“Quando nos conectamos com nosso verdadeiro “eu” e com o que acreditamos ser importante, o abismo entre a maneira como nos sentimos e a maneira como nos comportamentos diminui. Começamos a viver a vida sem tantos arrependimentos e sem tantas críticas posteriores.”
Susan David
Existem muitos cursos, principalmente de liderança, que ensinam técnicas de como dar e receber feedback. Parto do pressuposto de que as técnicas nos ajudam muito, mas elas por si só podem não funcionar. Explico. Tem uma citação que está no livro “Conversas Decisivas”, de Kerry Patterson, Joseph Grenny, Ron McMillan e Al Switzler que diz: “As pessoas raramente ficam na defensiva por conta do que você está dizendo (conteúdo), elas ficam na defensiva por conta do motivo pelo qual elas pensam que você está dizendo algo (intenção)”. A partir dessa consideração, uma técnica bem empregada não será realmente eficaz quando as pessoas não acreditam que a intenção seja positiva. Para compreendermos melhor essa questão, gostaria de apresentar o que chamo de tripé para um diálogo eficaz ou o que considero um “diálogo transformativo”.
Diálogo transformativo – diálogo implica em que todas as vozes e verdades sejam incluídas e transformativo no sentido de que pode transformar. Em minha perspectiva, transformativo tem a ver com, quando assumimos a liderança, a partir da autogestão e de quem nos tornamos diante do outro e dos fatos, somos capazes de provocar, de forma consciente e atenciosa, uma transformação no contexto, contemplando a solução mais criativa, produtiva e transformativa para mim, para o outro e para o todo, gerenciando a intenção e não iludindo-se nas expectativas. A palavra “transformativa” evoca o empoderamento da ação e responsabilidade frente aos fatos e frente às escolhas.
A seguir, segue uma ilustração do que considero o triângulo ou o tripé do diálogo transformativo, evocando atitudes que podem gerar um círculo virtuoso e mais consciência em relação às escolhas realizadas.
Parto do pressuposto de que esse processo traga valor agregado para mim, para o outro e para o contexto. Para isso acontecer, existem algumas questões ou “cliques” que devemos nos atentar:
PARTE 1 – EU: o primeiro “clique”!
Ao iniciar um diálogo, EU tenho que ter clareza da minha intenção. Para isso, preciso responder à pergunta: qual a minha intenção, o que desejo transformar em mim, no outro e/ou no contexto? Quais serão os benefícios para mim, para o outro e para o contexto? Com isso, consigo discriminar quais são os motivos, os porquês pelo qual aquela conversa deverá acontecer. Ainda na perspectiva do EU, existe algo de extrema relevância e um tanto quanto desafiador: o autoconhecimento. Quantas vezes “olhar no espelho” se faz desafiador em nossas vidas?
Na teoria do Pipeline de Liderança, Ram Charam e outros teóricos sustentam a importância de desenvolver as habilidades de um Pipeline antes de passar ao próximo. O primeiro Pipeline sustentado na teoria é o “líder de si”. Nessa perspectiva, o autoconhecimento se faz importante quando sou capaz de discriminar o que, em uma situação específica, tem a ver comigo e o que verdadeiramente diz respeito ao outro.
Pense uma situação que tenha te deixado muito fora de si, em que você foi completamente “sequestrado” por uma emoção negativa como, por exemplo, raiva ou frustração. Ao se conduzir para um diálogo condicionado por essa emoção, você corre os riscos de ser contaminado e a maneira que conduzirá esse processo pode ser desastrosa. Olhar para si e se questionar sobre os motivos de você ter se sentido daquela forma é sempre o primeiro e mais eficaz passo a ser dado. Gosto de pensar na seguinte afirmação: “Não é o que o outro é, mas aquilo que me torno frente ao que o outro é.” Essa reflexão nos aproxima do lugar de responsabilização, para que possamos assumir o nosso espaço de governabilidade frente a determinada situação. Também nos auxilia na discriminação do que é meu e do que é do outro. Vamos a um exemplo.
