Elas por elas, elas por eles.

Elas por elas, elas por eles

Compreender o caminho que leva as mulheres a ocuparem seu espaço nas empresas, seus desafios, estratégias de enfrentamento e aprendizados é uma forma de contribuir para que outras mulheres continuem esse caminho. Este capítulo, apresenta a experiência de quatro mulheres executivas cuja jornada as levou a romperem o “teto de vidro”. Apresenta, também, a perspectiva de três grandes executivos sobre esse tema relevante e que ainda traz desafios a serem superados.

A participação da mulher no mercado de trabalho, em especial ocupando cargos de liderança, tem sido alvo de discussões com maior ênfase a partir da década de 80, quando o fenômeno do glass ceiling (teto de vidro) elencou as barreiras invisíveis que dificultam o acesso das mulheres aos cargos de maiores salários e responsabilidades.
 
Embora com avanços perceptíveis, as pesquisas realizadas pela Mckinsey mostram que, nos últimos cinco anos, o número de mulheres que passaram a ocupar cargos nos níveis mais altos das empresas aumentou, mas a igualdade de gênero ainda está longe do ideal. Além disso, a porcentagem de mulheres em cada nível entre 2015 e 2019 é inversamente proporcional à altura do cargo; um ponto intrigante uma vez que, de acordo com essa consultoria, companhias com mais mulheres na liderança, quando comparadas com a média da indústria, vê um resultado operacional 48% maior e uma força de crescimento no faturamento de 70%.
 
Para discutir este assunto é preciso levar em consideração paradigmas históricos, que vão desde a criação das empresas por homens brancos, caucasianos; a distinção do que é papel de homem e de mulher; até o ingresso das mulheres no mercado de trabalho no Brasil no início do século XX, ocupando posições de assistentes e secretárias.
 
Neste capítulo, quatro mulheres que romperam essa barreira compartilham suas experiências, desafios e aprendizados. O quadro abaixo apresenta o perfil das entrevistas:
Além da visão feminina, incluí a percepção de três executivos de expressão sobre esse movimento: Executivos 1 e 2: diretor e gerente geral que atuam em empresas do segmento farmacêutico; e Executivo 3, presidente de empresa do segmento de tecnologia.

Botando o pé na porta: elas chegaram lá!

Assumir uma posição de liderança sempre representa um desafio, que se diferencia em função do contexto e dos atores nele envolvidos. 
 
Os maiores desafios trazidos pelas executivas foram deixar de ser decisora individual e tornar-se colaboradora de equipe, lidar com hierarquias diferentes, delegar e engajar o time. 
 
A falta de preparo na formação foi um fator crítico, de acordo com três delas. Conhecimento do negócio, do mercado, estratégia, etc. podem ser facilmente aprendidos; “o grande ponto é aprender como conseguir dar o seu melhor e motivar cada um a fazer o mesmo, ser um facilitador para o time e entre áreas”(executiva 1).
Para a executiva 4, o maior desafio foi a aceitação do time, tanto de homens quanto de mulheres. “As pessoas têm uma imagem formada, sabem seus pontos positivos e a desenvolver e esses últimos geram maior desconfiança.” 
 
O segmento farmacêutico é, aparentemente, mais aberto. Ambas as executivas que atuaram nesse segmento nunca sentiram o peso da discriminação, embora houvesse áreas predominantemente masculinas quando assumiram seus cargos. 
 
Ainda assim, quando a executiva 1 ocupou o primeiro cargo de diretoria, cujo papel era garantir o compliance e fazer recomendações para todos os níveis executivos da empresa, o ser ‘mandado’ por uma mulher não soava bem. A grande estratégia veio de sua autoconfiança e da forma como ela abordava os assuntos.
 
O segmento de energia, predominantemente masculino, trouxe experiências expressivas para a executiva 3. Em uma ocasião, era a única mulher e sponsor de uma reunião em que os participantes achavam que tomar notas era função dela, o que ratifica o antigo paradigma sobre qual é o papel da mulher.
O mais marcante para a executiva 4 foi não ter recebido o apoio esperado das mulheres do time que, antes de olharem para sua capacidade e empenho, olhavam o ‘invólucro’ (roupa, sapato, cabelo), comportamentos primários de julgamento ao invés de apoiarem e comemorarem a conquista de uma delas, revelando falta de sororidade (Sentimento de solidariedade e empatia entre meninas e mulheres.).

