Letramento racial, para quem se destina?

Letramento racial, para quem se destina?

Suponhamos que você lidera um time, no qual há um colaborador com dinâmicas bem particulares – ele, em sua atuação, sempre consegue vantagens e privilégios sobre os demais. E essa diferenciação não ocorre porque ele seja mais inteligente, mais sagaz, mais preparado ou qualquer outra competência de destaque, mas, sim, porque ele conseguiu uma brecha na empresa e vem aplicando suas táticas que geram vantagens unicamente para si mesmo. Como você agiria diante dessa injustiça? Manteria suas práticas como de costume ou faria uma intervenção em prol do coletivo? Aposto que faria o melhor, ou seja, uma reparação para essa situação.

   Letramento é um conceito que vem se popularizando. Quanto mais estudamos, mais percebemos que precisamos nos aprofundar nas temáticas, assim como nas tendências. Então, surgem as novas demandas, a exemplo do letramento digital, mas também ganham força as temáticas mais estruturantes, entre elas o letramento racial, o emocional, entre outros. Letramento racial é para todos! Por meio dele acessamos o conhecimento histórico que nos falta para compreender que muitos crimes foram cometidos e que para diminuir o impacto traumatizante que foi gerado, temos de realizar reparações sociais.   

    Vivemos em comunidade e somos interdependentes; portanto, o todo nos afeta e nós afetamos o todo. Sem romantismos, de fato, temos nossas responsabilidades na sociedade, além de ética e cidadania. Há um compromisso com nossos ancestrais e com as gerações futuras. Somos o resultado das diversas decisões que foram tomadas antes de nós. Escolhas essas que para muitos geraram privilégios e para outros estabeleceram dificuldades. Não basta seguirmos rumo a um futuro melhor. Precisamos atuar em um presente mais justo e colaborativo. Devemos intervir para que mais oportunidades e acessos sejam gerados àqueles que foram privados.

    Historicamente o mundo gerou e continua promovendo guerras. Desde os primórdios da civilização as batalhas se estabeleceram com a perspectiva de escassez. Entendia-se que era preciso lutar para conquistar algum recurso para si, ao mesmo tempo que o privava do outro. Com isso buscava-se o suprimento das necessidades pelos diversos grupos. Conforme um combate acontecia, o ganhador escravizava o povo que sucumbira na batalha até que houvesse uma nova disputa e o cenário fosse alterado. A escravização, nessa conjuntura, se fazia móvel. Ela era determinada pelo vencedor que ora era um povo, ora outro.

    Contudo o contexto nas Américas, e, por conseguinte no Brasil, teve um grande diferencial, a sua determinação. O povo escravizado não foi um grupo que perdeu a batalha, mas um coletivo de pessoas que, a partir de características físicas, foi subjugado como servidor e, com isso, fixou-se privilégios para alguns de forma atemporal. Ou seja, o povo escravizado não teria oportunidade de ascender na sociedade. Pelo contrário, seria sempre escravizado, ele nasceria escravizado. Esse entendimento partiu de uma desumanização de pessoas, provocando uma marca indelével, uma mancha na alma e a perpetuidade pela sua descendência.

    A raça passa a ser uma construção branca. A branquitude constitui-se Ser a partir do outro enquanto Não Ser. O branco se coloca como referência em todo e qualquer padrão e faz uma alteração negativa – reconhecendo a diferença no outro, e ao mesmo tempo, hierarquizando a partir dessa diferença. A verdade é que o padrão da sociedade vai além da raça, ele engloba diversos outros marcadores e os hierarquiza da mesma forma, por gênero, por idade e tantos outros.

    Educamos e somos educados em um entendimento centrado no homem branco cis [pessoas que se identificam com o gênero que é designado quando nasceram], vide nos livros e publicações, a referência dentro da evolução humana nunca é diversa, continua sendo representada do macaco ao homem [branco, cis, com idade média “produtiva”, magro, forte, entre outros marcadores]. Repetimos a produção de um padrão de humanidade que é, por sua essência, discriminatório. Mulheres, deficientes, idosos e outros grupos majoritários, que são minorizados, não se veem representados nesta e em outras imagens.

