Letramento racial, para quem se destina?

Letramento racial, para quem se destina?

Suponhamos que você lidera um time, no qual há um colaborador com dinâmicas bem particulares – ele, em sua atuação, sempre consegue vantagens e privilégios sobre os demais. E essa diferenciação não ocorre porque ele seja mais inteligente, mais sagaz, mais preparado ou qualquer outra competência de destaque, mas, sim, porque ele conseguiu uma brecha na empresa e vem aplicando suas táticas que geram vantagens unicamente para si mesmo. Como você agiria diante dessa injustiça? Manteria suas práticas como de costume ou faria uma intervenção em prol do coletivo? Aposto que faria o melhor, ou seja, uma reparação para essa situação.

   Letramento é um conceito que vem se popularizando. Quanto mais estudamos, mais percebemos que precisamos nos aprofundar nas temáticas, assim como nas tendências. Então, surgem as novas demandas, a exemplo do letramento digital, mas também ganham força as temáticas mais estruturantes, entre elas o letramento racial, o emocional, entre outros. Letramento racial é para todos! Por meio dele acessamos o conhecimento histórico que nos falta para compreender que muitos crimes foram cometidos e que para diminuir o impacto traumatizante que foi gerado, temos de realizar reparações sociais.   

    Vivemos em comunidade e somos interdependentes; portanto, o todo nos afeta e nós afetamos o todo. Sem romantismos, de fato, temos nossas responsabilidades na sociedade, além de ética e cidadania. Há um compromisso com nossos ancestrais e com as gerações futuras. Somos o resultado das diversas decisões que foram tomadas antes de nós. Escolhas essas que para muitos geraram privilégios e para outros estabeleceram dificuldades. Não basta seguirmos rumo a um futuro melhor. Precisamos atuar em um presente mais justo e colaborativo. Devemos intervir para que mais oportunidades e acessos sejam gerados àqueles que foram privados.

    Historicamente o mundo gerou e continua promovendo guerras. Desde os primórdios da civilização as batalhas se estabeleceram com a perspectiva de escassez. Entendia-se que era preciso lutar para conquistar algum recurso para si, ao mesmo tempo que o privava do outro. Com isso buscava-se o suprimento das necessidades pelos diversos grupos. Conforme um combate acontecia, o ganhador escravizava o povo que sucumbira na batalha até que houvesse uma nova disputa e o cenário fosse alterado. A escravização, nessa conjuntura, se fazia móvel. Ela era determinada pelo vencedor que ora era um povo, ora outro.

    Contudo o contexto nas Américas, e, por conseguinte no Brasil, teve um grande diferencial, a sua determinação. O povo escravizado não foi um grupo que perdeu a batalha, mas um coletivo de pessoas que, a partir de características físicas, foi subjugado como servidor e, com isso, fixou-se privilégios para alguns de forma atemporal. Ou seja, o povo escravizado não teria oportunidade de ascender na sociedade. Pelo contrário, seria sempre escravizado, ele nasceria escravizado. Esse entendimento partiu de uma desumanização de pessoas, provocando uma marca indelével, uma mancha na alma e a perpetuidade pela sua descendência.

    A raça passa a ser uma construção branca. A branquitude constitui-se Ser a partir do outro enquanto Não Ser. O branco se coloca como referência em todo e qualquer padrão e faz uma alteração negativa – reconhecendo a diferença no outro, e ao mesmo tempo, hierarquizando a partir dessa diferença. A verdade é que o padrão da sociedade vai além da raça, ele engloba diversos outros marcadores e os hierarquiza da mesma forma, por gênero, por idade e tantos outros.

    Educamos e somos educados em um entendimento centrado no homem branco cis [pessoas que se identificam com o gênero que é designado quando nasceram], vide nos livros e publicações, a referência dentro da evolução humana nunca é diversa, continua sendo representada do macaco ao homem [branco, cis, com idade média “produtiva”, magro, forte, entre outros marcadores]. Repetimos a produção de um padrão de humanidade que é, por sua essência, discriminatório. Mulheres, deficientes, idosos e outros grupos majoritários, que são minorizados, não se veem representados nesta e em outras imagens.

