“A consciência da complexidade nos faz compreender que não poderemos escapar jamais da incerteza e que jamais poderemos ter um saber total.” Edgar Morin
Durante minhas experiências de quase vinte anos como professora de cursos de Pós e MBA, líder, empresária e facilitadora de programas de desenvolvimento, sempre me instigaram a pensar quais os principais desafios desse “lugar”, o da liderança. Sob uma perspectiva ampla, somos líderes não somente de negócios: podemos escolher papeis de liderança que assumimos ou não em nossas vidas. Como então nos conduzir em um estilo que seja capaz de gerar impactos positivos, promovendo contextos emocionalmente seguros para proporcionar desenvolvimento contínuo e para que se possa colher bons frutos?
Capa da revista Exame de fevereiro de 2020, uma reportagem chama muito a atenção: Burnout: o esgotamento pelo trabalho é o tema de gestão de pessoas mais quente de 2020.
Excessos têm trazido perdas econômicas e sociais, e não podem mais ser ignorados. Dados apontam que 72% da população brasileira tem alguma sequela de estresse e que, destes, 30% sofrem de Burnout – índices altíssimos, que podem impactar significativamente não apenas a economia, mas o desenvolvimento do potencial humano.
Ao prefaciar o livro “Segunda Simplicidade”, de Luciano Meira, menciono o quanto faz sentido o que ele escreveu sobre a ideia de migrar as áreas de T&D ou mesmo as universidades corporativas para a criação de Escolas do Florescimento Integral do Potencial Humano. Até o momento, a percepção é de que temos nos orientado para desenvolver as competências necessárias apenas para o atingimento de resultados. Luciano destaca que, se continuarmos trabalhando em prol daquilo que é menos importante, não alcançaremos um equilíbrio ou a plenitude desse potencial, seja ele em relação às pessoas ou aos próprios resultados. Afinal, se as pessoas atingirem o máximo do seu potencial, terão muito mais condições de promover e sustentar excelência nos resultados. Para mim, não há outro caminho.
Dessa forma, a Liderança Transformativa® nasce para ser a perspectiva que leva em consideração o indivíduo, atuando no máximo do potencial possível para aquele momento, sem perder de vista que a arte da vida está em “afinar o instrumento” todos os dias, com a perspectiva da evolução contínua. O alerta para o que temos visto atualmente é que o elástico está tão esticado que estamos colapsando. Muita gente certa no lugar errado; muita gente inconsciente em lugares de poder, em que decisões são tomadas inadvertidamente.
Li diversas teorias e posso dizer que a maioria delas sempre fez sentido para mim. Mas a partir daí, tive uma inquietação: como essas teorias se articulam e como posso conectá-las para construir uma perspectiva que ajude líderes a encontrar um lugar de equilíbrio, leveza e autor responsabilidade, considerando toda a complexidade que as ações de liderança trazem? Estas perguntas me “perturbaram” por mais de cinco anos e somente agora, talvez, eu tenha iniciado um pensamento que facilite o meu entendimento sobre essas questões.
Ao citar o que chamo de “teoria” da Liderança Transformativa®, não tenho a pretensão de trazer nada novo, mas sim, a partir de várias referências, pesquisas e autores, estruturar uma maneira de pensar que tem me ajudado nessa tão buscada compreensão. Meu objetivo é trazer uma proposição para um tema que tem se tornado cada vez mais importante e relevante: como influenciar pessoas e sistemas de maneira que se possa tomar decisões sustentáveis e que sejam capazes de promover evolução.
Uma primeira reflexão que trago é sobre a complexidade que o ato de liderar-nos apresenta. A teoria da complexidade, tal como propõe Edgar Morin, nos ajuda a pensar sobre isso. Complexidade vem do latim complexus, aquilo que é tecido em conjunto; é o tecido formado por diferentes fios que se transformam em uma só coisa. Morin considera que, por vezes, ficamos restritos a pensamentos multifacetados, nos quais levamos apenas um aspecto em consideração e que incertezas e contradições fazem parte da condição humana. Ele cita: a aspiração à complexidade tende para o conhecimento multidimensional. Ela não quer dar todas as informações sobre um fenômeno estudado, mas respeitar suas diversas dimensões. O pensamento complexo não compartimentaliza, mas une conhecimentos separados, pois há risco de decisões erradas ou ilusórias quando os pensamentos são mutilados. A lógica deveria nos servir de muletas, nunca de pernas, explica Morin. O autor ainda nos ajuda a compreender que um sistema é mais e menos do que aquilo que poderíamos chamar de soma de suas partes: menos quando existem coações que inibem as potencialidades das partes, e mais quando se é possível observar o todo organizado como sendo alguma coisa maior que a soma das partes, porque faz surgir qualidades que não existiam nessa organização.