     Não há reconhecimento, não há representação e, quando há, são justamente referências negativas, estão vinculados com estigmas e, por isso, desvalorizados pela população. A partir disto, a sociedade odeia e cada ser humano reproduz esse mesmo ódio, uma pessoa odiada também odeia, bem como aos seus semelhantes. O ódio direcionado a si mesmo se estabelece e fortalece as distâncias que foram estabelecidas há tantos anos. Atingimos um lugar altamente pulverizado, no qual a compreensão do que se estabeleceu, e do que continua sendo perpetuado não é perceptível, estamos alienados, enxergamos pequenas partes, não entendemos o todo. Para as pessoas pretas se faz necessário aceitar-se negras, mas acima disso celebrar-se negras.

    O embranquecimento perpetua-se em todas as camadas e com isso reforça sua continuidade. O poder é embranquecido, a beleza é embranquecida, a cultura é embranquecida. Faça uma autoavaliação: quais são as suas grandes referências em autores, atrizes, poetas, líderes, CEOs e outros profissionais? O embranquecimento está em tudo. Dos fornecedores e marcas que você compra, aos lugares que frequenta, até as relações de amizade que estabelece. 

     Já entendemos que racismo no Brasil é fenotípico, caracterizado tão e exclusivamente pela estética das pessoas. Como a música Alegria da Cidade de Margareth Menezes: “Minha pele é linguagem e a leitura é toda sua”; é a cor, o cabelo, os traços que são entendidos como brancos, mais próximos dos brancos ou negros. E, com isso, outro fenômeno perverso surge a “passabilidade”, marcada pelos pseudo privilégios dos pretos de pele clara perante aqueles de pele retinta e traços  afrodescendentes. Essa dinâmica toma dimensões assustadoras, quando nos deparamos, por exemplo, com o censo de 2019 que afirma que um jovem negro morre a cada 23 minutos no Brasil.

    Confundimos direito com educação, subvertemos valores e a valorização, por exemplo as culturas ancestrais – nas quais os anciões são pessoas sábias e, por isso, prestigiadas com cuidado e espaço para compartilhamento do seu conhecimento, como ocorre com os povos indígenas, – foram substituídas por uma sociedade que descarta as pessoas mais velhas. Tentamos ao máximo descaracterizar a idade, minimizando rugas, cabelos brancos e outros traços, até o momento em que enquadramos essa pessoa em um papel secundário dentro da conjuntura familiar e comunitária. O escritor Amadou Ampatabá (1901-1991) já dizia que “o ancião é um livro em que suas páginas estão sendo levadas pelo vento” e, dentro da nossa dinâmica frenética de ascensão e acúmulo, nem percebemos que algumas coisas se esvaem para sempre. 

   Como o saudoso ativista dos direitos civis e humanos Abdias Nascimento (1914-2011) afirma, a “matemática” social é básica, para apenas algumas vidas serem importantes, outras precisam ser desimportantes. E neste entendimento inclusive as pessoas brancas antirracistas continuam com seus privilégios, elas herdam essa condição e são tratadas diariamente a partir desta construção social coletiva. Todas as pessoas brancas são beneficiárias, o que elas podem e devem escolher é não ser signatárias, ou seja, que elas atuem de forma consciente para ressignificar a segregação que ainda existe pela raça, destinando inclusive o seu lugar de poder e privilégio para o outro. Quantas vezes diante de uma vaga, de uma oportunidade, você se privou de ocupá-la para que ela fosse disponibilizada para uma pessoa de um grupo minorizado? Sim, nós humanos também temos disso, ora não reconhecemos o racismo, ora ao verbalizá-lo como uma realidade. Sempre aguardamos a reparação social pelo outro e estamos constantemente nos esquivando das nossas responsabilidades que foram herdadas assim como os nossos privilégios. 

     Uma pesquisa muito interessante aponta que 81% dos brasileiros declaram que o nosso país é uma sociedade racista e ao mesmo tempo apenas 11% reconhecem ter atitudes racistas. Todo mundo sabe que o racismo existe, mas o difícil é encontrar o racista. A branquitude atua de forma subjetiva, como um pacto não verbalizado, mas que está lá, nos olhos dos avaliadores, nos ouvidos dos entrevistadores e na decisão dos contratantes, que continuam a perpetuar os mesmos padrões de escolha e promoção. Quantas vezes você pode ter sido racista apenas hoje, pelo seu pensamento, olhar, expressões, escolhas e tantas outras atitudes do cotidiano?

