmation bias: 6 ways to recognise it and 5 ways to counter it. Disponível em: https://cutt.ly/LynEops

– ONODA, Hiroo. (1974) No surrender: my thirty-year war. Nova Iorque: Kodansha International.

– PARISER, Eli. (2011) TED Talk, “Beware online filter bubbles”. Disponível com legendas em português em: https://cutt.ly/0ynEfJP

– SHAROT, Tali. (2018) A mente influente: o que o cérebro nos revela sobre nosso poder de mudar os outros. Rocco Digital.

– TALEB, Nassim Nicholas. (2015) A lógica do Cisne Negro: o impacto do altamente improvável. Editora Best Seller.

– THALER, Richard & SUNSTEIN, Cass. (2019) Nudge: como tomar melhores decisões sobre saúde, dinheiro e felicidade. Editora Objetiva.

Leia Mais

Viés da automação: os algoritmos decidem melhor?

A Inteligência Artificial faz parte de nosso cotidiano e continua avançando de forma incrivelmente veloz. Por meio dela, algoritmos estudam nosso histórico de escolhas, comportamentos, ações, e criam modelos que lhes permitem fazer sugestões.

Enquanto escrevo este texto, por exemplo, o corretor ortográfico ajusta o caractere errado que acabei de digitar (anos atrás, ele apenas sublinhava a palavra incorreta com um tracejado vermelho, incômodo de se ver em meio à pagina em branco e preto); o aplicativo de GPS traça a melhor rota entre minha casa e o escritório, e a destaca entre os vários caminhos possíveis; o e-commerce exibe uma lista de livros que eu provavelmente gostaria de ler; o app do supermercado indica produtos de marcas que geralmente consumo que estão com desconto; minha agenda virtual alerta sobre o aniversário de uma amiga e, pouco depois, todo site que visito parece conter sugestões de presente.

No mundo digital, nada disso é por acaso. Cada ação que tomamos gera pegadas que são coletadas, armazenadas, organizadas e, eventualmente, traduzidas em estratégias digitais. Dessa forma, e com base em um crescendo de acertos e conveniência, acabamos adotando novas tecnologias e confiando cada vez mais em seus resultados.

‍Mas será que delegar escolhas ao algoritmo é sempre o melhor caminho?

Durante nosso processo evolutivo, o cérebro adotou padrões que lhe permitiam tomar decisões rápidas (uma questão de sobrevivência), além de economizar energia. Esses padrões constituíram aquilo que hoje chamamos de vieses cognitivos. Vieses são interpretações da realidade utilizadas na tomada de decisão, nem sempre em nosso melhor benefício. Eles quase sempre ocorrem de forma inconsciente, pois estão associados a reações mais límbicas de nossa natureza – Dan Ariely, um dos grandes nomes das Ciências Comportamentais, questiona em sua TED Talk de 2008: temos controle sobre nossas decisões?

Neste cenário de decisões influenciadas por elementos sutis do contexto e algoritmos encurtando o processo de escolha por meio de sugestões, acabamos nos acostumando a esses resultados e, a partir daí, acatando mais e mais indicações feitas pela inteligência artificial.

Esse comportamento caracteriza o viés da automação, isto é, nossa tendência a acreditar que resultados oriundos de sistemas tecnológicos são mais confiáveis do que aqueles provenientes de nossa própria deliberação ou experiência. Segundo James Bridle:

“(…) Dada a aglutinação de sistemas complexos nas aplicações contemporâneas em rede, não há uma só pessoa que enxergue o panorama total. A fé na máquina é um pré-requisito para sua utilização, e isso embasa outros vieses cognitivos que entendem reações automatizadas como inerentemente mais confiáveis do que as não automatizadas.”

Nossa crença na infalibilidade da máquina, porém, persiste mesmo quando há sinais claros e repetidos de que a máquina, e não nosso julgamento do contexto, está errada. E isso ocorre tanto em situações (aparentemente) mais simples, quanto em casos complexos:

– em um estudo de simuladores de voo da NASA, o software transmitia alertas de incêndio contraditórios à tripulação durante o preparo para a decolagem, a fim de testar sua resposta em situações de emergência. O resultado mostrou que 75% das equipes que confiavam cegamente na informação eletrônica desligavam o motor errado (versus 25% das que seguiam um checklist tradicional, em papel), embora ambas tivessem acesso a informações extras, inclusive visuais, que poderiam conduzi-las à decisão correta;


 

– em 2012, um grupo de turistas japoneses viajando pela costa australiana teve de abandonar seu Hyundai alugado em meio às águas do Pacífico. A rota do GPS indicava um caminho de terra de cerca de 14,5km ligando o continente a uma ilha. Contudo, e apesar da evidência visual de que não seria possível atravessar a região por conta do excesso de lama no trajeto (que sequer era uma pista oficial), decidiram confiar nas orientações do aparelho e seguir em frente. Encalhados, não tiveram outra escolha senão deixar o veículo e retornar a pé, na medida em que a maré avançava;

– durante a Guerra no Iraque (2003-11), o “fogo amigo” disparado pela Força Aérea americana resultou na morte de diversos combatentes de suas próprias tropas.