Como superaram os desafios

Um desafio em comum enfrentado por elas foi assumir a posição de protagonista. Para isso não se deixaram intimidar e aproveitaram as oportunidades que surgiram, estando bem preparadas para as diferentes situações que teriam de lidar.
 
Entre acertos e erros, prevaleceu o entendimento da inteligência emocional como diferencial. Diálogos foram fundamentais em todos os casos, trazendo às pessoas o entendimento de que todos estão atuando para conquistar o mesmo objetivo.
 
O posicionamento da executiva 3 era interpretado como duro por conta de uma abordagem mais incisiva o que, no mundo masculino, é entendido como firmeza, mas no feminino é mal interpretado e travestido de palavras depreciantes como neurótica, por exemplo, o que leva a desqualificar o discurso, aspecto ratificado pela executiva 2: “Se o homem é abrasivo é aceitável, a mulher não.”
 
Além disso, a executiva 4, adotou o tratamento justo como estratégia para trazer a equipe para si: “se um membro do time está sentado do lado de um colega que não faz nada, o líder tem que tomar uma atitude.”
 

Aprendizados e habilidades desenvolvidas

Os aprendizados se relacionam à capacidade de exercer a liderança 360º: ser ponto de apoio para a equipe e entre pares e outras áreas. O autoconhecimento permitiu ampliar a comunicação empática e influente, escuta genuína, não menosprezar o sentimento do outro, articular o discurso em função da audiência, administrar as singularidades e aproveitar os talentos das pessoas. 
 
No caso das executivas 1 e 2, atuar em uma empresa que tinha programas de desenvolvimento de lideranças foi fundamental, com a clareza de que os skills técnicos somente não as sustentariam na nova posição.
 
Os feedbacks também ajudaram no processo de desenvolvimento. No caso da executiva 2, o feedback da equipe elevou sua curva de aprendizado sobre como adequar o tom de fala e ter clareza dos gatilhos que surgiam em momentos de estresse, além de contar também com o feedback de seu superior ao assumir uma grande diretoria.
 
Os feedbacks levaram a executiva 3 a ampliar sua habilidade em lidar com a singularidade das pessoas e adequar a forma de abordagem, sem resvalar no comportamento masculinizado para ganhar respeito.
 
A executiva 4 reforça que, além de se conhecer, é preciso capacitar-se. Conversas com pessoas/mentores experientes são apontadas como importantes tanto por ela quanto pela executiva 1.
 
Os executivos entrevistados reiteram o apontado pelas entrevistadas, ressaltando que, das habilidades das mulheres líderes, destacam-se resiliência, determinação, foco no resultado e capacidade de trabalhar colaborativamente em um ambiente competitivo, além de aprenderem de forma acelerada.
 

O ambiente empresarial hoje: um misto de avanço com ecos do passado.

Todas as executivas consideram o ambiente atual mais aberto em função da maior disseminação das informações e fóruns de discussão, ampliando a perspectiva sobre a importância de a mulher ocupar espaços antes ocupados preferencialmente por homens.
 
Entretanto, na opinião de todos os executivos, a mudança é mais lenta do que de-veria. Empresas que queiram levantar essa bandeira devem cuidar tanto do ambiente como um todo, como capacitar as mulheres para que estejam preparadas a ocupar posições de gestão. 
 
A executiva 1 percebe que ainda há crenças que tendem a nublar a visão sobre a capa-cidade feminina em ocupar posições de CEO e Diretoria: mulher é muito sentimental, não tem estrutura para fazer alguns enfrentamentos. Essa visão é compartilhada pelos 3 executivos entrevistados, que apontam vestígios da cultura machista, especialmente na América Latina.

 

Entretanto, muitas pesquisas mostram que cada vez mais as lideranças são cobradas por competências e habilidades socioemocionais e não pelo gênero, raça ou condição física (executivo 1).

Para a executiva 4, cada evento de diversidade convence mais pessoas de que os obstáculos existiram e não podem ser ignorados. Na perspectiva dos executivos 1, 2 e 3, esse tema tem que ser amplamente debatido, sem restrições, ampliando a discussão quando se trata da mulher negra. Na estatística das 500 maiores empresas do Brasil, de 550 executivos, apenas 0,4% são mulheres negras. 
 
Outra ação apontada pelo executivo 3 é que os altos executivos devem criar espaços de diálogo: ouvir mulheres de todos os níveis para entender a dor delas. 
 