     Não há reconhecimento, não há representação e, quando há, são justamente referências negativas, estão vinculados com estigmas e, por isso, desvalorizados pela população. A partir disto, a sociedade odeia e cada ser humano reproduz esse mesmo ódio, uma pessoa odiada também odeia, bem como aos seus semelhantes. O ódio direcionado a si mesmo se estabelece e fortalece as distâncias que foram estabelecidas há tantos anos. Atingimos um lugar altamente pulverizado, no qual a compreensão do que se estabeleceu, e do que continua sendo perpetuado não é perceptível, estamos alienados, enxergamos pequenas partes, não entendemos o todo. Para as pessoas pretas se faz necessário aceitar-se negras, mas acima disso celebrar-se negras.

    O embranquecimento perpetua-se em todas as camadas e com isso reforça sua continuidade. O poder é embranquecido, a beleza é embranquecida, a cultura é embranquecida. Faça uma autoavaliação: quais são as suas grandes referências em autores, atrizes, poetas, líderes, CEOs e outros profissionais? O embranquecimento está em tudo. Dos fornecedores e marcas que você compra, aos lugares que frequenta, até as relações de amizade que estabelece. 

     Já entendemos que racismo no Brasil é fenotípico, caracterizado tão e exclusivamente pela estética das pessoas. Como a música Alegria da Cidade de Margareth Menezes: “Minha pele é linguagem e a leitura é toda sua”; é a cor, o cabelo, os traços que são entendidos como brancos, mais próximos dos brancos ou negros. E, com isso, outro fenômeno perverso surge a “passabilidade”, marcada pelos pseudo privilégios dos pretos de pele clara perante aqueles de pele retinta e traços  afrodescendentes. Essa dinâmica toma dimensões assustadoras, quando nos deparamos, por exemplo, com o censo de 2019 que afirma que um jovem negro morre a cada 23 minutos no Brasil.

    Confundimos direito com educação, subvertemos valores e a valorização, por exemplo as culturas ancestrais – nas quais os anciões são pessoas sábias e, por isso, prestigiadas com cuidado e espaço para compartilhamento do seu conhecimento, como ocorre com os povos indígenas, – foram substituídas por uma sociedade que descarta as pessoas mais velhas. Tentamos ao máximo descaracterizar a idade, minimizando rugas, cabelos brancos e outros traços, até o momento em que enquadramos essa pessoa em um papel secundário dentro da conjuntura familiar e comunitária. O escritor Amadou Ampatabá (1901-1991) já dizia que “o ancião é um livro em que suas páginas estão sendo levadas pelo vento” e, dentro da nossa dinâmica frenética de ascensão e acúmulo, nem percebemos que algumas coisas se esvaem para sempre. 

   Como o saudoso ativista dos direitos civis e humanos Abdias Nascimento (1914-2011) afirma, a “matemática” social é básica, para apenas algumas vidas serem importantes, outras precisam ser desimportantes. E neste entendimento inclusive as pessoas brancas antirracistas continuam com seus privilégios, elas herdam essa condição e são tratadas diariamente a partir desta construção social coletiva. Todas as pessoas brancas são beneficiárias, o que elas podem e devem escolher é não ser signatárias, ou seja, que elas atuem de forma consciente para ressignificar a segregação que ainda existe pela raça, destinando inclusive o seu lugar de poder e privilégio para o outro. Quantas vezes diante de uma vaga, de uma oportunidade, você se privou de ocupá-la para que ela fosse disponibilizada para uma pessoa de um grupo minorizado? Sim, nós humanos também temos disso, ora não reconhecemos o racismo, ora ao verbalizá-lo como uma realidade. Sempre aguardamos a reparação social pelo outro e estamos constantemente nos esquivando das nossas responsabilidades que foram herdadas assim como os nossos privilégios. 

     Uma pesquisa muito interessante aponta que 81% dos brasileiros declaram que o nosso país é uma sociedade racista e ao mesmo tempo apenas 11% reconhecem ter atitudes racistas. Todo mundo sabe que o racismo existe, mas o difícil é encontrar o racista. A branquitude atua de forma subjetiva, como um pacto não verbalizado, mas que está lá, nos olhos dos avaliadores, nos ouvidos dos entrevistadores e na decisão dos contratantes, que continuam a perpetuar os mesmos padrões de escolha e promoção. Quantas vezes você pode ter sido racista apenas hoje, pelo seu pensamento, olhar, expressões, escolhas e tantas outras atitudes do cotidiano?