    O racismo não é desconstruído sozinho. É um mal social coletivo, e a branquitude herdou isso. Exterminar a branquitude fala sobre a eliminação do sistema de manutenção do privilégio estabelecido – que se materializa nas práticas cotidianas que sustenta o privilégio branco -, e não sobre cada ser humano de pele branca. Assim como exterminar a negritude é sobre eliminação de um grupo social com a destituição de direitos e não sobre cada ser humano de pele preta ou parda. Estamos nos referindo à exterminação da injustiça. Uma pessoa letrada pode aplicar este conteúdo de acordo com as demandas sociais, como você tem contribuído para que a diversidade racial seja uma referência positiva, em vez de uma mancha triste que se perpetua na nossa história com seu consentimento?   

Este artigo foi construído a partir das reflexões, falas, participações e conteúdos promovidos durante o curso “letramento racial”, ministrado pela professora Dra. Bárbara Carine Soares Pinheiro (@uma_intelectual_diferentona).

Para se aprofundar, a partir da perspectiva negra:
Discutindo a mestiçagem no Brasil de Kabengele Munanga

Negritude de Kabengele Munanga
Dispositivo de racionalidade de Sueli Carneiro
Tornar-se negro de Neusa Santos Souza
Pele negra, máscaras brancas de Frantz Fanon
O pacto da branquitude de Cida Bento
O genocídio do negro brasileiro de Abdias Nascimento
Racismo Estrutural de Sílvio de Almeida

Para se aprofundar, a partir da perspectiva de outros grupos:
Entre o encardido, o branco e o branquíssimo de Lia Vainer Schucman

“Eles combinaram de nos matar, mas a gente combinamos de não morrer.” 

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Vivendo ou Sobrevivendo?

Vivendo ou Sobrevivendo?

uma reflexão sobre a peça “A lista”

Clarice Niskier encena brilhantemente um monólogo chamado a lista da autora canadense Jennifer Tremblay. A peça, que dura em torno de 50 minutos, começa com mais do que um spoiler, com a declaração sobre seu enredo. A vizinha da narradora, que se chamava Caroline, morreu e esse fato pode estar diretamente relacionado com a sua participação, ou melhor, a partir da sua ausência. Afinal, essa amiga que está grávida, pede uma indicação médica por duvidar das habilidades do profissional que a assiste, mas essa atividade entra na lista da personagem principal e nunca é executada por completo. Não priorizada de início com a relevância que deveria, postergada depois pela dificuldade em, de fato, achar o número e, por fim, banalizada pelo cotidiano cheio.

Segundo a sinopse oficial, a peça é uma narrativa sobre a responsabilidade, no modo de produção 24/7 – vinte e quatro horas por sete dias na semana -, aquele em que nós nos idealizamos como seres impecáveis, perfeitos, no controle de tudo. Temos recursos tecnológicos, nossas máquinas, nossas melhores amigas. Vamos nos isolando, nos fechando afetivamente para o outro, mesmo que paradoxalmente percebemos que nossas forças estão nos abandonando porque precisamos da alteridade para viver. Segundo a autora, trata-se de uma reflexão sobre a solidão.

De acordo com Clarice, a atriz, o texto é um convite à reflexão sobre nossa percepção em relação àqueles que nos cercam, sobre o seu dever primordial para com o outro e para consigo mesmo. Ela reforça que há mais perguntas que respostas e que cada um é tocado em um ponto ao ser atravessado por essa obra.

Contextualizar o caos que habitamos virou senso comum, as siglas, os estímulos, a urgência… tudo ganhou uma velocidade que não conseguimos processar ou compreender. Não estamos bem e ainda não descobrimos como ficar bem. Precisamos achar um novo caminho, mas enquanto isso a vida segue seu fluxo.

