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Ah! o dinheiro… Um papo sobre finanças comportamentais

“Pensar em termos monetários, além de não colaborar para a melhoria de nossas decisões financeiras, ainda nos altera de forma profunda e, por vezes, problemática”. É com esta mensagem que Dan Ariely e Jeff Kreisler iniciam a discussão sobre finanças comportamentais em seu livro “Dollars and sense”, publicado em 2017 [1].

Embora o dinheiro em si seja algo aparentemente simples, assim que usamos o nosso passamos por uma transformação em que a simplicidade de cálculos numéricos dá lugar a uma complexidade de emoções que determina nosso comportamento de maneiras peculiares, das quais não nos julgaríamos capazes, e que frequentemente nos empurra para bem longe de nossos interesses declarados.

O curioso é que, geralmente, nós nos sentimos confiantes a respeito de nossa capacidade de precificar as coisas e, mais ainda, nossa habilidade de identificar bons negócios e aproveitá-los.

Imagine que você está chegando do supermercado com várias sacolas na mão – há itens de geladeira aí no meio – e, ao colocar a chave na fechadura de casa, ouve um ruído estranho e percebe que parte dela ficou presa lá dentro, quebrada. Você então chama um chaveiro para resolver o problema. No primeiro cenário, o profissional conserta a fechadura em meros 5 minutos e cobra R$ 100,00 pelo serviço; no segundo, o profissional leva 1 hora para finalizar o trabalho, cobrando também R$ 100,00.

‍Em qual das duas situações você consideraria mais justo pagar esse valor?

 

Se você é como a maioria das pessoas pesquisadas, sua resposta indica que o segundo profissional “merece” mais os R$ 100,00 do que o primeiro. Afinal, ele trabalhou mais.

Mas será que essa lógica está correta? Neste caso, o segundo profissional pode ter demorado mais simplesmente porque tinha menos habilidade ou não dispunha das ferramentas adequadas para consertar a fechadura – em outras palavras, você não estaria remunerando propriamente o “esforço adicional”, mas sim a incompetência ou a falta de planejamento.

A precificação de um serviço, portanto, não deveria ter nada a ver com o esforço (tal como horas de trabalho ou custo médio dessas horas) dedicado à sua conclusão. Pelo contrário: ela seria mais assertiva se remunerasse amaneira como esse serviço serviu ao nosso objetivo – no exemplo, entrar em casa o mais rápido possível para guardar as compras e descansar.

Pense em quantas vezes você gastou centenas de reais em um equipamento eletrônico, um item opcional para o carro ou alguma extravagância durante viagem, sem pensar muito no impacto que essa compra traria ao seu fluxo de caixa; agora pense em quantas vezes você dirigiu por mais três ou quatro quarteirões só para economizar R$0,10 no preço do combustível – uma diferença que, projetada no tanque cheio, fica entre R$5,00 e R$6,00.

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Será que temos usado nosso tempo corretamente quanto o assunto é dinheiro?


Segundo Ariely (2008): “Nós não possuímos uma régua interna capaz de dizer quanto cada coisa vale. Em vez disso, focamos na vantagem relativa de uma coisa sobre a outra, e a partir daí estimamos seu valor”. Há, portanto, uma relação precária entre a racionalidade que julgamos ter e as decisões que tomamos a respeito do dinheiro. E a maioria delas, como veremos a seguir, passa pelo campo das emoções e sentimentos.

Por que os meios de pagamento são cada vez mais abstratos?

No passado, tínhamos de pagar nossas compras com dinheiro em espécie, havendo assim um conjunto de ações muito concretas envolvidas nessa transação: tirar a carteira do bolso, abrir o compartimento de cédulas, pegar um punhado de notas, contá-las, entregar a quantia ao vendedor e, por fim, guardara carteira de volta, agora menos “recheada”. Essa sequência, aparentemente trivial, trazia consigo um símbolo importante: elas indicavam de maneira inequívoca que estávamos gastando dinheiro, nosso dinheiro, pois víamos uma determinada quantia literalmente sair de nosso bolso em direção à gaveta da caixa registradora desse comércio.

O resultado é algo que as Ciências Comportamentais chamam de “dor de pagar”: sempre que desembolsamos uma quantia, seja ela direcionada a uma compra útil e extremamente satisfatória ou a algo frugal, nosso cérebro ativa algumas respostas químicas que provocam desconforto. Com o perdão do trocadilho: gastar dinheiro é desgastante.

Mesmo o cartão de crédito, antigamente, tinha um pouco dessa sensação: nós o entregávamos ao lojista, que o passava por uma máquina munida de papel carbono, emitindo assim três vias de comprovação da venda, assinadas pelo portador. Só depois recebíamos o plástico de volta para guardá-lo na carteira.