Por que confiamos tanto nas máquinas, mesmo quando a evidência nos sugere o contrário?

Segundo estudos de Raja Parasuraman & Dietrich Manzey (2010), existem algumas razões que acentuam nossa sujeição a este viés. Dentre elas:

– propriedades sistêmicas: o aumento do nível de automação (LOA, na sigla em inglês) e da confiabilidade dos resultados providos pelos algoritmos, somados a sugestões que encurtam o processo decisório, tornam a conformidade o status quo a ser seguido. E como já discutimos em outras oportunidades: nós temos um carinho especial por permanecer no status quo;

– accountability: experimentos realizados por Mosier et al. (1998) apontam que quando a responsabilidade (ou percepção de responsabilidade) sobre as consequências de uma determinada tarefa são pequenas, a busca por informações adicionais e validação dos resultados apresentados por um sistema automatizado diminuem.

Ademais, os resultados apontam que o viés de automação afeta tanto pessoas com pouca experiência quanto especialistas, e pode ocorrer em situações em que um indivíduo decide sozinho, bem como quando há duplas ou times envolvidos – neste caso, ele pode até ser potencializado por outros atalhos cognitivos, como o viés da autoridade e o da confirmação.

Faça como os japoneses

 

Por mais meticulosos e consistentes que possam ser, treinamentos por si só não garantem imunidade ao viés da automação. E visto que não é possível “desenviesar” o ser humano, nossa única alternativa é trabalhar sobre o processo de tomada de decisão, criando pontos que facilitem e/ou reforcem as etapas importantes.

Na aviação moderna, por exemplo, toda decolagem é precedida de um extenso checklist comunicado e conferido em voz alta pela equipe de cabine, garantindo inclusive que elementos visuais foram verificados. Duas vezes.


 

No Japão, país que possui um dos sistemas de transporte mais pontuais do mundo – e que causou certa estranheza ao mundo em maio de 2018, quando uma empresa pediu desculpas oficialmente por um de seus trens ter partido 25 segundos (!) antes do previsto – as equipes de cabine e plataforma utilizam amplamente um sistema chamado Shisa Kanko – aponte e fale. Ao avistar uma placa de segurança, executar um comando ou fazer uma conferência, o funcionário aponta para o objeto alvo da ação e diz em voz alta o que este significa ou o que está sendo feito. Essa prática tem por objetivo tirar as pessoas do “piloto automático”, condicionando o cérebro a realmente dedicar atenção à ação sendo executada, e garantir assim que os procedimentos de segurança necessários foram cumpridos. Segundo experimentos realizados pela Railway Technical Research Institute, uma empresa de pesquisas do sistema ferroviário japonês, a técnica foi responsável pela redução de até 85% dos erros cometidos em tarefas simples.

As lições do cockpit e do metrô japonês trazem algumas dicas sobre o que podemos fazer no dia a dia, a fim de melhorar nosso processo decisório – especialmente em situações de risco ou que trazem consigo grandes consequências.

 

Saiba mais em:

– ARIELY, Dan. TED Talk (2008) Temos controle sobre nossas decisões? Disponível com legendas em: https://www.ted.com/talks/dan_ariely_are_we_in_control

– BRIDLE, James. A nova idade das trevas: a tecnologia e o fim do futuro. São Paulo: Editora Todavia, 2019.

– CUMMINGS, Mary L. (2004) Automation bias in intelligent time critical decision support systems. Paper apresentado ao American Institute for Aeronautics and Astronautics. Disponível em: http://citeseerx.ist.psu.edu/viewdoc/summary.

– FUJITA, Akiko. (2012) GPS tracking disaster: Japanese tourists drive straight to the Pacific. Reportagem publicada no portal ABC News, em 16 de março, e disponível em: https://abcnews.go.com/blogs/headlines/2012/03.

– MOSIER, Kathleen L., PALMER, Everett A., DEGANI, Asaf. Electronic checklists: implications for decision making. Proceedings of the Human Factors Society Annual Meeting, 36(1), 7–11. https://doi.org/10.1177/154193129203600104.

– MOSIER, Kathleen L., SKITKA, Linda J., HEERS, Susan & BURDICK, Mark. (1998) Automation bias: Decision-making and performance in high-tech cockpits. International Journal of Aviation Psychology, 8, 47–63, 1998. Disponível em: https://doi.org/10.1207.

– PARASURAMAN, Raja, MANZEY, Dietrich. (2010) Complacency and bias in human use of automation: an attentional integration. The Journal of the Human Factors and Ergonomics Society 52(3):381-410. Disponível em: https://www.researchgate.net/publication.

