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A perseverança supera o talento e o propósito mobiliza a perseverança!

“Nosso potencial é uma coisa, o que fazemos com ele é outra, bem diferente.”

Dra. Angela Duckworth

Muitos de nós conhecemos pessoas com uma série de talentos, mas não conseguimos percebê-los se transformar em algo produtivo ou de valor para essa pessoa. É fato de dizer que Oscar Schimidt é talentoso na profissão que escolheu, mas será que o “mão santa” teria se tornado quem foi sem ter empreendido todos os esforços que empreendeu nas inúmeras horas que treinou? Possivelmente, ele também tinha o sonho de se ser um atleta reconhecido e as suas realizações talvez tenham superado suas expectativas. Quem não conhece sua história, basta pesquisar o quanto esse atleta treinava!

No livro “Garra – o poder da paixão e da perseverança”, a Dra. Angela Duckworth, por meio de suas pesquisas, demonstra que qualquer pessoa, do jeito certo, pode chegar às mais impressionantes realizações. Um ponto de suas pesquisas chamou muito minha atenção: o cuidado para a valorização excessiva do talento, que pode ser nocivo. Duckworth nos explica os motivos:

“ao focarmos apenas no talento, nós arriscamos deixar tudo o mais fora de visão. Sem querer, passamos a mensagem de que esses outros fatores – como a garra – são menos importantes”.

Já tivemos metodologias de gestão de pessoas enfatizando que deveríamos promover de maneira agressiva os colaboradores mais talentosos e, da mesma maneira, nos desfazer daqueles que apresentavam menor aptidão. Duckworth cita o jornalista Duff McDonald, autor de uma das pesquisas mais completas da McKinsey, em que menciona que o mais correto seria nomear essa filosofia empresarial como “A guerra do bom senso”. Penso que ainda existe pouca valorização para o esforço e muita desistência de pessoas que, em médio e longo prazo, teriam muitas chances de ultrapassar os limites que lhes foram pré-concebidos.

 

Duas histórias sobre esforçados

Não temos uma cultura de valorização do esforço. Na época da faculdade, meu marido sempre me dizia que eu era muito esforçada; ele acompanhava o meu empenho em cada etapa, as horas debruçadas escrevendo os trabalhos nas saudosas, ou nem tão saudosas assim, folhas de almaço – para os mais jovens, eu explico que eram folhas pautadas em que escrevíamos os nossos trabalhos. Sou pré-digital! Por vezes, eu chegava a ficar incomodada com os comentários dele, pois pensava que ele queria dizer que eu não era tão inteligente como ele e que, por isso, precisava me esforçar tanto. Ele era aluno na faculdade de Medicina e realmente não precisava de tantos esforços como eu para ter seus êxitos. De fato, ela é alguém com um nível de inteligência notável. Eu realmente tinha o propósito de me destacar por entregar algo de qualidade e continuar com os meus esforços. Confesso que nunca me senti talentosa em nenhuma área específica, mas alguém que tinha propósitos claros e procurou ir sempre um passo à frente e não desistir, mesmo com a presença das adversidades.

Lembro como se fosse hoje do primeiro dia de aula na Pós-graduação em Administração de Recursos Humanos que fiz na FAAP-SP. Ao observar aquela escola suntuosa, aqueles vitrais maravilhosos, senti um profundo desejo de ser professora e mentalizei que quando terminasse o curso, eu me tornaria sim professora daquela escola. O que ocorreu entre o primeiro e o último dia de aula, a defesa da monografia? Eu me esforcei ao máximo para fazer trabalhos consistentes; lia todas as referências que os professores passavam; investia tempo para fazer trabalhos que pudessem ser diferenciados e agregar valor para a turma e para o professor. Mesmo com o coração batendo fora do peito e a insegurança, eu me candidatava para apresentar os trabalhos. Iniciava sempre muito tensa, mas terminava feliz por ter conseguido dar o melhor de mim. Ficava até o último minuto de cada aula e aproveitava, enquanto o professor arrumava as suas coisas, para lhe fazer perguntas e solicitar mais referências.