Há alguns anos recebi um telefonema de um Diretor que se dizia numa situação aflitiva: ia precisar demitir um de seus gestores. “Iza, gostaria de bater um papo com você para saber a sua opinião.” E lá fomos nós para um café e iniciamos o nosso diálogo. Ele me expôs a situação. Disse que não compreendia o que estava acontecendo com o gerente, que nos últimos dias ele havia mudado muito as suas atitudes, que estava agressivo e o afrontando. Eu solicitei que ele fosse mais específico, contando sobre o que havia mudado nas atitudes do seu gestor e o que, de fato, demonstrava que ele o estava afrontando. Antes de prosseguirmos, uma dica: precisamos tomar cuidado quando não temos fatos claros para compreender uma situação que alguém está nos relatando.
E ele prosseguiu trazendo os fatos. “Eu o tenho percebido arredio, ele não alinha comigo, não me comunica sobre as suas ações e decisões e, de repente, sou pego de surpresa…ele mudou o escopo de um projeto que havia alinhado comigo, comunicou todos os coordenadores, sem se quer me reportar. Essa foi a gota d’água, porque fui pego de surpresa na reunião.” Ouvi atentamente o que ele me contava e continuei a fazer perguntas para investigar melhor aquela situação. Quando fazemos perguntas, não estamos somente nos conduzindo para uma melhor compreensão, mas também ajudando o outro a organizar os seus pensamentos e sentimentos.
E segui com a próxima pergunta: “Quais foram as consequências de ele ter tido essa atitude?”. “Como assim, Iza?”, perguntou ele. E eu reforcei que gostaria de saber quais foram as consequências em termos de ter influenciado na performance dele, da equipe e nos resultados de forma geral. Depois de uma longa resposta, ele chegou a conclusão de que ainda não havia tido nenhuma influência, mas…que a sua autoridade estava em jogo. E eu perguntei: “Qual necessidade você tem, que a atitude desse liderado não tem atendido?”. E ele genuinamente respondeu que tinha a necessidade de estar no controle das situações. Senti que estávamos evoluindo na conversa. E então continuei com as minhas perguntas. “Você chegou a investigar o que pode ter acontecido para ele ter tido essa atitude, chegou a ter uma conversa com ele com o objetivo de compreender?”. A resposta foi: “Não, ele deveria saber como agir em situações como essa, isso não é adequado”. Deveria saber….quantas vezes, nós líderes, partimos desse pressuposto? O outro deveria saber…
E continuei… “Você chegou a alinhar com ele sobre as suas expectativas em situações como essa? Quantas vezes ele agiu dessa forma? É recorrente?”. E a pergunta que eu, particularmente, não esperava que ia fazer a diferença para a reflexão dele: “Você tem ideia do que pode ter desencadeado esse comportamento?”. Bem mais calmo que no início de nossa conversa, ele respondeu: “Agora eu me lembrei que ele tinha pedido para conversar comigo umas duas vezes, mas eu não tive tempo de parar, pois estávamos com o Diretor da Global aqui no Brasil. Lembrei que cheguei a me reunir com o Diretor e minha equipe em um dia que ele não estava e parece que isso o incomodou.” E aí eu continuei: “Você já parou para pensar em qual pode ser a necessidade dele que você não tenha atendido para desencadear essas atitudes?”. E depois de uma longa conversa, em que eu me conduzi com ele com a intenção de que ele tivesse a oportunidade de realizar uma autoinvestigação, ele chegou a uma conclusão que entendo como um insight importante para a condução de uma liderança eficaz. “Iza, na verdade ele deve estar se sentindo preterido por mim, pois eu o tenho deixado de escanteio”. Foi a partir dessas palavras que ele se deu conta de que uma necessidade que ele tinha, ser reconhecido em sua autoridade como líder estava sendo colocada em xeque, mas que os motivos pelos quais isso estava acontecendo poderiam ter sido desencadeados pelas suas atitudes.
Como diz Susan David, no livro “Agilidade Emocional”, o Diretor estava “enredado” e as suas emoções poderiam tê-lo tirado do foco. Ao pedir que pudéssemos conversar, ele gerou um tempo de compreensão importante para entender a situação sob uma perspectiva mais ampla. Ele conseguiu chegar na sua “verdade mais genuína.” David traz a importância de nos afastarmos e que “nesse processo é possível criar a distância entre o pensador e o pensamento, entre aquele que sente e o sentimento, o que possibilita que possamos adquirir uma nova perspectiva, nos desenredando e seguindo em frente”.