As metrópoles instauraram uma dinâmica viciante nas pessoas: recompensas rápidas, possibilidades infinitas, experiências diversas. Viver tomou dimensões mais intensas, com dias cheios, longos, agendas lotadas que não atendem mais àquilo que precisamos fazer. Ultrapassamos a imensa relação de desejos, agora já não processamos a lista de necessidades mesmo.

O sentimento de inadequação aumentou e peculiarmente os grupos, as bolhas e o convívio com iguais também. Consumimos apenas o que nos conforta. De forma conveniente e domesticada, os algoritmos cumprem seu objetivo com maestria. Mas nada mais nos satisfaz, as emoções não são cultivadas, entendidas, conversadas e a nossa falta de atenção para essa parte – que também existe em nós – não impede que ela se manifeste. Pelo contrário, esse ignorar de repente faz transbordar um choro, uma tristeza, uma raiva ou outras emoções juntas.

Esse não é um texto para orientar, compartilhar um ensinamento ou uma metodologia. É um convite, uma provocação, uma pergunta: diante de tudo e de tantas coisas, como você tem escolhido viver? Quais são suas prioridades? Na sua lista cheia de coisas para fazer, em qual posição está sua família, seus amigos e você mesmo?

Tenho andado em alguns lugares com olhos de observadora, buscando ouvir e compreender. Curiosa pela resposta do outro, pelas suas ideias e opiniões, faço questionamentos diversos. Às vezes só acompanho, pois,  diante de muito barulho externo, algumas pessoas nem percebem. Noto que elas não notam, olho que elas não veem, ouço que não há escuta. Há encontros nos quais algumas delas vão embora sem levar nada novo… São tantas palavras vazias, sem interesse genuíno no outro, com ausência de uma intenção maior que, ao final, tudo continua igual. Estamos encontrando o que afinal?

Nos enchemos de tarefas, criamos listas para organizar, desdobramos o peso de tantas coisas em palavras rápidas, cansadas, desconectadas; criamos hábitos para despistar, tentando dar conta de tudo, fugimos do que é essencial. Assim, aos poucos, na negligência de cada sim que já não cabe mais a solidão vai criando um espaço, tomando conta, e como os sentimentos não cultivados, de repente, após mais um encontro em que não há nada novo, ela excede e já não é mais possível colocá-la ao fim da lista.

Afinal, você constrói sua lista ou é ela que constrói você?

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Qual é a sua intenção?

Qual é a sua intenção?

A melhor solução para um problema é aquela que você pode encontrar dentro de si. Essa é uma reflexão rápida para estimular mais momentos de felicidade em sua vida.

 

Por um lado, há uma ligação íntima e dinâmica entre como percebemos nós mesmos, os outros e o entorno e, por outro, a maneira pela qual experienciamos tudo isso. Essa percepção influencia o modo como agimos. Em outras palavras, nossas emoções definem nosso comportamento, pensamentos e percepções. A visão de mundo pode ser completamente diferente para duas pessoas na mesma vizinhança, com o mesmo nível socioeconômico, se elas tiverem perspectivas opostas. Buda (563-483 a.C.) reforça esse entendimento, que já é comprovado cientificamente, quando citou: “Nós criamos o mundo com nossos pensamentos”. Ele percebeu que nossos pensamentos, nossas emoções e nossas ações são as principais fontes de sofrimento, mas também de nossa alegria e nossa liberdade.

 

Tudo o que reside dentro de nós constrói aquilo que habitará outros espaços, contextos e pessoas, isto é, a partir de como nos relacionamentos conosco expressamos comportamentos e entendemos sinais. Nossas relações interpessoais são dependentes e influenciadas pela forma como nos encontramos internamente, ainda que nossas emoções não sejam explícitas; pelo contrário, estejam reprimidas.

 

“Qualquer um pode ver que pretender e não agir quando podemos não é realmente pretender, e amar e não fazer o bem quando podemos não é realmente amar”, afirmou o filósofo sueco Emanuel Swedenborg (1688-1772). Quando nossas aspirações incluem o bem-estar e a felicidade de outros, nossas ações e nossa vida como um todo adquirem um propósito maior que nossa existência individual. 

 

Há diversas técnicas, métodos e conhecimentos que podem fazer a diferença em nossa vida e na de outras pessoas, inclusive hábitos de motivação e intenção.