 

Hoje, porém, as transações financeiras assumem formatos cada vez mais abstratos. Se por um lado essa virtualização simplifica e acelera o processo, por outro ela suprime uma espécie de “proteção natural” que tínhamos.

Das máquinas de cartão de crédito, como esta da figura acima, passamos para cartões magnéticos; destes para os cartões com chip; a partir da internet e advento do e-commerce, vieram os cartões virtuais, dedicados a compras online; seguidos pelos meios de pagamento contactless (popularizados agora, com a pandemia, já que evitam o contato com as teclas da máquina); e, por fim, as carteiras virtuais, um tipo de conta corrente que pode ser associada a sites e lojas, que realizam assim movimentações automáticas.

Observe que o processo, além de digital, foi desvinculado quase totalmente da sensação de compra e, por conseguinte, da dor de pagar. Quando apontamos nosso celular para um QR Code que, por sua vez, debita uma quantia correspondente do saldo disponível em uma carteira virtual, não nos damos conta desse dispêndio. É como se a transação econômica não tivesse existido – ao menos, não para o nosso cérebro envolvido no piloto automático (leia mais aqui sobre o Sistema 1) e para as nossas emoções.

Segundo diversos experimentos conduzidos por Ariely, o impacto dessa transição dos meios de pagamento físicos para os 100% digitais provoca sérias mudanças de comportamento de consumo. Usando cartões de crédito, por exemplo, as pessoas geralmente gastam mais, fazem compras maiores e deixam gorjetas mais altas. Adicionalmente, tendem a subestimar ou até ignorar a evolução de gastos ao longo do mês.

Você já deixou de conferir o extrato do seu cartão de crédito no app por medo de descobrir que gastou mais do que deveria?

 

Dupla ilusão no tempo

Além dos pontos tratados anteriormente, a utilização do cartão de crédito nos torna sujeitos a duas ilusões:

1. Quando efetuamos a compra, pois temos a sensação de que o pagamento só acontecerá “lá na frente”, visto que o desembolso financeiro é efetivado apenas na data de vencimento da fatura (a menos que, por alguma razão, você decida antecipá-lo). Dessa forma, ficamos com a falsa percepção deque a transação ainda não foi consumada e, consequentemente, de que o valor ainda não foi comprometido;

2. Pouco depois de efetuarmos a compra, já que somos tomados pela sensação de que “já está pago”, mesmo ainda não tendo desembolsado o valor da fatura

Essa combinação ilusória reduz nossa dor de pagar, na medida em que trabalha as diferenças temporais existentes entre a compra, o fechamento da fatura e o pagamento propriamente dito. E embora isso nos permita aproveitar melhor a compra – como veremos a seguir –, é também um caminho perigoso para o descontrole financeiro, por permitir que essa satisfação resulte em gastos mais frequentes e maiores.

Como (não) estragar uma viagem de férias

Vamos supor que você vai sair de férias e passar duas semanas em um resort cinco estrelas. Para isso, você está organizando sua reserva pela internet, através de um site de viagens. Lá você se depara com três opções de pagamento:

1. Total antecipado: nesta opção, você tem de quitar 100% do valor da reserva online e até um dia antes do check in. A partir daí, não haverá mais nenhuma cobrança: durante sua estadia, você poderá consumir tudo o que quiser (all-inclusive) e, no check out, apenas devolver a pulseira de acesso e ir embora;

2. Postecipado: você já sabe o valor total da hospedagem, mas todos os outros custos – a cerveja tomada à piscina, o sorvete, o couvert artístico do jantar e assim por diante – serão apurados no momento do check out. Dessa forma, sua última experiência no hotel será conferindo uma lista com todo esse detalhamento de consumo. Ao final, você assina o documento e passa o cartão de crédito, podendo parcelar a compra;

3. No ato: no momento do check-in o atendente confere seus documentos, entrega a pulseira de acesso e já cobra a primeira diária. A partir daí, e cada vez que você consumir algo, um funcionário do hotel virá com a maquininha de cartão de crédito para que o pagamento seja realizado na hora. Isso significa que, durante o check out, você só precisará devolver a pulseira e ir embora; mas também que você terá de andar o tempo todo com sua carteira por perto, pois a cada cerveja, sorvete, cafezinho, garrafa d’água, drink etc., você terá de tirá-la do bolso, sacar o cartão de crédito e digitar sua senha.

Qual dos três formatos proporcionaria a melhor experiência de viagem? E a pior?