E por que temos dificuldade em chegar nesse ponto? A Teoria U, de Otto Scharmer, nos ajuda nessa compreensão quando pensamos sobre as Vozes que emergem em cada um dia nós em situações como essa. A primeira delas é a Voz do Julgamento. Julgar é mais fácil, pois distancia a nossa parcela de responsabilidade em relação ao problema. Julgamos e culpamos os outros pelas situações. Suspender a voz do julgamento é o primeiro passo para chegar ao lugar mais produtivo. Depois de suspendermos a voz do julgamento, a segunda voz que nos desafia é a Voz do Cinismo, aquela que nos desconecta da nossa “verdade”. Quantas vezes dizemos para as pessoas aquilo que é contextualmente ou socialmente mais adequado e não aquilo que, de fato, estamos pensando ou sentindo? Não é raro vivermos momentos em que não estava tudo bem em nossa percepção, mas reforçamos ao outro que está tudo certo, contudo ainda sentimos grande desconforto com aquela situação. Essas duas vozes nos protegem de uma voz que não é fácil “enfrentar”, mas ela está ali, lá no fundo do iceberg. Posso dizer que encará-la de frente não é o exercício mais fácil, porém é o mais produtivo. Ao fugirmos dela, não significa que ela deixou de estar ali e quando ativada, pode gerar emoções que nos sequestram e levam a atitudes que não são as mais adequadas. Que voz é essa? A Voz do Medo.
No exemplo com o Diretor fica claro observarmos como essas vozes foram surgindo. De início, ele disse que o seu liderado estava agressivo e o afrontando, e que deveria saber como agir em situações como essas. Após uma autoinvestigação, obviamente impulsionada pelas minhas perguntas, ele conseguiu sair desse lugar. Após suspender a voz do julgamento, e continuar com a autoinvestigação, ele conseguiu atingir o seu lugar de verdade, conectando-se também mais aos fatos do que aos seus sentimentos. “Agora eu me lembrei que ele tinha pedido para conversar comigo umas duas vezes, mas eu não tive tempo de parar, pois estávamos com o Diretor da Global aqui no Brasil. Lembrei que cheguei a me reunir com o Diretor e minha equipe em um dia que ele não estava e parece que isso o incomodou”. Posteriormente, ele avançou ainda mais e conseguiu fazer o “enfrentamento” das suas vulnerabilidades, conectando-se com as suas necessidades e desafios pessoais. Nesse primeiro clique, onde o Diretor passa a compreender qual a sua responsabilidade nessa história, é aberto então o espaço para compreensão do outro: “Iza, na verdade ele deve estar se sentindo preterido por mim, pois eu o tenho deixado de escanteio”. Quão corajoso é conseguirmos chegar nesse lugar de verdade para que possamos exercitar verdadeiramente a empatia? Simples de falar ou escrever, mas desafiador na ação! Temos então o primeiro clique: a conexão com nossas vulnerabilidades e a abertura para que possamos compreender, “empatizar” com o outro e avançarmos rumo às atitudes mais produtivas.
PARTE 2 – EU E O OUTRO: o segundo “clique”!
Parto da premissa que oferecer a nossa verdade para o outro, talvez seja sempre o melhor caminho para a transformação de situação desafiadora em um caminho para a solução. Esse primeiro e importante clique já compreendemos na parte 1. Como diz Wellington Nogueira, fundador dos Doutores da Alegria, chegar para uma interação com a “cabeça limpa”, é fundamental. Ou chegamos de cabeça limpa ou levamos, ainda trazendo expressões “Wellingtonianas” todo o lixo mental que nos habita para aquela interação. Somente conseguimos chegar dessa forma se tivermos caminhado até o primeiro clique.