 

 

Lembro de trabalhar o dia todo, chegar em casa muito tarde e ainda avançar noite adentro estudando e fazendo os trabalhos. Após um ano e meio de muito esforço, no último dia de aula, ao término da defesa da monografia, o meu querido coordenador, Márcio Amadi (que já não está mais entre nós) convidou-me a ir ao fundo da sala e fez o convite para eu me tornar professora. Foi um dos dias mais felizes da minha vida, porque realmente eu queria aquilo. E daquele dia em diante, honro cada minuto, cada oportunidade que tenho em poder ser professora. E nessa trajetória, entre o primeiro e o último dia de aula, encontrei pessoas que acreditaram em mim – e isso fez muita diferença: Celi Langhi, minha Professora de Metodologia Científica – essa, sim, tem talento; Professora e agora minha sócia, Claudia Serrano; Professor Claudio Queiroz, mestre com as palavras.

No ano passado, tive a oportunidade de conhecer e me inspirar com história de vida do Antonio Raimundo, ou Rai, como muitos o conhecem. Ele me fez refletir o quanto eu estava desistindo rápido demais, desde as pequenas até às grandes coisas e que, com o tempo, eu talvez tenha perdido a minha perseverança. O propósito do Rai tem a ver com a vontade de crescer por meio do estudo. Baiano, de família muito humilde, é o mais velho de dez irmãos. Chegou a passar fome e, desde muito pequeno, precisou encontrar alternativas criativas para ajudar os pais no sustento da casa.

Eu o conheci no Programa de Educação Continuada, da Universidade Corporativa do Esporte Clube Pinheiros. Sempre realizo a aula de abertura desse programa e fiquei logo sabendo que era a quinta vez que ele tinha se inscrito para ser aluno e que somente agora tinha sido sorteado. Ele nunca desistiu. Depois me contaram que ele morava em outra cidade e que para voltar para casa, pegava 3 conduções e gastava 3 horas e meia, sendo que no outro dia, acordava na madrugada para retornar ao trabalho. Com sotaque contagiante, era nítida a felicidade de Rai em estar ali. Depois fiquei sabendo por outra professora do programa, que ele havia ido à aula, mesmo com um problema bucal sério que o levou a ter uma hemorragia. No dia da formatura, eu me interessei em saber um pouco mais sobre a sua história. Ele estava radiante com a conclusão do curso. Contou que aos 40 anos, resolveu voltar a estudar e decidiu prestar o ENEM (Exame Nacional do Ensino Médio). Muitas pessoas o desestimularam, dizendo que era impossível passar depois de tanto tempo tendo concluído o ensino médio. Mas Rai não acreditou, pois o seu propósito o impulsionava. Sem dinheiro para comprar as apostilas, ele deu um jeito de emprestá-las e estudou o máximo que podia. Resultado: passou e conseguiu uma bolsa de 100%. Não faltou um dia sequer da faculdade e concluiu sua graduação com muito orgulho. Hoje o Rai faz Pós graduação na Fundação Getúlio Vargas e vez ou outra eu recebo mensagens contando sobre seus êxitos.

 

Vou relatar três das mensagens que recebi. A primeira foi que um dos primeiros professores do curso convidou os alunos para estudarem um artigo e, posteriormente, solicitou que um deles fizesse uma apresentação. Ele disse que ninguém se manifestou, todos em silêncio. Ele reuniu toda a sua coragem e foi lá para frente. Enfatizou que não foi tão bem, mas que fez o melhor que podia naquele momento. A segunda mensagem foi para trazer a sua primeira nota, de Marketing Empresarial: 9,1, aprovado com 100% de presença. E a terceira, que até me emocionou: um dos professores, o de Negociação e Conflitos, levou um livro de presente para ele escreveu a seguinte dedicatória: “Ao guerreiro Rai, pela empatia, pelo exemplo de vida, e pela esperança na educação como instrumento de transformação.”

