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Sobrecarga de escolhas: excesso de informação… e de dúvidas

Domingo. Acabo de almoçar. Na cozinha, tudo limpo e organizado; no quarto, a criança tira um cochilo debaixo do cobertor – e dos gatos. A estante de livros me convida a ler o segundo volume dos “Contos de Kolimá”[1], mas, por outro lado, o friozinho de outono faz a combinação sofá & manta ser mais atrativa. Resolvo então ver um filme. Qual? Não sei ao certo. Acesso o Netflix – deve ser fácil escolher algum que me agrade.

Ou, pelo menos, foi isso o que achei até fazer o login.

Na página principal, 4 grupos: “séries”, “filmes”, “mais recentes” e “minha lista”. Dentro de “filmes”, 24 categorias:

 

 

A partir de cada categoria, 15 opções iniciais só na primeira tela…

 

 

… e sabe-se lá quantas centenas de outras[2] depois, que serão exibidas assim que eu der início à maratona – não de filmes, mas do scroll down.

A princípio, esse leque gigantesco de opções parece atrativo, um grande benefício que justifica minha assinatura de R$ 45,90 mensais: com tantos títulos disponíveis, é improvável que eu não encontre um sequer que me agrade. O problema é que esse mesmo leque gigantesco de opções impede que eu me decida a assistir a qualquer um deles.

Percorro telas e mais telas, leio sinopses, assisto a trailers, clico em recomendações (“títulos semelhantes” ou “porque você assistiu…”), e vejo-me perdido em um labirinto de promessas de entretenimento: tão acessíveis quanto um apertar de botão do controle remoto, mas ainda assim inalcançáveis em meio a minha indecisão.

Passados quase cinquenta minutos, encontro um filme que já assisti anos atrás e do qual me lembro com satisfação. Tarde demais: ele tem cerca de 2 horas e, até lá, a Sophie já terá acordado. Desligo a TV, um pouco triste: por não ter conseguido assistir nada; por ter perdido a oportunidade de ler algumas páginas do Chalámov; e, finalmente, por ter desperdiçado tanto tempo à toa.

A tirania das pequenas decisões[3]

Quando o assunto é escolhas, temos a impressão de que quanto mais, melhor. Não é bem assim. Se por um lado ter mais opções pode reforçar o conceito de “liberdade de escolha” e a sensação de customização, por outro, o ônus trazido pelo processo de decidir mediante tantas opções é grande, embora comumente negligenciado.

Existe um efeito cumulativo que as pequenas decisões provocam em nosso cérebro, levando-nos ao cansaço cognitivo. Imagine se, desde o momento em que você acordasse, tivesse de lidar com dezenas de decisões de pequena relevância, mas todas elas com inúmeras configurações. E é geralmente isso o que acontece. Por exemplo: de manhã, em uma cafeteria da cidade, podemos escolher entre: café americano, expresso, expresso duplo, em cápsula, forte, fraco, descafeinado, com toques frutados, notas de amêndoas, de cereais, solúvel, com leite, média, coado, tirado na prensa francesa, Hario V60, Chemex, Aeropress…

Mas qual é a diferença de satisfação que uma opção ou outra provoca em você? A menos que você seja um barista, ou tenha acordado com uma vontade específica por um desses tipos, a diferença será muito, mas muito sutil. Talvez até imperceptível. E, no entanto, podemos perder um longo tempo lendo e relendo cardápios em busca da escolha perfeita.

A propósito, há um outro ponto crítico sobre as escolhas: após tomarmos uma decisão, nós não nos livramos (mentalmente) das opções que foram preteridas. Dependendo do resultado obtido, seremos psicológica e emocionalmente perturbados por elas durante um longo tempo, aumentando ainda mais nossa carga cognitiva – inclusive no contexto de decisões absolutamente irrelevantes.

Tempos atrás, saí para comprar iogurte em um supermercado do bairro onde moro. Na sessão de laticínios, deparei-me com uma geladeira com 93 (!) tipos diferentes do produto. Sim, perdi tempo contando todos eles pelo benefício de poder usar esses dados mais para frente:

natural, desnatado, sem lactose, com cereais, com chocolate, com geleia de frutas, com pedaços de fruta, com fruta batida, com mel, enriquecido com vitaminas, sem açúcar, com o dobro de açúcar, com leite de vaca, de cabra, de ovelha, de ornitorrinca…

Em geral, compro um batido e desnatado, sempre da mesma marca. Neste dia, porém, e em meio à dúvida sobre qual levar, acabei escolhendo um com pedaços de pêssego.

Para quê?!