 

Motivação para fazer algo é uma ou mais razões por trás daquele comportamento, a fonte de nosso desejo e o ímpeto de realizá-lo, ou seja, tudo que nos anima e pode ser estimulado a partir de um ciclo de desejo e recompensa.

 

Já a intenção é a articulação de uma meta consciente. Ela pode influenciar nosso humor, nossos pensamentos e sentimentos. Portanto, se estabelecermos uma intenção pela manhã, criamos o tom do dia e escolhemos o tipo de experiência que queremos ter. Podemos incorporar esse hábito e potencializar o nosso bem-estar. É algo simples, mas não necessariamente fácil. 

 

Esse pequeno passo que está acessível a todos demanda disciplina, assim como dedicar mais tempo às reflexões.

 

Quando estabelecemos uma intenção pela manhã, precisamos completar o ciclo que foi iniciado com uma avaliação, isto é, ao final do dia se reconectar com o propósito estabelecido, investigando de forma curiosa e não julgadora, como foi materializado ou não e se alegrando com o que foi conquistado. Para viver nossa intenção de forma verdadeira, é necessário estabelecê-la e restabelecê-la sempre. Uma grande oportunidade é encontrar forças e motivação nesta avaliação. Contudo, podemos não alcançar essa meta e, quando isso acontece, é fundamental não nos penalizarmos com julgamentos negativos ou autocríticas. Devemos apenas reconhecer a diferença entre intenção e ação e tentar de novo no dia seguinte. Esse ato contínuo nos mostra que temos uma escolha que, por si só, pode nos dar uma sensação mais intensa de controle.

 

Trata-se de uma consciência que nos deixa mais atentos e possibilita novas oportunidades para que pensamentos e ações cotidianas estejam mais alinhados com nossas metas.

 

Há benefícios adicionais, como o autoconhecimento e a autopercepção, para identificar situações e momentos, nos quais ainda temos a possibilidade de nos autorregularmos, em vez de transformarmos nossas emoções em atitudes impulsivas ou até desastrosas.

 

Também nos leva a ter mais confiança, segurança e, é claro, potencializar as relações com todos, inclusive conosco.

 

E antes de encerrarmos essa provocação, tenha em mente que é essencial estabelecer uma intenção, mas também é importante saber qual intenção estabelecemos. Todos nós já enumeramos muitas metas, desde planos de carreira, estudos até dietas e mudanças de hábitos de saúde. Sabemos que uma intenção, mesmo que seja realmente sincera e boa, está muito longe de ser um fato consumado. Em nosso cotidiano, a relação entre nossas intenções conscientes e nossas motivações não tão conscientes que influenciam nossos pensamentos e ações é complexa. Contudo, com consciência e reflexão persistentes podemos tornar nossas motivações cada vez mais alinhadas com nossas intenções. 

 

E há um modo simples sugerido pelo Dalai Lama que facilita muito a verificação das nossas motivações. Ele pede que façamos estas três perguntas:

1. Isso é só para mim ou para os outros?

2. Pelo benefício de pouco ou de muitos?

3. Para agora ou para o futuro?

Essas perguntas nos ajudam a esclarecer com objetividade e critério, novamente sem julgamento, nossas motivações. Assim como trazem compaixão a nossos pensares e atitudes. Podemos usar esse método antes de uma ação, decisão, enquanto já estamos realizando ou mesmo ao final do dia. Lembre-se de que sempre haverá a oportunidade de restabelecer nossa intenção com a chance de agir de acordo com ela, pois amanhã é sempre uma oportunidade de aplicar o aprendizado de hoje.

 

Um provérbio tibetiano já dizia: “Ficamos à mercê de nossos pensamentos e nossos pensamentos ficam à mercê de nossas emoções negativas e dessa maneira nós sabotamos”. Quando podemos aquietar a mente e não a perturbar com nossas rajadas costumeiras de pensamentos – expectativas, apreensões e julgamentos – enxergarmos a verdade dos fatos com maior clareza, descobrimos o que realmente importa, o que serve a nosso propósito e o que precisamos fazer.