    O racismo não é desconstruído sozinho. É um mal social coletivo, e a branquitude herdou isso. Exterminar a branquitude fala sobre a eliminação do sistema de manutenção do privilégio estabelecido – que se materializa nas práticas cotidianas que sustenta o privilégio branco -, e não sobre cada ser humano de pele branca. Assim como exterminar a negritude é sobre eliminação de um grupo social com a destituição de direitos e não sobre cada ser humano de pele preta ou parda. Estamos nos referindo à exterminação da injustiça. Uma pessoa letrada pode aplicar este conteúdo de acordo com as demandas sociais, como você tem contribuído para que a diversidade racial seja uma referência positiva, em vez de uma mancha triste que se perpetua na nossa história com seu consentimento?   

Este artigo foi construído a partir das reflexões, falas, participações e conteúdos promovidos durante o curso “letramento racial”, ministrado pela professora Dra. Bárbara Carine Soares Pinheiro (@uma_intelectual_diferentona).

Para se aprofundar, a partir da perspectiva negra:
Discutindo a mestiçagem no Brasil de Kabengele Munanga

Negritude de Kabengele Munanga
Dispositivo de racionalidade de Sueli Carneiro
Tornar-se negro de Neusa Santos Souza
Pele negra, máscaras brancas de Frantz Fanon
O pacto da branquitude de Cida Bento
O genocídio do negro brasileiro de Abdias Nascimento
Racismo Estrutural de Sílvio de Almeida

Para se aprofundar, a partir da perspectiva de outros grupos:
Entre o encardido, o branco e o branquíssimo de Lia Vainer Schucman

“Eles combinaram de nos matar, mas a gente combinamos de não morrer.” 

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Inteligência emocional na prática

Inteligência emocional na prática

“A mente é seu próprio lugar e, por si mesma, pode tornar o inferno um céu e o céu, um inferno.”

John Milton

 

O despertador não tocou. Eram 7h30 e a reunião começaria às 8 horas em ponto. O deslocamento de casa para o trabalho levaria no mínimo 20 minutos. O coração disparou, e a ansiedade tomou conta de Luiza. Ela seria a primeira a se apresentar. Levantou-se correndo e seu dedinho do pé direito foi quase esmagado na quina da cama. Após a higiene pessoal, vestiu-se rapidamente, apanhou a bolsa, abriu a porta e se dirigiu ao elevador. Antes de descer, se lembrou de que está faltando algo. Esqueceu a mochila com o notebook. Como faria a exposição sem o computador? Dias de intensa dedicação estavam nele. Por segundos, ficou com muita raiva do seu celular, acreditando que ele já não respondia mais aos seus comandos. “Preciso trocá-lo!”, logo pensou! Para complicar, no seu retorno, os elevadores resolveram dar uma volta até o último andar. No subsolo, ligou o seu carro e seguiu em direção à empresa. O trânsito não estava tão carregado, mas o aplicativo apontava dez minutos até o destino. A moça comunicou ao seu gestor que o trânsito se complicou e que se atrasaria uns 10 minutinhos.

 

      Mas só chegou 20 minutos após a reunião ter começado. Por esse motivo, a ordem das apresentações foi invertida. Não conseguiu prestar atenção em uma só palavra e foi tomada por um diálogo interno: “Isso não poderia ter acontecido, é por isso que não vou progredir na carreira. Tantos dias de trabalho e o despertador não toca justamente hoje. Que vergonha eu ter chegado atrasada!”.

 

      Finalmente, é a sua vez. É possível perceber a sua respiração ofegante e que ela não tem a melhor qualidade de presença. Sua explicação fica mais restrita ao que está consta nos slides. Seu gestor faz uma brincadeira no meio da participação dela, o estado emocional de Luiza melhora um pouco e ela se conduz mais harmônica até o final. Porém, nas apresentações que seguiram, ainda se sentia muito aérea e culpada, com aquela sensação de que algo não estava bem e isso roubou muito da sua energia!

 

      No livro de Susan David, Agilidade Emocional, a autora nos convida a dançarmos mais do que lutarmos com a vida e com as circunstâncias. Ela nos faz refletir que, com autocompaixão, podemos transformar os nossos desafios diários em oportunidades, sem perder o foco daquilo que realmente desejamos.

 

      Uma das perguntas que ela faz que iremos nos ater aqui é: quantas voltas no quarteirão você tem dado? A autora afirma que “andamos (ou corremos) repetidamente em volta dos quarteirões das nossas vidas, obedecendo a regras que são escritas, implícitas ou simplesmente imaginárias, presos ao costume de ser e fazer coisas que não são úteis. Por vezes, somos instrumentos de corda, indo repetidamente de encontro às mesmas paredes sem perceber que pode haver uma porta aberta à nossa esquerda ou à nossa direita”.