– YANG, Lucy. (2018) A Japanese railway company apologized for making a ‘truly inexcusable’ mistake after a train left 25 seconds earlier. Reportagem publicada no portal Fox News, em 16 de maio, e disponível em: https://www.insider.com/train-departs-early.

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Colaboração

O mundo se globalizou e nós nos conectamos. Esse movimento de aproximação digital entre povos e culturas tão diversos evidenciou gaps de nosso repertório e a interdependência que existe entre os ecossistemas, tanto humanos quanto do meio ambiente. Assim, e cada vez mais, o trabalho colaborativo transforma-se em habilidade fundamental para o autodesenvolvimento e, especialmente, para a criação de soluções capazes de atender às demandas do contexto em que vivemos.

Colaboração é uma jornada de aprendizagem: traz diferentes perspectivas, potencializadas pelo histórico – educacional, social, cultural, familiar etc. – e experiência de cada um, além de servir como forte elemento de motivação em prol de um objetivo em comum. E embora tenha se tornado uma espécie de chavão corporativo, a colaboração permeia relações humanas de formas profundas; compreende um dos principais alicerces do novo modelo de trabalho em que áreas, departamentos e pessoas dependem cada vez mais umas das outras – seja no processo criativo, seja na operacionalização dessas ideias.

Tempos atrás, liderei um projeto de TI que buscava criar um modelo sistêmico para as operações financeiras do cliente. Idealizado e iniciado no Brasil, ele seria posteriormente replicado para as outras unidades de negócio mundo afora. Por conta disso, e considerando-se também a complexidade e o prazo da demanda, tivemos de coordenar esforços com um time internacional, a fim de estabelecer uma dinâmica de trabalho praticamente ininterrupta, que se beneficiava das diferenças de fuso horário entre os países para tal.

 

 

Assim, construímos um modelo colaborativo baseado nos quadros de organização e priorização de atividades (o famoso Kanban, mas aqui em sua versão digital no Trello[1]), além da estratégia de gestão à vista. Com ele, times de desenvolvimento e negócio alocados no Brasil e na Índia se completavam para solucionar problemas e promover um processo assistido de melhoria contínua. As escalas de trabalho eram ajustadas ao fuso horário de cada país e isso, de certa maneira, criava um ciclo: quando o time brasileiro estava encerrando seu expediente já era praticamente início para o time indiano, e vice-versa. Essa estrutura foi otimizada com dois pontos de verificação diários, um em cada troca de turno, realizados por meio de uma espécie de reunião rápida – cerimônia de framework ágil em que cada membro da equipe responde a três perguntas: (1) o que fiz ontem, (2) o que vou fazer hoje, e se (3) há algum impedimento à realização do meu trabalho, em no máximo 15 minutos. Dessa forma, os times podiam se atualizar sobre o andamento das atividades, eventuais problemas que ocorreram, linhas de solução adotadas e, principalmente, a priorização de tarefas a ser seguida, de acordo com a necessidade operacional do cliente.

A colaboração, neste caso potencializada pelo Trello, foi fator crítico para o sucesso do projeto, porque permitia a identificação precisa da sequência de entregas, os responsáveis por cada uma delas e, sobretudo, a troca de informações, experiências e ideias de grupos de profissionais que precisavam atuar de maneira coesa.

Pensando no momento atual, e a consequente necessidade de realizar uma mudança acelerada para ambientes virtuais, promover a colaboração de times fisicamente distantes e, mais do que isso, manter seu entrosamento, motivação e alinhamento, bem como a qualidade das entregas, é crucial para fazer frente aos desafios estratégicos de cada empresa. Sob a ótica dos colaboradores, também é importante aprender – e se permitir – ser ajudado em momentos de dúvida, estagnação ou até para discutir ideias de atuação. Afinal, somos seres sociais, que se desenvolveram e se estenderam ao longo dos séculos através do apoio mútuo – dar e pedir ajuda está em nossa essência, e devemos transformar essa nossa característica no fundamento essencial para construção dos novos modelos de trabalho que virão após os tempos de crise.

[1] Aproveito para convidá-los(as) a acessar nosso tutorial sobre essa ferramenta aqui.

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Comportamento de consumo em tempos de pandemia

Em quarentena, e saindo o mínimo necessário – nos últimos 10 dias foram uma ida ao supermercado (parte da rotina semanal de repor as frutas de casa) e quatro ou cinco descidas à portaria para retirar delivery de restaurantes e padarias –, me vejo diariamente bombardeado por notícias sobre a evolução do coronavírus mundo afora. Algumas úteis e interessantes; muitas sensacionalistas; e um bocado de fake news – inclusive de fontes que deveriam tratar o assunto com seriedade.