Gosto da definição que Mary Gordon, uma empreendedora social canadense, nos oferece. Mara Morão, ao registrar histórias de empreendedores sociais pelo mundo no premiado documentário “Quem se Importa”, tem como um dos destaques a história sobre o trabalho de Gordon por meio da empatia, com a intenção de diminuir o bullying nas escolas. O que ela faz? Leva crianças de 2 a 4 meses (com suas mães) para interagirem com crianças de 4 a 14 anos para que essas crianças desenvolvam a capacidade de cuidar. Mary Gordon enfatiza que “o melhor motor para o aprendizado é por meio da experiência”. Particularmente, acho simplista pensar que “empatia é a capacidade de se colocar no lugar do outro”. Gosto da maneira que ela conceitua.
A empreendedora social, apoiada por ideias de outros autores, nos traz a ideia de que a empatia tem dois lados, o cognitivo e o emocional. Para a parte cognitiva da empatia ela fala sobre a importância da tomada de perspectiva do outro. Entendo que, muitas vezes, teremos dificuldade em “tomar a perspectiva” se olharmos pelas nossas lentes, a partir da nossa história de vida, das nossas próprias experiências. Tomar a perspectiva do outro tem a ver com imaginarmos como ele se sente. Ao termos a perspectiva do outro e imaginarmos como ele se sente, abrimos o caminho para acessarmos o lado emocional, agindo a partir da ética do cuidado, isto é, cuidando para não invadir o espaço do outro, conectando com o seu “modelo mental”, seus sentimentos, suas perspectivas, seus anseios, seus medos. Compreendemos até que ponto podemos avançar e em que tempo, demonstramos cuidado genuíno com o bem-estar do outro. E para alcançar esse lugar, o que pode nos ajudar?
Ajuda-nos pensar que eu não preciso interagir com o outro com a intenção de concordar, mas sim de compreender como ele pensa, sente e age, quais os seus verdadeiros motivos. Ouvi, se não estou enganada, na formação em Coaching pelo ICI (Integrated Coaching Institute), do Randhy di Stefano: “por trás de toda ação negativa, tem sempre uma intenção positiva”. Para não polemizar demais essa afirmação, reflito que a intenção é positiva para quem a teve. Seja mascarar uma fragilidade ou até mesmo se dar melhor que o outro em um processo. Gosto de pensar que sempre é preciso compreender o caminho do outro. E só será possível chegar nesse nível de compreensão se eu me disponibilizar a ouvir empaticamente, suspendendo aquela voz que insistirá em nos acompanhar: a voz do julgamento.
Há uns anos fui a uma loja de utensílios domésticos para comprar alguma coisa que nem me lembro mais o que era, pois a experiência se tornou mais importante. Não pensem que eu seja uma exímia dona de casa, mas tenho evoluído nesse quesito. Rispidamente, a moça olhou para mim e disse que não tinha o que eu procurava e, em seguida, fez uma cara de dor. Claro que não concordo em alguém tratar um cliente rispidamente como ela me tratou. Penso até que, apesar de não ter o que eu queria, eu poderia ter me interessado por outras coisas a partir de um atendimento cordial. Mas fui iluminada ao me conectar na expressão de dor a partir da sua feição. Eu estava presente, prestando atenção aos mínimos sinais. Então, perguntei, de maneira verdadeira e genuína: “está tudo bem com você?” Ela respirou fundo, deu um leve sorriso e me respondeu: “menina, estou com uma dor de cabeça.. hoje está difícil”. Entendo um pouco de dores de cabeça, já tive enxaquecas que me tiraram a energia para o trabalho. Perguntei a ela se tinha tomado remédio e ela respondeu que não, que ainda não tinha conseguido sair para ir até uma farmácia. Foi quando me disponibilizei e ofereci o blister de comprimidos que eu tinha na bolsa. Prontamente e com alívio, ela aceitou. E engatamos um papo agradável, compartilhando nossas experiências com as dores de cabeça. Ela perguntou o meu nome e passou a me chamar carinhosamente de Iza, pois ouviu minha amiga me chamando dessa forma. Ela me tratou com o máximo de cordialidade e atenção. E foi assim que nos aproximamos. Comprei um liquidificador e um jogo de xícaras. Para mim, foi surpreendente quando entrei dois meses depois naquela loja, e ela me chamou pelo nome. E foi assim que nos conectamos. Não deixei a raiva tomar conta de mim, ao contrário, escolhi me conectar em uma energia de amorosidade. Nem sempre é fácil…