 

Com frequência somos nossa própria “pessoa difícil”. Por isso, meu convite é para que você inclua, junto comigo, um pequeno hábito que pode promover um grande resultado na sua jornada. Vamos tentar hoje?

Nota: Esse texto foi criado a partir de muitos recortes de Um coração sem medo, de Thupten Jinpa. Tomei a liberdade de construir uma sequência cronológica diferente do que se apresenta na obra, bem como ajustar e incluir novos trechos. Caso tenha gostado, leia o citado livro na íntegra. Ele traz muitas oportunidades de aprofundamento acerca da Compaixão, bem como exercícios e práticas para impulsionar sua conexão consigo, com os outros e com toda a humanidade.

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O outro e eu por inteiro

“Somos tão pobres que usamos as mesmas palavras para dizer coisas boas e ruins”. Esta é uma das citações da Clarice Lispector que trago guardada. Ela me lembra de nossa finitude, assim como de nossa ambiguidade.

Com a maioria das palavras e definições não é diferente: tentamos explicar tudo com a linguagem e, de alguma forma, restringimos a abrangência da explicação. Por exemplo: o termo cuidado. A qual memória instantânea está ligada esta palavra? Algo positivo estabelecido nas relações intra / interpessoais ou algum alerta, como um pedido de atenção?

Esta prática entrou na minha vida antes que pudesse escolhê-la. Lembro, quando pequena, de acompanhar minha mãe nos cuidados com minhas duas avós por dias, inclusive durante as férias escolares. Ambas adoeceram e tiveram de ser amparadas durante bastante tempo, ainda que de formas diferentes.

No mesmo período, talvez até menor, também aprendi a perspectiva semântica voltada ao zelo, carinho. Novamente uma experiência materna, afinal nossas grandes referências estão neste berço, não é mesmo? Mas retomando a lembrança amorosa de cuidado, lembro de minha mãe, bordando um vestido único de formas tão diferentes que conseguia construir uma identidade para que eu pudesse me fantasiar em cada data comemorativa: ora caipirinha, ora princesinha, ou o que eu desejasse.

 

 

Vários outros momentos me ajudaram a construir a minha definição sobre o que é cuidado e também o que descaracteriza esta ação. Acredito no ato, na prática por meio da ação – da pequenininha de cada dia até os grandes movimentos. Reconheço trabalhos bem feitos, ambientes organizados, periodicidade no acompanhamento, disponibilidade genuína.

Vamos aos aspectos mais práticos: quem cuida se entrega em cada parte para poder satisfazer o outro. Somente através da atenção, do refino de detalhes e da empatia é que podemos sentir (unindo diversos dos nossos sentidos) a intenção positiva do outro.

Muitos falam sobre a importância ou até mesmo necessidade do autocuidado para que, depois, se esteja habilitado para doação ao outro. Discordo em partes. Claro que não questiono a importância de olhar e zelar por si, mas percebo diversas pessoas conseguindo contribuir mesmo que não estejam em estado de plenitude. O alerta aqui não é fazer ou não; na verdade, talvez esteja relacionado à duração. É possível se curar ou se encontrar por meio do convívio om o outro, e a cadência fará toda a diferença àqueles que não estão em equilíbrio, isto é, ir devagar manterá todos os envolvidos em estágios saudáveis de interação.

Outra vertente é o pedir e permitir ser cuidado, perceber e aceitar a beleza de poder se colocar no estado de interesse dos outros. Mais do que a vulnerabilidade, esta condição nos é essencial para uma vida com qualidade. É na troca que nos reenergizamos – nem mais, nem menos, certamente a distribuição não é matemática e, também não será planejada. Por isso, fique atendo àqueles que precisam de seu apoio, mas construa uma rede de confiança para também poder se entregar, onde outras pessoas estarão vigiando suas necessidades.

Adoro cuidar, identificar coisas ou ações simbólicas nas quais as pessoas percebam carinho empenhado. Tento cada vez mais zelar pelas minhas escolhas e práticas, caminhando para minha melhor versão. Amo ser cuidada, receber um cafuné, físico ou espiritual, aquele que acalma o coração.

E você, tem observado com atenção se suas ações demonstram a imensidão da sua intenção?

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