Nesta fase de incertezas e preocupações, pequenas porções de notícia e informações mal enquadradas acabam sendo interpretadas de forma equivocada pelo nosso cérebro – culpem nosso piloto automático chamado “sistema 1”, que faz associações, inferências e tira conclusões sobre aquilo que está mais saliente, ou seja, “disponível” na memória.

No início da semana passada, por exemplo, me deparei com uma reportagem no LinkedIn, cuja manchete era: “Não há risco de desabastecimento no país, diz associação da indústria de alimento”. Até aí, tudo bem. Porém, a imagem que a acompanhava era a de um supermercado com todas as suas prateleiras completamente… vazias!

Essa divergência entre a manchete e a imagem tem um efeito potencialmente nocivo: embora o texto afirme o contrário, a imagem dispara impressões de escassez nas pessoas, criando um senso de urgência de ir ao mercado e se “prevenir”, comprando – e eventualmente estocando – diversos itens.

Nestes tempos de fusão dos ambientes real e virtual em que vivemos, e o excesso de estímulos vindos deles, nossa atenção tem sido pulverizada, prendendo-se cada vez menos às informações (pressa de absorver o máximo possível da infinidade que é criada e compartilhada a cada instante), e capturando quantidades cada vez menores de seu conteúdo. Pior: a reflexão e análise crítica que fazemos desse material acaba também prejudicada, tornando-se muitas vezes superficial. Em uma de suas palestras, Leandro Karnal disse que, no passado, as pessoas precisavam praticar durante 18 anos para que pudessem tocar minimamente bem o piano; hoje, basta assistir a um vídeo de dois minutos no YouTube para que a pessoa já se considere especialista no assunto e saia “ensinando” e avaliando outros pianistas.

 

Dessa forma, e ao criarmos a impressão de escassez, nosso cérebro acaba impactado e impelido a não “deixar passar a oportunidade” e comprar certos itens “enquanto ainda dá tempo”. E falando de um período de incertezas, no qual os desdobramentos da crise são completamente incertos e imprevisíveis, dado que se trata de um evento sem paralelos na história (as epidemias anteriores tiveram ondas de contágio e formas de combate bastante distintas), qualquer ação que represente alguma “certeza” ou medida que está sob nosso “controle” é vista com uma forma alívio, capaz de amenizar nossa ansiedade.

Tente se lembrar de algum evento no passado em que você realmente desejava adquirir alguma coisa e, de repente, ela se esgotou. A partir desse momento, e além do arrependimento decorrente dessa constatação, sua vontade – ou melhor, sua necessidade – daquele item aumentou exponencialmente, certo? Isso tem a ver com uma característica que nos é inerente: a aversão à perda. Quando nos damos conta de que algo que desejamos, ainda que sem muita ênfase, se tornou mais escasso, nós multiplicamos o valor que atribuímos a esse item em algo em torno de 1,5 a 2,5 vezes a mais. Esse comportamento é observado tanto em relação a bens de consumo quanto a questões financeiras – vejo o mercado de ações, por exemplo, em que investidores compram ações a preços próximos de sua máxima histórica, não porque efetivamente analisaram os fundamentos da empresa, mas frequentemente porque não querem perder o movimento e desejam lucrar também. O desfecho, no caso das ações, pode ser perdas enormes; no caso atual, e com a estocagem desnecessária de itens e alimentos não-perecíveis, pode ser o próprio desabastecimento das prateleiras – o comportamento decorrente da previsão fazendo com que a própria previsão se realize!

Outro agravante são as normas sociais e a maneira como elas influenciam nossas decisões e comportamentos. Todos nós fazemos parte de grupos: a família; o de alunos de um determinado curso; colaboradores de uma empresa; profissionais de um segmento de mercado; um grupo religioso; moradores de um bairro ou condomínio, e assim por diante. Em cada um desses grupos existem regras e expectativas implícitas – e sobre as quais não há qualquer tipo de punição, caso descumpridas – que seguimos voluntariamente, a fim de nos identificar com esse grupo e continuar fazendo parte dele. Esses comportamentos reforçam nosso “pertencimento” (somos seres sociais, afinal de contas). Sendo assim, e quando nos deparamos com vizinhos e conhecidos saindo às compras desenfreadamente, somos motivados a fazê-lo também.

 

 

Mas por que o papel higiênico?

Nesta visita ao supermercado, e já no caixa, observei logo atrás de mim um senhor com cinco fardos de papel higiênico em seu carrinho – entenda-se: 120 rolos e quase meio quilômetro de papel higiênico premium! Curioso, e depois de trocar alguns comentários sobre a nova rotina de trabalho… e de vida!… perguntei por que, dentre tantos itens disponíveis, logo o papel higiênico. Seu Osvaldo devolveu uma pergunta: “E se cortam a água? Já cortaram a luz durante um tempo, no passado”.