Embora seja fã de pêssego, o tal iogurte era excessivamente doce e se tornava incomestível quando misturado à fruta em calda – também muito doce. A partir daí, somei à perda de tempo durante as compras a insatisfação de ter escolhido um produto ruim: com tantas opções disponíveis, como puder fracassar miseravelmente nesta escolha, aparentemente simples?

Este é um outro aspecto negativo da sobrecarga de escolhas: tendo uma gama de opções tão grande, o arrependimento por ter feito uma escolha ruim torna-se mais agudo e nos acompanha por mais tempo. E quanto mais opções houver, maior também será o remorso.

Este episódio evidencia que, se quiséssemos, poderíamos passar o dia todo indo de um supermercado a outro, comparando opções de um determinado produto, preço, datas de fabricação e validade, aspecto da embalagem, lista de ingredientes… Mas quem tem tempo de fazer isso hoje em dia? Por esta razão, a maioria dos consumidores repete seus padrões de compra, levando basicamente os mesmos produtos.

Não ter opções a respeito de um dado contexto, ou tê-las impostas por alguma autoridade, condição, governo etc., é algo praticamente insuportável. Na medida em que as opções surgem, sentimo-nos “no controle” da situação, o que é positivo. Contudo, a partir do momento em que essas opções saem do controle, o ônus da indecisão causada pela sobrecarga anula qualquer vantagem dessa “liberdade de escolha”. Como diz Barry Schwartz, no livro “Paradoxo das escolhas”:

(…) neste ponto, as opções não promovem mais liberdade, mas sim nos debilitam – e até tiranizam.

Enquanto não percebermos o inconveniente dessas microdecisões com múltiplas alternativas, continuaremos imersos na saga da indecisão. E Schwartz complementa:

“A maioria das pessoas deseja ter mais controle sobre os detalhes de suas vidas. Mas a maioria das pessoas também quer simplificar as coisas. Este é o paradoxo de nosso tempo.”

Maximizadores e satisficers [4]

De forma alternada, nós nos enquadramos em dois grupos no que diz respeito à tomada de decisão: o dos que buscam a maximização e o dos que aceitam a satisficiência (neologismo baseado no termo em inglês satisficiency: algo que me deixa satisfeito e, ao mesmo tempo, me é suficiente).

Maximizadores são, por excelência, indivíduos que não admitem nada senão o melhor: dado um conjunto de opções, eles percorrem cada uma delas, analisando detalhes, contexto, consequências, possíveis trade-offs; fazem pesquisas na internet, consultam amigos e especialistas, constroem planilhas – até se sentirem plenamente seguros de que estão escolhendo a melhor opção desse conjunto. A satisficiência, pelo contrário, é aceitar algo que seja razoavelmente bom. E isso é o bastante, a busca pode ser encerrada.

Ao ligar a televisão com um pacote de canais por assinatura, por exemplo, o maximizador vai percorrer todos os 400 canais disponíveis, um a um, e só então, após ter a visão completa de programas daquela faixa horária, decidirá qual assistir. Na perspectiva da satisficiência, o telespectador liga a TV e, a partir do canal que estiver sintonizado, vai passando os seguintes, um a um, mas somente até encontrar um programa que lhe pareça bom. A partir daí, se dará por satisfeito, sem se preocupar com o que está passando nos demais.

Normalmente, a maximização tende a ser um processo mais doloroso, pois consome mais tempo e gera mais incertezas, além de deixar as pessoas frequentemente menos felizes. É muito comum que o maximizador, após tomar uma decisão, tenha remorsos decorrentes de dúvidas, como: estou realmente escolhendo a melhor opção? E se tivesse escolhido de forma diferente? É o caso do iogurte, que mencionei anteriormente, mas também de escolhas com implicações críticas.

Modelos para otimizar a tomada de decisão

Como vimos, ser maximizador é potencialmente negativo: sendo improvável conseguirmos avaliar todas as opções disponíveis, as chances de arrependimento são enormes.

O que fazer, então?

Existem diversos modelos de tomada de decisão que podem ser empregados em contextos de maior criticidade. Trago aqui quatro que podem auxiliá-los em suas decisões, tanto pessoais quanto profissionais. Mas primeiro, vamos criar um exemplo sobre o qual cada um deles será aplicado:

Imagine que temos D$ 10,000.00 (dez mil “dinheiros”) disponíveis e pretendemos investi-los, integralmente, em algum produto do mercado financeiro. Para isso, listamos 3 atributos que são relevantes nessa escolha: rentabilidade, baixo risco e alta liquidez:

 

 

1. Aditivo

Neste primeiro modelo, normalizamos todos os atributos para uma escala de valores que os torne comparáveis – digamos: de 0 a 5, sendo 5 o nível máximo de aderência ao critério indicado pelo atributo. Em seguida, classificamos todas as opções nessa escala e somamos o total atingido por cada uma delas. A decisão será pela opção que apresentar o maior valor nesse somatório:

 

 

Em nosso exemplo, e a despeito das características individuais de cada título, investiríamos os D$ 10k na opção T1, que apresenta o maior valor combinado de aderência aos critérios que estabelecemos inicialmente.