        Vamos analisar o que aconteceu com Luiza? Para isso, voltaremos à sua infância e entenderemos o que são as suas voltas no quarteirão. Abordaremos sobre a gestão dos pensamentos que interferem nas nossas emoções, sendo essas os condicionantes de nossos comportamentos.

Nossas experiências de infância interferem!

Precisamos compreender que as nossas vivências quando crianças e os padrões que aprendemos durante nossa trajetória têm forte interferência em relação à maneira como nos comportamos. Muitas vezes, nem nos damos conta desses padrões. Formas que provavelmente tenham sido úteis para nos tornar quem somos, mas que podem nos acompanhar em diferentes circunstâncias, impedindo-nos de alcançar maior discernimento em relação às situações. Luiza mantém a crença de que necessita ser excelente em tudo o que faz, que precisa dar o exemplo e o efeito colateral é que ela não se permite relaxar.

 

Esse ritmo frequente e sem pausas conduz à exaustão, que, por sua vez, nos faz perder o foco em relação àquilo que realmente é importante, nos tira a qualidade de presença e afeta a excelência das nossas ações. A pausa pode ser vinculada, inclusive, a um processo terapêutico, pelo qual podemos encontrar um “espaço” importante para identificar e aprender a gerenciar nossas emoções, inclusive alterar padrões que incorporamos ao longo da vida, mas que já não servem mais para a nossa jornada de desenvolvimento. Lideranças que desfrutam desses espaços são mais humanizadas e promovem ambientes de trabalho com mais segurança psicológica.

 

Na série de aulas sobre história do autoconhecimento, Luciano Meira [@lucianoameira@caminhosvidaintegral], autoridade em desenvolvimento do potencial humano, enfatiza que todo conhecimento possui valor, mas o autoconhecimento tem valor incalculável. Afinal todo conhecimento, científico, técnico ou mesmo de negócio pode perder validade, pois o mundo é instável nesse aspecto. Já com o autoconhecimento isso não ocorre, pois, quanto mais se aprofunda, mas ele se pereniza, e os níveis de consciência se ampliam. E mais: que essa é a única área do saber que propicia um encontro tão rico de perspectivas – tradições espirituais, filosóficas, psicológicas e neurocientíficas. Por isso, investir no conhecimento de si é o principal caminho para gerenciarmos as nossas emoções, pois ganhamos mais clareza acerca do que as condicionam. Líderes que desejam lidar com mais discernimento e eficácia com as adversidades da vida ou os diferentes perfis das pessoas podem encontrar as melhores possibilidades quando dão atenção aos seus processos de autoconhecimento.

Observe seus pensamentos – Quem está no controle: o pensador ou o pensamento?

“O pensamento é o diálogo da alma consigo mesma.”

Platão

 

Muitos de nós estamos aprisionados em nossos pensamentos. Perdemos a liberdade e a qualidade de presença, no sentido de percebermos com mais atenção ao que, de fato, está acontecendo ao nosso redor. Muitas histórias contêm mais inferências do que evidências. E como escreve Susan David, as pessoas acabam sendo “enredadas” por essas histórias: “em um modo específico de pensar ou de se comportar não estão realmente prestando atenção ao mundo como ele é. Elas são insensíveis ao contexto, seja ele qual for. Mais exatamente, elas estão vendo o mundo como elas mesmo organizaram, em categorias que podem ou não ter alguma coisa a ver com a situação em questão”.

 

Nossos pensamentos são carregados por experiências do passado, por aspectos inconscientes que se traduzem em algo que não fomos capazes de resolver totalmente, mas que ficam ali, “martelando”, sem que, ao menos, possamos ter uma percepção consciente de como nos roubam o discernimento. Wellington Nogueira, fundador dos Doutores da Alegria no Brasil, costuma dizer que carregamos muito “lixo mental”. Vale refletir sobre como estamos lidando com isso! Além disso, é essencial nos conceder pausas para deixar ir o que nos impedirá de usufruir da necessária qualidade de presença para que nos conectemos genuinamente aos acontecimentos e fatos.