O ponto de vista é interessante, na medida em que explica preocupações adjacentes das pessoas sobre a manutenção de serviços básicos (notícias afirmam que a internet brasileira, por exemplo, pode ser sobrecarregada em breve, devido à nova quantidade de acessos domésticos e a banda utilizada) e a falta de confiança nos governantes. A discrepância de discurso entre as esferas estadual e federal adiciona incerteza e desconfiança a este cenário.

Neste contexto, o papel higiênico acaba associado a uma espécie de serviço essencial – e melhor: estocável, cuja disponibilidade pode ser garantida pelo indivíduo sem o risco de deterioração e que, cedo ou tarde, será usado. Essas propriedades contribuem para aliviar parte de nossa ansiedade e reduzir as incertezas de um contexto inédito e potencialmente caótico – lavar as mãos, por exemplo, embora seja uma ação praticamente ao alcance de todos e com grande eficácia na prevenção do contágio, é algo que parece abstrato frente à dimensão do problema: um vírus invisível a olho nu, que viajou milhares de quilômetros até chegar ao Brasil e que pode ser contraído por qualquer indivíduo sem que se tenha uma ideia precisa de suas consequências.

 

Mas e agora?

As recomendações da Organização Mundial da Saúde, reforçadas por grande parte dos Estados brasileiros, orientam sobre a necessidade de redução do contato social, a fim de controlar a disseminação do vírus. Ainda que as previsões de algumas autoridades sejam de que uma parcela grande da população brasileira contraia o covid-19, o ponto principal do distanciamento social é evitar que essa grande parcela se contamine ao mesmo tempo, extrapolando as capacidades de atendimento médico do país.

Dessa forma, evitemos a movimentação não essencial – sim, podemos ir ao supermercado, à farmácia e outros locais essenciais, mas de forma breve, tentando otimizar essas saídas – a fim de que a curva de disseminação se achate. Essa é a recomendação oficial dos especialistas em saúde e infectologia, no Brasil e no mundo. E, quando no mercado, siga seu padrão de consumo normal, sem estocagem desnecessária (e, neste momento, injustificável) de produtos, inclusive os não-perecíveis. Assim, contribuímos individualmente para que não haja escassez e para que pessoas mais vulneráveis tenham a oportunidade de continuar abastecidas.

#FiqueEmCasa

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Longevidade

Cada situação da vida pode ser vista e analisada sob diferentes perspectivas. Algumas surgirão no momento exato em que o evento está acontecendo – interpretações, opiniões, emoções, inferências, julgamentos; outras, somente com o tempo, no formato de visões retrospectivas. A importância destas reside no fato de que elas, em geral, são retomadas e revividas por meio de camadas de reflexão – eventualmente, até com um toque de nostalgia. E essa reflexão, por sua vez, é um exercício necessário que nos ajuda a entender melhor nossa trajetória, as decisões tomadas, e então encontrar as pepitas de propósito e beleza que compõem a vida.

Lembro do dia em que voltei da maternidade, logo após o nascimento de minha filha. Saímos de casa dois, voltamos três. Já no finalzinho da tarde, chegamos em casa e estacionei o carrinho de bebê na sala de estar. Olhei para o rostinho dela e entendi – só neste momento – que a paternidade havia se materializado. Claro: o momento do nascimento foi uma experiência e sensação únicas, mas até então era algo menos tangível do que o era para a mãe, que sentiu seus primeiros “chutes”, percebeu a barriga crescendo com o passar dos meses e se unia cada vez mais àquela criança que se formava. Para o pai, a coisa toda se transforma a partir do momento em que o staff da maternidade fica para trás e ele se encontra em casa, sozinho com o bebê. O que fazer agora?

Essa experiência me trouxe, com o passar dos anos, alguns aprendizados importantes sobre o tempo e sua passagem. Antes de ser pai – e de forma egoísta, confesso –, enxergava minha própria vida como o limite da existência: “Après moi, le déluge”, diria, prepotente, o pomposo Luís XIV. Não que eu não me preocupasse com questões humanas e ambientais – meu ponto é que o Universo era então finito. Com a chegada da Sophie, essa finitude deu lugar a uma imensidão.

Assim, comecei a pensar em longevidade. Não a minha. Mas como meus atos e palavras se estenderiam e que imagem de mim ela carregaria consigo. Comecei a pensar em algo que até então passava despercebido: a qualidade de presença – o quanto a atenção, a dedicação e a participação em cada momento, ali com ela, desde os mais simples, assumia uma importância maior, mais longeva. De como as escolhas que eu fizesse, dali em diante, causariam impactos – positivos ou negativos – nessa relação e no seu desdobramento ao longo do seu processo de crescimento.

 

 

Foi uma fase difícil, que demandou rupturas de paradigmas que até então norteavam minha vida, especialmente no âmbito profissional. Foi também um momento de autorreflexão sobre as escolhas que teria de fazer: quais sensações, ensinamentos, lembranças (com um toque de nostalgia também, talvez) gostaria de deixar a ela como legado.