Uma das citações de Morin trouxe uma das melhores bases para a construção da minha perspectiva. Ele cita Pascal: “Só posso compreender um todo se conheço, especificamente, aspartes, mas só posso compreender as partes se conhecer o todo”. O primeiro pressuposto que trago é sobre a importância de, em tomadas de decisão, considerar integrar e energizar todas as partes envolvidas. E uma reflexão importante é: quais os desafios encontrados para que todas as partes sejam energizadas.
A teoria Integral é um resultado exaustivo de pesquisa intercultural, ao longo de centenas de culturas pré-modernas, modernas e pós-modernas e os vários mapas da consciência e cultura humana que elas oferecem. Wilber cita que, dessas pesquisas, surge um “Mapa Abrangente” da composição humana, partindo por colocar juntos todos os mapas conhecidos na mesa e, então, usar cada um para preencher qualquer lacuna que houver nos outros, resultando num mapa abrangente e genuinamente inclusivo das dimensões básicas, níveis e linhas que são os principais potenciais de todos os seres humanos. Vale a pena estudar as ideias de Wilber que, em minha opinião, tem sido um dos mais importantes pesquisadores de vanguarda. Trata-sede uma teoria que considera toda a complexidade existente, juntando-as em uma perspectiva de inclusão.
Laloux traz essa tese para as organizações e apresenta sua pesquisa, considerando empresas que sejam capazes de operar na etapa Integral (Teal). Ao final, Wilber cita que “uma das grandes descobertas da obra de Laloux é que hierarquias de atualização podem florescer quando as hierarquias dominantes são removidas. Uma companhia de 500 indivíduos possui não só um, mas 500 CEOs, entre os quais qualquer um pode ter uma ideia inovadora e ser capaz de implementá-la, uma verdadeira jogada de auto gestão que é uma das principais razões para o surpreendente sucesso de tantas dessas organizações. Cabe conectar essa pesquisa com o exercício de uma liderança mais inclusiva, que considere as várias perspectivas e que tem no desenvolvimento da autonomia um aliado para sustentar boas práticas e boas decisões.
Mas, no que se configura essa “filosofia de liderança”?
Trata-se de uma atuação que exige duas condições essenciais: o líder deve ter um nível de maturidade e capacidade de se relacionar com situações de incerteza e vulnerabilidade, considerando que precisará fazer a gestão de todos os envolvidos nesse campo para que exista uma conexão para a cocriação de novas formas, engajando pessoas em propósitos maiores. Assim, temos o cerne dessa teoria: liderar é tomar decisões o tempo todo, e a qualidade dessas decisões pode promover uma involução, levando até ao desaparecimento de um sistema; pode manter o status quo até o momento em que decisões mais radicais sejam requeridas; ou pode mobilizar decisões que mantenham um sentido e engajamento, mesmo para quando algo precise se desordenar para se reordenar em uma forma mais produtiva. E o grande desafio? Se vivemos em sistemas complexos em que muitas decisões precisam ser assimiladas, estando em consenso e alinhamento para direcionaras intenções em realizações, a maneira com que um líder toma decisões será fundamental.
Eu os convido a refletir:
1) Como seria uma decisão tomada por um líder que considera somente seus próprios interesses, não tendo muita empatia sobre como as pessoas se sentirão com aquela decisão e se será a melhor escolha para aquele contexto;
2) De uma outra maneira, um líder que toma decisões procurando se integrar às necessidades do contexto e das pessoas, mas não considera se aquilo que decidiu lhe trará tranquilidade, intimamente falando. Há casos de lideranças que sacrificam a vida pessoal; outros, mesmo sem ter total consciência disso, passam por cima de seus valores;
3) Uma decisão em que se leve apenas em consideração o que é bom para um contexto que pode ser representado por uma empresa, sem que se dialogue e inclua a percepção das pessoas; dentre outras maneiras de decidir que não levam em consideração o diálogo e a percepção de todas as perspectivas.
Mesmo que não seja possível atender às demandas das diversas partes, é importante trazer o sentido de inclusão e ter a oportunidade de dar contexto às decisões. É claro que esse tipo de atitude dá trabalho, requer mais tempo focado na interação e na comunicação; por outro lado, promove o pensamento crítico e criativo, cria senso de pertencimento e ajuda no desenvolvimento da maturidade e autonomia das pessoas.