 

 

Pagar por uma experiência de forma antecipada pode causar certo desconforto no momento da finalização da compra. Entretanto, assim que você chegar ao resort, ciente de que não haverá mais nenhuma cobrança ao longo das próximas duas semanas, seu cérebro sentirá um grande alívio por não precisar mais pensar em dinheiro. Aqui, a ilusão de que “já está pago” fortalece a satisfação a respeito da viagem e nos permite aproveitar melhor esse tempo, livres de preocupações financeiras. Mesmo que isso seja uma situação ilusória, devemos ter em mente que viagens como essa não acontecem o tempo todo. Por isso mesmo, precisamos buscar recursos – especialmente os emocionais e psicológicos – que nos permitam tirar o máximo dessa oportunidade. A alternativa 1, portanto, é a que potencializa a experiência positivamente.

Do lado oposto, temos a opção 3. Neste modelo, a dor do pagamento é reforçada a todo instante: desde nossa chegada, quando temos de desembolsar um valor significativo referente à primeira diária (e todos os impostos e taxas associados), e durante cada micro consumo, tornando o pensamento sobre dinheiro, e todas as ponderações de custo-benefício associadas a ele, uma constante. Imagine-se sentado à beira da piscina da foto, com uma vista belíssima da praia, tendo de decidir se realmente vale a pena pagar R$ 17,00por uma garrafa de água que custaria, na pior das hipóteses, R$ 5,00 no mercado do bairro em que você mora. Essas pequenas decisões de compra acumulam-se na forma de uma tortura psicológica, e o resultado é uma viagem de férias miserável.

 

Por que tudo isso importa

Gary Belsky e Thomas Gilovich recontam a fábula em que um homem foi ao cassino e decidiu apostar na roleta os US$5 que trazia no bolso. Por um golpe de sorte – ou qualquer outro termo que você prefira para explicar esta situação –, ele começou a ganhar jogada após jogada, a ponto de acumular quase US$300 milhões em pouco mais de uma hora.

Porém, logo em seguida, ele resolve apostar tudo em uma última rodada; e perde a quantia inteira. Chegando ao hotel, e questionado por sua esposa sobre como tinham sido suas apostas, ele responde: “Perdi US$5”.

Nossa relação com dinheiro é complicada. Incapazes de avaliar todas as opções disponíveis para calcular o valor real das coisas, nós nos resignamos a comparações simples – e muitas vezes desconexas. Fora isso, fatores emocionais e perspectivas míopes fazem com que tomemos decisões equivocadas:

Lembre-se da última vez em que você ganhou um vale presente. Normalmente, as pessoas usam o saldo desse cartão para adquirir itens e serviços que elas não comprariam se tivessem de desembolsar aquantia elas mesmas, isto é, debitá-la de seus salários. Temos a impressão – esquisita, você há de concordar – de que o dinheiro representado pelo vale presente não faz parte do nosso conjunto de receitas e, justamente por isso, pode ser gasto de um jeito mais frívolo.

É comum comemorarmos uma economia como, por exemplo, não ter tomado café na rua esta semana, com um gasto desnecessário (a compra de uma revista), invalidando assim, sob o ponto de vista financeiro, o benefício de ter gastado menos dinheiro.

Quando o assunto são decisões financeiras, devemos ter em mente o custo de oportunidade. A menos que você seja bilionário(a), a compra deum bem ou serviço implica diretamente na impossibilidade de adquirir outro bem ou serviço de igual valor. Afinal, nosso patrimônio é finito.

Por esta razão, a forma ideal de lidar com dinheiro tem a ver com esse olhar para todas as coisas de que abrimos mão quando desembolsamos uma determinada quantia. Se o benefício dessa compra – a utilidade, a satisfação, o prazer – for suficientemente alto em relação ao que está sendo deixado de lado, então, siga em frente. Do contrário, atenção: podemos estar fazendo um mau negócio.

 

Saiba mais em:

[1] Ainda sem tradução para o português.

ARIELY, Dan. (2008). Previsivelmente irracional – como as situações do dia a dia influenciam as nossas decisões. Rio deJaneiro: Alta Books.

ARIELY, Dan& KREISLER, Jeff. (2017). Dollars and sense: how we misthink money and howto spend smarter. Harper, Illustrated.

BELSKY, Gary& GILOVICH, Thomas. (2010). Why smart people make big money mistakes… andhow to correct them. Lessons from the Life-Changing Science of Behavioral Economics. New York: Simon & Schuster.

DOS SANTOS, Edson Luiz. (2014). Do escambo àinclusão financeira: a evolução dos meios de pagamento. São Paulo: Linotipo Digital.

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Tiago Rodrigo

Tiago Rodrigo

Entusiasta de frameworks ágeis, Kanban e Trello - mas, acima de tudo, do protagonismo e do encontro de cada um com seu propósito. Economista Comportamental dedicado a esta ciência multidisciplinar na construção de modelos que facilitem e simplifiquem a tomada de decisão em diversos contextos.

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