Transpondo essa experiência para o contexto profissional, devemos nos questionar como se tem dado nossa presença nas conversas que travamos e relacionamentos que construímos. O quanto de nós mesmos estamos realmente depositando no dia a dia, a fim de absorver os elementos do contexto e, principalmente, nos conectar genuinamente com as pessoas.

Nos dias de glória da Roma antiga, generais eram ovacionados pela população sempre que retornavam a sua terra vitoriosos de um combate. Ao seu lado, contudo, um plebeu acompanhava o cortejo, repetindo: memento mori – “lembre-se de que você é mortal”. Essa reflexão era uma forma de lembrá-los da fugacidade daquela celebração e enfatizar que o que realmente importava era a perenidade de suas ações e como elas influenciariam aquelas pessoas. Assim, convido-os a pensar: o que realmente nos importa e qual legado queremos deixar às pessoas com quem nos relacionamos?

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Desempenho e cansaço: efeitos da positividade nas relações de trabalho contemporâneas

Publicado em 2010, o livro “Sociedade do cansaço”, escrito pelo filósofo Byung-Chul Han, trouxe à tona um debate importante sobre as relações de trabalho – mas, desta vez, sob a perspectiva das pessoas em relação a si mesmas.

O assunto tem se mostrado cada vez mais presente nas organizações – recentemente escrevi um artigo sobre o livro “Morrendo por um salário”, de Jeffrey Pfeffer, traduzido para o português em outubro de 2019 (https://www.arquiteturarh.com.br/post/ambientes-de-trabalho-toxicos-e-por-que-e-tao-dificil-deixa-los) – e, no último dia 20 de fevereiro, foi capa da edição 1203 da revista Exame, com o título: “Burnout: o esgotamento pelo trabalho é o tema de gestão de pessoas mais quente de 2020. Os excessos trazem perdas econômica e sociais – e não podem mais ser ignoradas” (https://exame.abril.com.br/edicoes/1203/).

 

Han nasceu em 1959, na Coreia do Sul, mas poucos detalhes são conhecidos sobre sua vida pessoal, já que durante muito tempo evitou entrevistas. Aluno de Graduação em Metalurgia, em Seul, deixou o curso e seu país natal em meados dos anos 80 rumo à Alemanha – mesmo sem saber alemão. Lá, estudou Filosofia e Literatura, obtendo o doutorado em 1994. A partir daí, dedicou-se à carreira acadêmica e já publicou 16 livros.

“Sociedade do cansaço” é um ensaio filosófico, o que significa que se trata de um modelo de texto dissertativo, não ficcional, que busca fundamentar uma visão pessoal que Byung-Chul Han tem sobre o tema. É uma espécie de divagação compreendendo premissas, inferências e conclusões que expõem sua opinião sobre uma verdade que, a seu ver, precisa ser apresentada a todos. E a verdade defendida por Han é que a maneira como estamos conduzindo nossas vidas, nessa corrida frenética de produtividade, é patológica.

No texto, ele usa muitos termos e expressões relacionadas à imunologia, significando que é preciso que nosso organismo interprete algumas decisões e situações como estranhas, externas, negativas, a fim de que nossos mecanismos de proteção sejam ativados e esses elementos, combatidos. Contudo, na conjuntura atual ocorre precisamente o oposto: a causa de doenças neuronais, como a depressão e o burnout, está no fato de entendermos essa relação de produtividade como positiva.

 

Sociedade da disciplina x sociedade do desempenho

A sociedade do desempenho descrita por Han é um contraponto à sociedade da disciplina postulada pelo filósofo francês Michel Foucault, no século XX. Nesta, o indivíduo está submetido à vigilância constante, sujeito a normas e punições, e sua ação provém, em geral, da coerção exercida por estruturas hierarquicamente superiores. A palavra-chave que a caracteriza é proibição. Na do desempenho, por outro lado, as pessoas assumem voluntariamente o discurso da produtividade, e cada uma se torna “empresária de si mesmo”, única responsável por seu destino – a negatividade oriunda da disciplina dá lugar à positividade do “eu posso”.

“A carreira da depressão começa no instante em que o modelo disciplinar de controle comportamental, que, autoritária e proibitivamente, estabeleceu seu papel às classes sociais e aos dois gêneros, foi abolido em favor de uma norma que incita cada um à iniciativa pessoal: em que cada um se comprometa a tornar-se ele mesmo. (…) O depressivo não está cheio, no limite, mas está esgotado pelo esforço de ter de ser ele mesmo.” [p. 27]

Diferentemente das proibições suscitadas pelo contexto da disciplina, a sociedade do desempenho é alicerçada pela crença do “poder ilimitado”: expressões como Yes, we can –divulgada nas primárias do partido democrata norte-americano em 2004 e tornada lema da campanha presidencial de Barack Obama – e Just do it, slogan da marca Nike, simbolizam esse movimento e seu caráter de positividade. Assim, a “iniciativa”, o “projeto”, a “motivação” reformulam o paradigma da produtividade.