 

Outro ponto é a forma como “culpamos” as pessoas e circunstâncias e não assumimos a responsabilidade pelo que nos cabe. É interessante observar que Luiza culpou o celular. Parece absurdo, mas é exatamente isso que fazemos muitas vezes. Nessa condição, não empreendemos esforços para ir na direção do que queremos e passamos a acreditar que somos vítimas e que não há nada mais a fazer. As adversidades acontecem, mas o que nós decidimos e fazemos após o fato é que condicionará os momentos posteriores. A respiração, nesse momento, ajuda muito! Pode trazer um alívio de que essa é somente uma dificuldade e que isso não apagará o seu brilho, passará assim como outras que já aconteceram.

Depois dos pensamentos, as emoções!

Você é capaz de perceber os seus sentimentos? Quantas vezes, agimos com raiva e, posteriormente, temos que gerenciar as consequências das nossas próprias atitudes? Quando somos capazes de fazer a gestão dos nossos pensamentos, atuando como observadores de nós mesmos, conseguimos mais facilmente nos autorregular e, claro, obter mais gestão de resultados do que consequências.

 

Não controlamos o que sentimos, mas regulamos as nossas emoções. Susan destaca ainda que se tornar emocionalmente ágil significa “ser flexível com seus pensamentos e sentimentos para responder da melhor maneira possível às situações do seu dia a dia”. Uma estratégia eficaz que contribui com essa habilidade emocional é justamente a clareza da nossa intenção. Quando cultivamos algo importante em nós que mobiliza nossas ações podemos refletir e atuar de modo a honrar esses valores e intenções, bem como de construir um legado maior, em vez de responder às situações pequenas e pontuais.


 Para nos desenredar, não podemos aniquilar nossos sentimentos, pois estaríamos comprometendo nosso próprio bem-estar. Também não podemos reprimir as nossas emoções. Não reconhecer sua existência gera um acúmulo e um transbordamento repentino, pois, em algum momento, essas emoções vêm à tona, como um adoecimento ou uma explosão de raiva. Outro comportamento comum e sem resultados positivos são os denominados por Susan como “ruminadores, pessoas que ficam obcecadas por uma dor, um fracasso percebido, uma deficiência ou uma ansiedade”, aquelas que continuam pensando da mesma forma sobre o mesmo fato e se culpando sobre isso. Saiba que nossas emoções negativas não são ruins. Elas funcionam como um alerta. Podem, sim, claro, se tornar ruins quando não somos capazes de perceber, refletir e agir com mais consciência. Veja que interessante esse trecho que está no livro da Susan David, Agilidade Emocional, de Clayton M. Christensen, saudoso fundador da teoria de Inovação Disruptiva:

“Ano passado, recebi o diagnóstico de câncer. Precisei encarar a possibilidade de que minha vida chegaria ao fim antes do que eu planejaria. Felizmente, parece que serei poupado. Mas a experiência me forneceu um importante insight.

Tenho uma noção bem clara de como minhas ideias trouxeram enorme ganho para as empresas que as usaram; sei que tive um impacto significativo. Mas, ao enfrentar essa doença, foi possível perceber como isso é irrelevante para mim hoje em dia. Cheguei à conclusão que o critério pelo qual Deus vai avaliar a minha vida não é o financeiro. O que contará é cada indivíduo cuja vida toquei.

Creio que assim será para todos. Não fique pensando em quanto destaque pessoal você obteve; pense nos indivíduos a quem ajudou a se tornarem pessoas melhores. Essa é minha recomendação final: pense nos critérios pelos quais a sua vida será julgada e adote a resolução de viver todo dia de modo que, no final, essa vida seja considerada um sucesso”.

 

Cuidado com o mundo de fora e com aquilo que pode confundir você. Olhe para dentro, compreenda-se e encontre o que é sucesso para você. Estou certa de que isso vai tornar a sua jornada de vida mais equilibrada e leve. Dance mais, lute menos. Com inteligência emocional, você adquire a tão importante agilidade para lidar com as adversidades que, com certeza, aparecerão e transforme-as. Não fique paralisado, aprenda com elas e seja o comandante desse transatlântico que se chama vida. Afinal, a Luiza pode ser você nos próximos minutos.

Referências bibliográficas
  • DAVID, Susan. Agilidade Emocional: abra sua mente, aceite as mudanças e prospere no trabalho e na vida. São Paulo, Cultrix, 2018.
  • Amy Cuddy. O poder da presença HBR – Gerencie a si mesmo – 10 leituras essenciais da Harvard Business Review. 2016.
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Elas por elas, elas por eles.