E o que o Rai me inspirou a pensar? Como desisto rápido do que desejo!!! Exemplifico. Entro para pagar uma conta no banco, coisa rápida, leitura digital. Por algum motivo, dá errado, algumas vezes tento novamente, mas logo desisto. O tempo passa e a conta vence. Aí, eu tenho que gerenciar a consequência da tarefa não cumprida. O que tenho feito agora é tentar mais vezes e surpreendentemente, sempre tem dado certo. Fui à uma loja com uma amiga em um outro país. Enquanto ela escolhia algumas coisas, tirou o seu casaco e distraidamente o deixou em algum lugar, estava muito frio lá fora! Após passar as compras no caixa, ela percebeu que tinha perdido o casaco. Fiquei na porta da loja enquanto ela voltava a todos os lugares que passou na busca do casaco. Ela foi e voltou à porta da loja duas vezes; na terceira, ela me chamou para irmos embora, dizendo que estava convencida que não havia mais o que fazer. O casaco aqueceria daquele frio intenso. Imediatamente, lembrei do Rai e o que ele me aconselharia a fazer naquele momento. Eu disse a ela que tentasse só mais uma vez. Ela voltou ao interior da loja e poucos minutos depois, lá veio ela com um sorriso estampado no rosto, exibindo seu casaco. Uma Senhora estava à procura de quem o havia perdido.

 

Tudo isso me faz pensar que boa parte de nós somos muito bons em desistir. Mas por que desistimos tanto e tão facilmente? Lembrei de uma de minhas referências na Psicologia, Viktor Frankl – neuropsiquiatra austríaco, fundador da Logoterapia (fundamentada na busca de sentido da vida), que passou por uma dramática experiência em quatro campos de concentração – quando ele diz a famosa frase: “quem tem um porquê, pode suportar qualquer como.” Será que muitas vezes ficamos tão paralisados pelas adversidades e esquecemos de nos conectar aos nossos porquês, aquilo que fato, nos traria o combustível para perseverar?

Assim eu tenho seguido, sempre me perguntando sobre minha verdadeira intenção e se o que estou passando é um somente um momento a ser superado. Então me conecto ao porquê, respiro, tomo fôlego e sigo em frente. E posso dizer que tenho realizado muito mais nesses últimos dois anos, tenho conseguido concluir muitas coisas que são de meu desejo. Agradeço ao Rai, personagem da vida real, por compartilhar a sua história e me inspirar a ser melhor todos os dias.

 

 

A contabilidade do esforço versus a do talento!

Um dos meus questionamentos, conforme já indaguei acima, tem a ver com o número de vezes que desistimos dos nossos objetivos. Digo “nossos” objetivos e não aqueles que as pessoas nos delegaram. E mais uma vez, a pesquisa da Dra. Angela nos traz muitos esclarecimentos sobre pessoas que chegaram lá e atingiram altos níveis de êxito. Vou expor a explicação sobre o que ela considera em sua teoria:

“O talento é a rapidez com que as habilidades de uma pessoa aumentaram quando ela se esforça. Êxito é o que acontece quando essa pessoa utiliza as habilidades requeridas. É claro que as oportunidades dessa pessoa – por exemplo, ter um excelente treinador ou professor – também são de enorme importância, talvez mais do que qualquer característica individual. Minha teoria não leva em conta essas forças externas, nem a sorte: ela trata da psicologia do êxito. Contudo, como psicologia não é tudo o que importa, minha teoria é incompleta.

E continua…

“(…) Segundo essa teoria, quando consideramos pessoas em circunstâncias idênticas, o resultado obtido por cada uma delas depende somente de duas coisas – talento e esforço. É claro que o talento (a rapidez com que melhorarmos nossas habilidades) é importante. No entanto, o esforço entra nesse cálculo duas vezes, e não apenas uma. O esforço constrói a habilidade. Ao mesmo tempo, o esforço torna a habilidade produtiva.”

Suas pesquisas nos levam a concluir que o esforço tem um impacto duas vezes maior que o talento, e que talento sem esforço é apenas uma habilidade potencial. Para complementar, entendo que o combustível para o esforço é a clareza de propósito em relação a tudo o que intencionamos. Pensando assim, faz muito sentido que alguns de nós, professores de comportamento humano, saiamos provocando nossos alunos para que identifiquem seus propósitos. A minha tese é que, dessa forma, existe maior possibilidade de aumentar seus níveis de perseverança.