O interessante é que esse processo de transição encontrou terreno fértil em um pensamento já enraizado no inconsciente social: o desejo de maximizar a produção. Enquanto proibições e punições podem levar a produtividade até um certo ponto, a partir do qual geram o efeito de bloqueio, a ideia de “positividade do poder” mostra-se mais eficiente, gerando indivíduos mais produtivos que aqueles da obediência.

O poder, no entanto, não anula o dever. O indivíduo da sociedade do desempenho permanece disciplinado, mas em relação a seu próprio “sucesso”. E é neste ponto que surgem os primeiros traços da exaustão: o que adoece o indivíduo do desempenho não é o excesso de responsabilidade ou iniciativa, mas o imperativo do desempenho.

“A queda da instância dominadora não leva à liberdade. Ao contrário, faz com que liberdade e coação coincidam. (…)” [p. 29]

 

 

Autoexploração e a revolução do tempo

Vivemos uma espécie de angústia – a de não estarmos fazendo tudo o que poderíamos. Durante o Carnaval, vivenciei essa sensação ao viajar com minha esposa e filha para uma fazenda no interior de São Paulo. Foram quase duas horas de estrada e mais quarenta minutos por um trajeto de terra e cascalho, até chegar ao local. Lá, uma surpresa com a qual não contava: meu celular sem sinal algum e um WiFi que só funcionava, de maneira fraca e irregular, próximo à recepção, em uma varanda onde a família proprietária servia o café da tarde. Logo pensei em me entrincheirar por ali; porém, diante da paisagem de mata, árvores e um trio de lagos, reforçada pelo pedido de “Vamos brincar, papai”, decidi praticar a desconexão e aproveitar o momento. Carpe diem, diriam.

Essa atitude, contudo, não foi tão simples: “não fazer nada” – expressão que frequentemente usamos para classificar essas paradas (cada vez mais raras) de contemplação da natureza e de (re)encontro consigo mesmo – inicialmente gerou uma sensação de “tempo perdido”. Lembrei-me de documentos pendentes; um curso EaD com ideias para oficinas de Design Thinking, há tempos em stand by; e-mails e mensagens aguardando resposta – e o ônus de produtividade perdida que aquele período acarretaria veio à tona.

“Hoje a pessoa explora a si mesma achando que está se realizando.”

Precisei de dois dias para me acostumar à rotina de “ócio” (na visão do desempenho, evidentemente) reforçada pelo time da fazenda – não, eles não tinham nenhum plano de atividades, nem agendas, nem nada que pudesse representar compromissos. Cada hóspede tinha seu chalé e era livre para caminhar por todos os espaços verdes ali disponíveis, criando sua própria jornada, interagindo com outras famílias e observando os animais.

E o resultado foi um feriado de restauração da tranquilidade; de reflexão sobre coisas que havia lido e visto, criando ideias para meus próximos passos este ano; e, especialmente, uma reconexão com esse período de brincadeiras, aprendizado e descontração ao lado da Sophie – vê-la subir e descer o escorregador diversas vezes, seus cachinhos pra lá e pra cá, no balanço, e sua curiosidade sobre os bichos que passavam (marimbondo ou borboleta?).

“A aceleração atual diminui a capacidade de permanecer: precisamos de um tempo próprio que o sistema produtivo não nos deixa ter; necessitamos de um tempo livre, que significa ficar parado, sem nada produtivo a fazer, mas que não deve ser confundido com um tempo de recuperação para continuar trabalhando; o tempo trabalhado é tempo perdido, não é um tempo para nós”.

Segundo Han, precisamos revolucionar o uso do tempo. Transitamos do “dever fazer” para o “poder fazer” e, na sociedade do desempenho, se você não é um vencedor, a culpa é sua. E a consequência dessa lógica traiçoeira, geralmente negligenciada até que nos atinja, é a alienação de si mesmo – que no físico se traduz em anorexias, compulsões alimentares, consumo exagerado de produtos ou entretenimento, depressão, burnout.

Hoje cada indivíduo é um trabalhador que explora a si próprio; somos vítimas e algozes ao mesmo tempo. E nessa perspectiva, acabamos presos em uma espiral de produtividade que nos consome paulatinamente e contra a qual não conseguimos lutar: as pessoas travam batalhas internas, questionando a si, não à sociedade. Protestar contra o quê? Contra si mesmo?

Aquilo que Han classifica como “solidão do autoemprego” constitui o modelo presente de trabalho. Antes, as empresas competiam entre si, mas internamente era possível encontrar bolsões de solidariedade. Hoje, no entanto, todos competem contra todos – certamente há um aumento de produtividade, mas sob o ônus do senso de comunidade que nos faz humanos, resultando assim em indivíduos esgotados, isolados e deprimidos.