Elas por elas, elas por eles

Compreender o caminho que leva as mulheres a ocuparem seu espaço nas empresas, seus desafios, estratégias de enfrentamento e aprendizados é uma forma de contribuir para que outras mulheres continuem esse caminho. Este capítulo, apresenta a experiência de quatro mulheres executivas cuja jornada as levou a romperem o “teto de vidro”. Apresenta, também, a perspectiva de três grandes executivos sobre esse tema relevante e que ainda traz desafios a serem superados.

A participação da mulher no mercado de trabalho, em especial ocupando cargos de liderança, tem sido alvo de discussões com maior ênfase a partir da década de 80, quando o fenômeno do glass ceiling (teto de vidro) elencou as barreiras invisíveis que dificultam o acesso das mulheres aos cargos de maiores salários e responsabilidades.
 
Embora com avanços perceptíveis, as pesquisas realizadas pela Mckinsey mostram que, nos últimos cinco anos, o número de mulheres que passaram a ocupar cargos nos níveis mais altos das empresas aumentou, mas a igualdade de gênero ainda está longe do ideal. Além disso, a porcentagem de mulheres em cada nível entre 2015 e 2019 é inversamente proporcional à altura do cargo; um ponto intrigante uma vez que, de acordo com essa consultoria, companhias com mais mulheres na liderança, quando comparadas com a média da indústria, vê um resultado operacional 48% maior e uma força de crescimento no faturamento de 70%.
 
Para discutir este assunto é preciso levar em consideração paradigmas históricos, que vão desde a criação das empresas por homens brancos, caucasianos; a distinção do que é papel de homem e de mulher; até o ingresso das mulheres no mercado de trabalho no Brasil no início do século XX, ocupando posições de assistentes e secretárias.
 
Neste capítulo, quatro mulheres que romperam essa barreira compartilham suas experiências, desafios e aprendizados. O quadro abaixo apresenta o perfil das entrevistas:
Além da visão feminina, incluí a percepção de três executivos de expressão sobre esse movimento: Executivos 1 e 2: diretor e gerente geral que atuam em empresas do segmento farmacêutico; e Executivo 3, presidente de empresa do segmento de tecnologia.

Botando o pé na porta: elas chegaram lá!

Assumir uma posição de liderança sempre representa um desafio, que se diferencia em função do contexto e dos atores nele envolvidos. 
 
Os maiores desafios trazidos pelas executivas foram deixar de ser decisora individual e tornar-se colaboradora de equipe, lidar com hierarquias diferentes, delegar e engajar o time. 
 
A falta de preparo na formação foi um fator crítico, de acordo com três delas. Conhecimento do negócio, do mercado, estratégia, etc. podem ser facilmente aprendidos; “o grande ponto é aprender como conseguir dar o seu melhor e motivar cada um a fazer o mesmo, ser um facilitador para o time e entre áreas”(executiva 1).
Para a executiva 4, o maior desafio foi a aceitação do time, tanto de homens quanto de mulheres. “As pessoas têm uma imagem formada, sabem seus pontos positivos e a desenvolver e esses últimos geram maior desconfiança.” 
 
O segmento farmacêutico é, aparentemente, mais aberto. Ambas as executivas que atuaram nesse segmento nunca sentiram o peso da discriminação, embora houvesse áreas predominantemente masculinas quando assumiram seus cargos. 
 
Ainda assim, quando a executiva 1 ocupou o primeiro cargo de diretoria, cujo papel era garantir o compliance e fazer recomendações para todos os níveis executivos da empresa, o ser ‘mandado’ por uma mulher não soava bem. A grande estratégia veio de sua autoconfiança e da forma como ela abordava os assuntos.
 
O segmento de energia, predominantemente masculino, trouxe experiências expressivas para a executiva 3. Em uma ocasião, era a única mulher e sponsor de uma reunião em que os participantes achavam que tomar notas era função dela, o que ratifica o antigo paradigma sobre qual é o papel da mulher.
O mais marcante para a executiva 4 foi não ter recebido o apoio esperado das mulheres do time que, antes de olharem para sua capacidade e empenho, olhavam o ‘invólucro’ (roupa, sapato, cabelo), comportamentos primários de julgamento ao invés de apoiarem e comemorarem a conquista de uma delas, revelando falta de sororidade (Sentimento de solidariedade e empatia entre meninas e mulheres.).