E se houvesse empate entre duas ou mais opções? Você poderia, então, estabelecer um quarto critério e classificar todas as opções nele, gerando um novo somatório; ou alterar o peso de cada atributo existente, de forma que A1 > A2 > A3, por exemplo, gerando assim também um novo resultado.

2. Lexicográfica

(ignorem o nome, ela é bem simples de ser empregada)

O modelo lexicográfico é mais simples e objetivo: basta definir o critério mais relevante para seus objetivos e, a partir dele, selecionar a opção que apresenta o maior valor. Supondo que rentabilidade seja nosso principal critério, então T4 seria o título escolhido:

 

Em caso de empate, definiríamos o segundo critério mais importante, e assim sucessivamente até restar uma única opção.

3. Eliminação de atributos

Semelhante ao modelo lexicográfico, definimos um valor mínimo que desejamos ter para cada critério e, com base nesses valores, vamos eliminando as opções até que reste apenas uma. Por exemplo:

– rentabilidade tem de ser >= 4 (T1, portanto, eliminado):

 

– baixo risco tem de ser >= 4 (T3 e T4, portanto, eliminados, restando apenas T2, a opção que será escolhida):

 

 

4. “Satisficiência”

Analisamos os títulos um a um até encontrar o primeiro que atenda, de forma satisfatória, aos critérios desejados. A partir daí, ignoramos as demais opções. Em nosso exemplo, suponha que o objetivo do investimento é ter rentabilidade >=3 e baixo risco >=3. A primeira opção que atende a essa combinação é T2. Assim, escolhemos T2 e não nos preocupamos mais em analisar T3, T4 e quaisquer outros títulos que porventura estejam disponíveis – é o famoso good enough is good enough:

 

De agora em diante

Ainda que não seja possível – e desejável – usar modelos de tomada de decisão a cada escolha com que nos deparamos, podemos, sim, aplicá-los para as mais relevantes, de forma a tornar o processo mais estruturado e menos sujeito a vieses e heurísticas. Barry Schwartz, no já citado livro, nos deixa algumas lições:

1. Nós nos sentiríamos melhor e mais felizes se abríssemos mão voluntariamente de parte de nossa “liberdade de escolha”;

2. A opção “boa o bastante” traz mais satisfação do que a “melhor de todas”;

3. Seríamos mais felizes se reduzíssemos nossas expectativas acerca do resultado de cada decisão que tomamos;

4. Idealmente, as decisões devem ter caráter irreversível;

5. Viveríamos mais satisfeitos se prestássemos menos atenção ao que os outros estão fazendo

Saiba mais em:

– SCHWARTZ, Barry. (2004) O paradoxo das escolhas: por que menos é mais. São Paulo: A Girafa.

– SCHWARTZ, Barry. (2005) Sobre o paradoxo das escolhas. Disponível em: encurtador.com.br/ioyG4

– SIMON, Herbert. (1972) Human problem solving. Brattleboro: Echo Point Books, reprint 2019.

– TVERSKY, Amos. (1972) Elimination by aspects: a theory of choice. Psychological Review, 79 (4), pp 281-299. Disponível em: encurtador.com.br/jlwAD

[1] São 6 ao todo, de autoria de Varlam Chalámov, publicados no Brasil pela Editora 34.

[2] Segundo dados da Netflix: o catálogo da empresa no Brasil oferece 1.920 filmes, 1.455 séries e 480 documentários (dados do final de março de 2020).

[3] Esta expressão foi cunhada pelo Economista Fred Hirsch.

[4] São 6 ao todo, de autoria de Varlam Chalámov, publicados no Brasil pela Editora 34.

[5] O termo não foi oficialmente traduzido para o português. Assim, entenda o satisficer como o indivíduo que aceita a “satisficiência”.

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Tiago Rodrigo

Tiago Rodrigo

Entusiasta de frameworks ágeis, Kanban e Trello - mas, acima de tudo, do protagonismo e do encontro de cada um com seu propósito. Economista Comportamental dedicado a esta ciência multidisciplinar na construção de modelos que facilitem e simplifiquem a tomada de decisão em diversos contextos.

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