Esse exemplo demonstra que quando estamos genuinamente disponíveis para a compreensão, abrimos espaço para a conexão e uma possível transformação. Ao compreender que a “dor de cabeça” do outro pode lhe tirar do lugar de percepção sobre os impactos das suas ações, eu “vou até o lugar onde ele habita naquele momento” para ter uma melhor interação, sem me diluir no que é do outro (o incômodo com a dor de cabeça era dela, a ação ríspida era dela) e sem me desviar da minha intenção. Gosto muito de falar sobre intenção e expectativa, mas esse assunto deixo para o meu futuro livro. Lembro que, muitas vezes, deixamos de honrar as nossas intenções por conta de termos as nossas expectativas frustradas. Naquele momento, ter uma interação cordial e amorosa era a minha intenção. Felizmente, consegui manter esse lugar de integridade e consegui transformar a situação. As atitudes do outro não devem servir de “guia” para as minhas atitudes, é importante pensarmos a respeito disso. Obviamente, se eu tivesse em um dia ruim, do tipo que discuti com o marido antes de sair de casa, meu filho está com febre e ainda por cima, bati o meu carro no pilar da garagem, o risco de eu me encontrar em outro estágio emocional seria alto.
Ao nos sentirmos respeitados, mesmo que naquele momento não fomos capazes de manter o respeito na situação, a probabilidade de essa atitude gerar reciprocidade por parte do outro é imensa. Ela foi recíproca a minha maneira de interagir com ela, realizou um atendimento atencioso e de maneira amorosa, fez com que eu me sentisse muito bem. É nessa conexão que temos o segundo clique: duas pessoas genuinamente interessadas em gerar um ambiente seguro para que elas possam se relacionar. E esse ambiente emocionalmente seguro é que proporciona que as pessoas sintam confiança umas nas outras. A mensagem subliminar é: estou aqui com disponibilidade e presença plena, mesmo nos momentos em que você não se conduzir bem.
E após o segundo clique é que geramos a oportunidade de transformação, seja transformar uma relação que não era produtiva, ou uma forma de enxergar e se relacionar com o contexto ou com os fatos. E aí é que vem a agregação de valor que vamos compreender na parte 3.
PARTE 3 – CONTEXTO: os tantos outros cliques possíveis
Líder e liderado não encontram um tempo para dialogar. Por um lado, o liderado pensa no quanto o seu líder não acredita mais no trabalho dele, que o tem deixado de lado. Sente-se muito mal. Tem medo de perder o emprego, afinal de contas, paga a escola de três filhos. Essa aflição toma conta de seus pensamentos. Quando chega em casa é ríspido com a esposa, não dá atenção para os filhos e até chega a ignorar o fato de a filha ter feito um desenho especialmente para ele.
Por outro lado, seu líder tem compreendido as atitudes do liderado como “ele quer passar por cima de minha autoridade”, fica muito incomodado com isso e sente raiva. Como tem poder, é tomado pela sua raiva, tendo atitudes cada vez mais desconectadas do que realmente deseja para si próprio, para o seu liderado e para o contexto. Algum tempo depois, em posse do poder que tem, o líder vai lá e demite o liderado. Sente-se mal algum tempo depois, lembrando do quanto de coisas conquistaram juntos e o quanto esse liderado o ajudou quando teve que lidar com as adversidades da crise econômica. O liderado chega em casa após ter sido demitido, conta para a família, que o acolhe com gentileza e carinho. Sua esposa diz que tudo vai dar certo e seus filhos ficam abraçados a ele, enquanto assistem um filme. Nesse momento, ele se vê diante de um dos piores sentimentos, encontra-se extremamente arrependido pela maneira como tratou a esposa e, surpreendentemente, também se encontra arrependido pelas suas atitudes no trabalho.