Como superaram os desafios

Um desafio em comum enfrentado por elas foi assumir a posição de protagonista. Para isso não se deixaram intimidar e aproveitaram as oportunidades que surgiram, estando bem preparadas para as diferentes situações que teriam de lidar.
 
Entre acertos e erros, prevaleceu o entendimento da inteligência emocional como diferencial. Diálogos foram fundamentais em todos os casos, trazendo às pessoas o entendimento de que todos estão atuando para conquistar o mesmo objetivo.
 
O posicionamento da executiva 3 era interpretado como duro por conta de uma abordagem mais incisiva o que, no mundo masculino, é entendido como firmeza, mas no feminino é mal interpretado e travestido de palavras depreciantes como neurótica, por exemplo, o que leva a desqualificar o discurso, aspecto ratificado pela executiva 2: “Se o homem é abrasivo é aceitável, a mulher não.”
 
Além disso, a executiva 4, adotou o tratamento justo como estratégia para trazer a equipe para si: “se um membro do time está sentado do lado de um colega que não faz nada, o líder tem que tomar uma atitude.”
 

Aprendizados e habilidades desenvolvidas

Os aprendizados se relacionam à capacidade de exercer a liderança 360º: ser ponto de apoio para a equipe e entre pares e outras áreas. O autoconhecimento permitiu ampliar a comunicação empática e influente, escuta genuína, não menosprezar o sentimento do outro, articular o discurso em função da audiência, administrar as singularidades e aproveitar os talentos das pessoas. 
 
No caso das executivas 1 e 2, atuar em uma empresa que tinha programas de desenvolvimento de lideranças foi fundamental, com a clareza de que os skills técnicos somente não as sustentariam na nova posição.
 
Os feedbacks também ajudaram no processo de desenvolvimento. No caso da executiva 2, o feedback da equipe elevou sua curva de aprendizado sobre como adequar o tom de fala e ter clareza dos gatilhos que surgiam em momentos de estresse, além de contar também com o feedback de seu superior ao assumir uma grande diretoria.
 
Os feedbacks levaram a executiva 3 a ampliar sua habilidade em lidar com a singularidade das pessoas e adequar a forma de abordagem, sem resvalar no comportamento masculinizado para ganhar respeito.
 
A executiva 4 reforça que, além de se conhecer, é preciso capacitar-se. Conversas com pessoas/mentores experientes são apontadas como importantes tanto por ela quanto pela executiva 1.
 
Os executivos entrevistados reiteram o apontado pelas entrevistadas, ressaltando que, das habilidades das mulheres líderes, destacam-se resiliência, determinação, foco no resultado e capacidade de trabalhar colaborativamente em um ambiente competitivo, além de aprenderem de forma acelerada.
 

O ambiente empresarial hoje: um misto de avanço com ecos do passado.

Todas as executivas consideram o ambiente atual mais aberto em função da maior disseminação das informações e fóruns de discussão, ampliando a perspectiva sobre a importância de a mulher ocupar espaços antes ocupados preferencialmente por homens.
 
Entretanto, na opinião de todos os executivos, a mudança é mais lenta do que de-veria. Empresas que queiram levantar essa bandeira devem cuidar tanto do ambiente como um todo, como capacitar as mulheres para que estejam preparadas a ocupar posições de gestão. 
 
A executiva 1 percebe que ainda há crenças que tendem a nublar a visão sobre a capa-cidade feminina em ocupar posições de CEO e Diretoria: mulher é muito sentimental, não tem estrutura para fazer alguns enfrentamentos. Essa visão é compartilhada pelos 3 executivos entrevistados, que apontam vestígios da cultura machista, especialmente na América Latina.

 

Entretanto, muitas pesquisas mostram que cada vez mais as lideranças são cobradas por competências e habilidades socioemocionais e não pelo gênero, raça ou condição física (executivo 1).

Para a executiva 4, cada evento de diversidade convence mais pessoas de que os obstáculos existiram e não podem ser ignorados. Na perspectiva dos executivos 1, 2 e 3, esse tema tem que ser amplamente debatido, sem restrições, ampliando a discussão quando se trata da mulher negra. Na estatística das 500 maiores empresas do Brasil, de 550 executivos, apenas 0,4% são mulheres negras. 
 
Outra ação apontada pelo executivo 3 é que os altos executivos devem criar espaços de diálogo: ouvir mulheres de todos os níveis para entender a dor delas. 
 