O meu propósito em fazer a diferença na vida dos meus alunos tem me levado a querer ser uma melhor professora todos os dias. Então, eu me esforço para ler mais coisas, aprender mais e melhor os conteúdos de aula, de maneira a torná-los cada vez mais úteis e passíveis de serem colocados em prática. Sempre me acho obsoleta e corro atrás para suprir esse gap. O Rai acredita que sempre poderá ir além com a educação e, aos 50 anos, esforça-se muito lendo nos ônibus e metrôs, dormindo menos horas que o recomendado para concluir a sua Pós-graduação.

 

 

Sabemos que a vida é feita de altos e baixos e que o nosso desafio é buscar sempre o equilíbrio. Compreendo que existirão muitos momentos difíceis, que nos levarão a pensamentos e desejos de desistirmos daquilo que realmente queremos. Momentos em que as dificuldades nos distanciarão daquilo que desejamos. Mas precisamos ter em mente, como nos esclarece Dra. Angela Duckworth, que somos tomados por padrões de pensamentos que nos levam a abandonar os nossos objetivos. Pensamentos do tipo: “Isso não vai dar em nada, estou perdendo tempo, as coisas não avançam”. E fica o alerta de que esses pensamentos de desinteresse podem estruturar o comportamento da desistência – embora precisemos entender que, em alguns momentos, sentir-se desinteressado é algo legítimo. Então, o antídoto é para que voltemos nossos pensamentos e atenção aos nossos objetivos – e seguir em frente!

Malika Choppra, no livro “O que vale é a intenção – como transformar suas intenções em ações, vivendo com equilíbrio, paz e alegria”, escreveu a seguinte frase:

“Dar passos positivos em direção a nossos objetivos – ir do pensamento à ação – proporciona um movimento para a frente, mesmo se for medido em passinhos curtos. Isso infunde confiança e reforça o ímpeto. A vida é cheia de incertezas, mas pôr um pé na frente do outro e ter uma visão de onde podemos chegar é uma forma de assumir o controle e aproveitar todo o potencial disponível”.

E você, tem aproveitado todo o seu potencial? Tem se esforçado mais ou desistido mais? Sabe o que realmente deseja? Cuidado para não ficar “soterrado” na rotina e se levar para um lugar que não gostaria de ter ido. Cuidado com o barulho do mundo de fora que ecoará no mundo de dentro, fazendo com que você não seja capaz e deixe de empreender esforços naquilo que realmente deseja. Não me julgo uma pessoa com muitos talentos, mas sei que meus esforços recorrentes têm me ajudado a ter êxito. E seguirei assim pela vida… sendo esforçada e cheia de propósitos!

Referências bibliográficas

– CHOPPRA, M. O que vale é a intenção – como transformar suas intenções em ações, vivendo com equilíbrio, paz e alegria. São Paulo: Gente, 2015.

– DUCKWORTH, A. L. Garra: o poder da paixão e da perseverança. Rio de Janeiro: Intrínseca, 2016.

– DUCKWORTH, A. L.; PETERSON, C.; MATTHEWS, M. D.; KELLY, D. R. Grit: Perseverance and passion for long-term goals. Journal of Personality and Social Psychology, v. 92, n. 6, p. 1087-1101, 2007.

– FRANKL, V. Em busca de sentido: um psicólogo no campo de concentração. Traduzido por Walter O. Schlupp e Carlos C. Aveline. 25 ed. Petrópolis: Vozes, 2008.

– PINK, D. H. Motivação 3.0 – os fatores motivacionais para a realização pessoal e profissional. Rio de Janeiro, Elsevier, 2010.

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Izabela Mioto

Izabela Mioto

Intenciona todos os dias comunicar a luz que enxerga em cada pessoa para ajudá-la a trazer à tona o seu potencial para si e para o mundo. Desbrava caminhos, pensa em soluções diferenciadas, com a intenção de ajudar na transformação de pessoas e contextos.

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