E, assim, os dois são tomados pelo mesmo pensamento: da próxima vez vou agir de uma maneira diferente, não me conduzi bem nessa situação, mas me deixei influenciar pelas minhas emoções. Será que precisamos nos colocar em situações desafiadoras para aprendermos a ter melhores atitudes? Gosto de pensar que aprender deveria ser uma ação mais proativa do que reativa.
Susan David enfatiza que as nossas emoções são alertas, que a partir delas podemos no questionar a respeito de qual é o propósito daquela emoção, sobre o que ela está nos dizendo, o que está por trás daquela tristeza, frustração, alegria ou euforia. Ao encararmos dessa maneira, criamos o espaço que precisamos para nos “desenredar”, conseguimos exercitar a meta visão que, de acordo com a autora, significa: “a visão de cima que amplia a perspectiva e o torna sensível ao contexto”.
Felizmente, a desfecho relatado acima não aconteceu dessa forma. Os tantos treinamentos e processos de desenvolvimento a que o Diretor citado se submeteu, também trouxeram a ele a consciência de que, sozinho, ele não ia conseguir se “desenredar” de maneira produtiva. Ele conseguiu, como cita Viktor Frankl, utilizar o espaço entre o estímulo e sua atitude. Conectou suas emoções aos fatos, conseguiu retomar a razão. Pense por esse exemplo, aparentemente simples, quantas desconexões aconteceriam, caso o Diretor tivesse agido a partir de um impulso, tomado por uma emoção negativa, sem ter tido o primeiro clique, sem ter aberto espaço para o segundo clique, o da conexão com o outro.
Encontrei no dicionário online uma definição de conexão, a partir do ponto de vista da eletricidade: “Ligação de uma corrente elétrica que se estabelece por contato; mecanismo que faz essa ligação”. Me empolguei ao pensar que conexão é eletricidade e que o mecanismo seja a empatia. Eletricidade, porque gera transformação. Pense em uma espiral ascendente, o ponto de conexão seria quando incluímos os aprendizados que já temos e transcendemos para um novo nível de consciência, ampliamos a nossa meta visão e compreendemos cada vez mais o impacto que a nossa atitude tem para o contexto. É o curto circuito do bem.
O Diretor volta para o trabalho no dia seguinte, convida o seu liderado para um café e o encoraja a dizer o que ele está sentindo, traz exemplos a respeito de algumas atitudes que não tem sido condizentes com a maneira como ele sempre agiu. Cria um “ambiente emocionalmente seguro”, encorajando o liderado e fazendo perguntas para que ele traga a sua verdade. Ele se sente bem em poder dizer o que está sentindo, compreende as suas emoções e necessidades não atendidas, tem o seu “clique”. Logo em seguida, vem o segundo clique por meio de uma atitude empática de ambos. Depois disso, vem os tantos outros cliques que agregam valor para o contexto. Eles combinam de aperfeiçoar um projeto, de fazer um trabalho com a equipe para melhorar o alinhamento entre áreas. O Diretor se sente um líder empoderado e assume mais a responsabilidade pelo desenvolvimento dos outros gerentes. O liderado resolve fazer uma festa surpresa de aniversário para a esposa e envolve os três filhos nesse empreendimento. Alguns meses depois, eles têm a sensação de que a “roda da vida” está girando de maneira mais leve, que os resultados que almejam para a área estão sendo mais facilmente atingidos.
Ainda sinto a “eletricidade” da conexão com a Maria, a vendedora da loja de utensílios domésticos, o seu olhar de gratidão pelo acolhimento que fui capaz de realizar e a reciprocidade do seu tratamento naquele dia, e por lembrar de mim efetiva e amorosamente me reconhecer ao retornar à loja. Esse fio elétrico tem me condicionado a pensar primeiro e julgar depois. Esse clique ainda se faz presente em mim e espero que nunca se apague.
O meu convite para cada um de vocês que, pacientemente, chegaram ao final dessa leitura é que, juntos, possamos criar uma corrente elétrica tão poderosa que nos ajude na geração de ambientes mais emocionalmente seguros, em que tenhamos menores índices de adoecimento e mais potência para (como diz o meu querido amigo e pensador admirável, Luciano Meira) o florescimento humano.