Para a executiva 3 a pandemia trouxe à tona novos desafios quanto a flexibilidade de horário, uma vez que a mulher precisa dividir o seu tempo entre trabalho, casa e família. Isso catalisou a visão da necessidade de uma boa parceria em casa, dado que a mulher ainda tem uma carga grande em termos de gestão familiar. Essa visão é ra-tificada pelos executivos 2 e 3.
 
As mulheres que galgam posições na empresa têm resiliência bem estabelecida, re-sultante da capacidade em lidar com vários eventos: prepara a reunião, cuida do filho, olha a mãe. Por outro lado, a energia e a atenção para não deixar os ‘pratinhos caírem’ acaba cobrando seu preço em termos de exaustão física e psicológica.
 
Na opinião de todos os executivos, ainda existem preconceitos, embora mais velados: questionar o tempo de dedicação de mães com filhos pequenos, a tratativa da gestação. O executivo 2 ouviu de superiores que não poderia vir a reclamar por contratar tantas mulheres. Uma visão míope, pois as mulheres com as quais trabalhou eram compro-metidas, deixavam tudo tão preparado que praticamente não se sentia o impacto da ausência durante a licença maternidade. 
 
Apesar disso, muitas mulheres parecem se constranger ao avisar a empresa de sua gravidez, bem como ainda se cobram de conseguir um equilíbrio perfeito entre os vários papéis desempenhados.

A fala da experiência contribuindo para quem vai ocupar uma posição de liderança

A partir de suas experiências, as executivas elencam pontos que devem ser alvo de atenção para as mulheres que desejam ocupar posições de liderança:

Executivo 1

Conhecimento técnico é importante, mas não suficiente.
Conheça e explore outras habilidades suas e adquira os conhecimentos que forem relevantes para a posição.
Ouça todos os lados, explore sua sensibilidade, ouça e entenda seu desconforto. Se está desconfortável, pare, respire. 

Executivo 2

Esteja bem centrada e consciente de quem você é para dar o seu melhor e enfrentar bem os desafios. Aprenda no dia a dia, identificando o que deu certo e o que poderia ter sido feito diferente. Reflita, mas não seja super crítica consigo mesma.

Executivo 3

Tenha consciência de que é tão capaz como qualquer outra pessoa.
A inspiração sozinha não basta. Desenvolva os potenciais que tem guardado e que são os presentes que recebeu quando nasceu. 
Seu autoconhecimento poderá auxiliar os outros a se conhecerem e se desenvolverem plenamente, transformando o ambiente de trabalho em uma escola de florescimento.

Executivo 4

Esteja preparada, estude muito e sempre, não espere a oportunidade aparecer para se preparar. 
Ouse, arrisque tenha coragem para fazer a diferença.
Pratique e divulgue a sororidade.
Muito do que as executivas deixam para reflexão é compartilhado pelos executivos entrevistados:

Executivo 1

Saiba onde quer chegar, entenda o que já tem de conhecimentos e habilidades e o que precisará desenvolver.
Converse com pessoas que ocupam a posição alvo, leia, saia da zona de conforto. 
Não espere alguém te dar espaço para falar, se expresse com firmeza, mesmo no meio de maioria masculina. Se imponha positivamente.

Executivo 2

Nunca desista, enfrente o status quo, assuma o protagonismo.
Ajuste forma e conteúdo da fala para não entrar em modo autodefesa e soar agressiva na abordagem. 
Passe a mensagem com a força necessária, sem passar do ponto.

Executivo 3

Seja você mesma, sempre.
Tenha resiliência.
Siga sempre seu coração.
Muito ainda pode ser falado a respeito. Se você deseja ser uma líder, siga em frente, se prepare, floresça. Você tem dentro de si todo o potencial que precisa. E como diz a frase: E se der medo? Vai com medo mesmo!
Que a experiência dessas mulheres e a perspectiva dos executivos tragam boas reflexões.

Referências:

 
 
LIPMAN, J. Escute o que ela diz: O que os homens precisam saber (e as mulheres falar) sobre trabalhar juntos. Primavera Editorial, São Paulo, 2019.
 
OLIVEIRA, B.B.; WOIDA, L.M. O Fenômeno Glass Ceiling e o Acesso à Informação: Estudo Sobre Barreiras Invisíveis Impostas às Mulheres no Trabalho. Complexitas – Rev. Fil. Tem. Belém, v. 3, n. 1, p. 61-75, jan./jun. 2018.
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