Para “transitar” bem por essa maneira de liderar, é preciso desenvolver algumas competências que são divididas na teoria, da seguinte maneira:
C1: É onde tudo se inicia, na compreensão de si. Trata do desenvolvimento da inteligência intrapessoal que traz em seu bojo, de acordo com Goleman, três habilidades – autoconhecimento, automotivação e autocontrole. Aqui, estimula-se o diálogo interno e a busca de estímulos para se ter a melhor compreensão possível de si. Grande parte dos autores de vanguarda enfatizam que a chave de uma boa liderança está no autoconhecimento;
C2: Após a compreensão de si, é possível desenvolver uma integridade e uma maturidade que facilitam a compreensão dos outros. São desenvolvidas habilidades da inteligência interpessoal, com foco na empatia e sociabilidade,e ênfase para a questão da compreensão versus julgamento;
C3: Este é o espaço de entendimento de como os níveis de consciência,ao longo da história, nos atravessam; de como a cultura, a linguagem, a evolução do nosso cérebro nos condicionam para alguns comportamentos. É a compreensão dos contextos em que estamos inseridos, desde o micro ao macro;
C4: Aqui está a ação da liderança transformativa, por isso o nome: trans.for.ma.ti.vo – adj (transformar+ivo) Que pode transformar. Que tem o poder de converter uma coisa em outra.(http://michaelis.uol.com.br).
É no C4 que podemos perceber se a qualidade das ações é construtiva ou destrutiva, e qual a importância da ética e da integridade para que se chegue ao ponto principal da teoria, o ponto T;
Ponto T: É o ponto de transformação, que parte da conexão entre C1, C2, C3e C4, marcando um ponto de aprendizagem e transcendência;
C1, C2 e C3 – compreensão; C4 – ação.
O prisma da LIDERANÇA TRANSFORMATIVA®
No exato espaço de encontro do equilíbrio entre C1, C2 e C3 está posicionado o C4, responsável pela conexão e pela cocriação de sentido, sendo este o responsável por transformar a figura do triângulo em um prisma, ganhando a forma tridimensional. O ponto projetado para cima e representado pela letra “T”, de Transformação, marca o ponto de aprendizagem, a partir do qual já não somos mais quem éramos antes. Portanto, transcendemos para um novo momento, um novo ser, um novo relacionar, um novo liderar e incluímos o que foi aprendido em um fluxo contínuo e ascendente.
Para finalizar, o líder transformativo é aquele capaz de, com consciência do poder que suas decisões traz, promover o pensamento crítico e criativo por meio do diálogo, engajar as pessoas em propósitos superiores, fazendo a roda girar comum “motor” tão potente que é capaz de gerar saltos de consciência que transformam contextos.
Referências
COLLINS,J. Empresas feitas para vencer: por que algumas empresas alcançam a excelência…e outras não. Rio de Janeiro: Alta Books, 2020.
DIAMANDIS,P. H., KOTLER, S. Abundância: o futuro é melhor do que você imagina. Rio de Janeiro: Alta Books, 2018.
GOLEMAN,D. Inteligência emocional. São Paulo: Objetiva, 1996.
LALOUX,F. Reinventando as organizações: um guia para criar organizações inspiradas no próximo estágio da consciência humana. Minas Gerais: Editora Voo, 2017.
MCCORD,P. Powerful: como construir uma cultura empresarial de liberdade e de responsabilidade para responder aos desafios da gestão de talentos. Sabedoria Alternativa Edições,2000.
MEIRA,L. A. A segunda simplicidade: bem-estar e produtividade na era da sabedoria. Goiânia: Editora Caminhos.
MORIN,E. Introdução ao pensamento complexo. Porto Alegre: Editora Sulina, 2015.
MORIN,E., ALEXANDRE, M. Ciência com consciência. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil,1993.
Revista Exame, edição 1203, de 20 de fevereiro de 2020. Burnout: o esgotamento pelo trabalho é o tema de gestão de pessoas mais quente de 2020. Os excessos trazem perdas econômicas e sociais – e não podem mais ser ignoradas. São Paulo: Editora Abril, 2020.
SCHARMER,O. Teoria U: como liderar pela percepção e realização do futuro emergente. Rio de Janeiro: Alta Books, 2019.
Diversos autores. Mapeando Diálogos: ferramentas essenciais para a mudança social.