Multiplicidade de estímulos, multiplicidade de tarefas

Han afirma que “ser observado hoje é um aspecto central do ser no mundo”. O problema reside no fato de que “o narcisista é cego na hora de ver o outro” e, sem esse outro, “não se pode produzir o sentimento de autoestima”. Pelas redes sociais – LinkedIn principalmente –, observamos essas ondas de positividade: fotos dominicais de pessoas e grupos comemorando viradas de noite em frente ao computador, agendas lotadas e decisões difíceis de deixar a família em prol novos projetos. Não que isso seja exclusivamente ruim. Torna-se ruim a partir do momento em que essa hiperatividade se converte no padrão, acompanhada da necessidade constante de demonstrá-la, validá-la, reforçá-la, inspirando a ocupação plena do tempo.

O filósofo ironiza o apogeu do narcisismo ao mencionar as obras de arte e seu papel na contemporaneidade: arrematadas por cifras cada vez mais absurdas, são em seguida confinadas a cofres de bancos, longe da vista do público. Qual o propósito e o valor dessa arte?

Essa sobrecarga de positividade se manifesta também na quantidade de estímulos, informações e impulsos, que surgem a todo instante, disputando e fragmentando nossa já inquieta atenção. Fala-se muito sobre multitasking – e tenho visto recrutadores anunciando vagas em que esta pseudo-habilidade é requerida. Mas existe um problema central sobre desempenhar várias tarefas ao mesmo tempo: nosso cérebro simplesmente não está preparado para isso. Ao menos não se essas tarefas exigirem análise. Sobre isso, Han destaca:

“A multitarefa não é uma capacidade para a qual só seria capaz o homem na sociedade trabalhista e de informação pós-moderna. Trata-se antes de um retrocesso. A multitarefa está amplamente disseminada entre os animais em estado selvagem. Trata-se de uma técnica de atenção indispensável para sobreviver na vida selvagem.” [p. 33]

A razão do comparativo é o fato de que, na vida selvagem, os animais não podem adentrar um estado contemplativo, pois precisam estar alerta para o seu meio o tempo todo. Mesmo quando estão comendo ou se reproduzindo, precisam se atentar para perigos, predadores, mudanças no ambiente que demandem fuga ou combate.

Já no ser humano, o estado contemplativo é imprescindível para a produção cultural e intelectual. Não é possível produzir novos conhecimentos “apagando incêndios” de trabalho – metáfora tristemente popularizada em projetos – o tempo todo. Dessa forma, a reflexão – inclusive a preocupação pelo bom viver – cedem espaço à preocupação contínua pela sobrevivência. Estamos em uma sociedade em que a atenção plena, profunda, foi pulverizada pelo que se chamou de hiperatenção – uma rápida mudança de foco entre diversas atividades que não estimula o entendimento e muito menos conduz a soluções.

 

 

Do relógio de ponto ao WhatsApp

 

O século passado representou uma era imunológica na qual havia distinção clara entre dentro e fora, amigo e inimigo. E é por conta disso que Han faz o paralelo da sociedade do desempenho com a imunologia: o objeto de defesa imunológica é a estranheza – mesmo que o estranho não tenha nenhuma intenção hostil, mesmo que ele não represente nenhum perigo, é eliminado em virtude de sua alteridade. Hoje, a sociedade está se afastando cada vez mais do esquema de organização e de defesa imunológicas:

“Sem a presença do outro, a comunicação degenera em um intercâmbio de informação: as relações são substituídas pelas conexões, e assim só se conecta com o igual; a comunicação digital é somente visual, perdemos todos os sentidos; vivemos uma fase em que a comunicação está debilitada como nunca: a comunicação global e dos likes só tolera os mais iguais; o igual não dói!”.

Na época do relógio de ponto, podia-se estabelecer o limite do trabalho. Agora, com laptops, WiFi, smartphones e WhatsApp o trabalho pode ser realizado em qualquer momento e local: a sala de estar de casa confunde-se com o escritório e vice-versa, se considerarmos os ambientes super cool que estão sendo difundidos, em uma tentativa de ampliar a atratividade de algumas empresas, mas que oculta uma relação em que as fronteiras do trabalho e do não-trabalho estão misturadas.

Han finaliza descrevendo uma época que ele chama de “pós-marxista”: se Karl Marx dizia que o trabalho é uma desrealização contínua, a sociedade do desempenho valida a exploração na forma de liberdade e autorrealização. Curiosamente, o primeiro sintoma do burnout é justamente a euforia – o ímpeto desenfreado do sujeito empreendedor capaz de atingir qualquer patamar. No entanto:

“Aqui não entra o outro como explorador, que me obriga a trabalhar e me explora. Ao contrário, eu próprio exploro a mim mesmo de boa vontade na fé de que possa me realizar. E eu me realizo na direção da morte.” [p. 116]

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