Para a executiva 3 a pandemia trouxe à tona novos desafios quanto a flexibilidade de horário, uma vez que a mulher precisa dividir o seu tempo entre trabalho, casa e família. Isso catalisou a visão da necessidade de uma boa parceria em casa, dado que a mulher ainda tem uma carga grande em termos de gestão familiar. Essa visão é ra-tificada pelos executivos 2 e 3.
 
As mulheres que galgam posições na empresa têm resiliência bem estabelecida, re-sultante da capacidade em lidar com vários eventos: prepara a reunião, cuida do filho, olha a mãe. Por outro lado, a energia e a atenção para não deixar os ‘pratinhos caírem’ acaba cobrando seu preço em termos de exaustão física e psicológica.
 
Na opinião de todos os executivos, ainda existem preconceitos, embora mais velados: questionar o tempo de dedicação de mães com filhos pequenos, a tratativa da gestação. O executivo 2 ouviu de superiores que não poderia vir a reclamar por contratar tantas mulheres. Uma visão míope, pois as mulheres com as quais trabalhou eram compro-metidas, deixavam tudo tão preparado que praticamente não se sentia o impacto da ausência durante a licença maternidade. 
 
Apesar disso, muitas mulheres parecem se constranger ao avisar a empresa de sua gravidez, bem como ainda se cobram de conseguir um equilíbrio perfeito entre os vários papéis desempenhados.

A fala da experiência contribuindo para quem vai ocupar uma posição de liderança

A partir de suas experiências, as executivas elencam pontos que devem ser alvo de atenção para as mulheres que desejam ocupar posições de liderança:

Executivo 1

Conhecimento técnico é importante, mas não suficiente.
Conheça e explore outras habilidades suas e adquira os conhecimentos que forem relevantes para a posição.
Ouça todos os lados, explore sua sensibilidade, ouça e entenda seu desconforto. Se está desconfortável, pare, respire. 

Executivo 2

Esteja bem centrada e consciente de quem você é para dar o seu melhor e enfrentar bem os desafios. Aprenda no dia a dia, identificando o que deu certo e o que poderia ter sido feito diferente. Reflita, mas não seja super crítica consigo mesma.

Executivo 3

Tenha consciência de que é tão capaz como qualquer outra pessoa.
A inspiração sozinha não basta. Desenvolva os potenciais que tem guardado e que são os presentes que recebeu quando nasceu. 
Seu autoconhecimento poderá auxiliar os outros a se conhecerem e se desenvolverem plenamente, transformando o ambiente de trabalho em uma escola de florescimento.

Executivo 4

Esteja preparada, estude muito e sempre, não espere a oportunidade aparecer para se preparar. 
Ouse, arrisque tenha coragem para fazer a diferença.
Pratique e divulgue a sororidade.
Muito do que as executivas deixam para reflexão é compartilhado pelos executivos entrevistados:

Executivo 1

Saiba onde quer chegar, entenda o que já tem de conhecimentos e habilidades e o que precisará desenvolver.
Converse com pessoas que ocupam a posição alvo, leia, saia da zona de conforto. 
Não espere alguém te dar espaço para falar, se expresse com firmeza, mesmo no meio de maioria masculina. Se imponha positivamente.

Executivo 2

Nunca desista, enfrente o status quo, assuma o protagonismo.
Ajuste forma e conteúdo da fala para não entrar em modo autodefesa e soar agressiva na abordagem. 
Passe a mensagem com a força necessária, sem passar do ponto.

Executivo 3

Seja você mesma, sempre.
Tenha resiliência.
Siga sempre seu coração.
Muito ainda pode ser falado a respeito. Se você deseja ser uma líder, siga em frente, se prepare, floresça. Você tem dentro de si todo o potencial que precisa. E como diz a frase: E se der medo? Vai com medo mesmo!
Que a experiência dessas mulheres e a perspectiva dos executivos tragam boas reflexões.

Referências:

 
 
LIPMAN, J. Escute o que ela diz: O que os homens precisam saber (e as mulheres falar) sobre trabalhar juntos. Primavera Editorial, São Paulo, 2019.
 
OLIVEIRA, B.B.; WOIDA, L.M. O Fenômeno Glass Ceiling e o Acesso à Informação: Estudo Sobre Barreiras Invisíveis Impostas às Mulheres no Trabalho. Complexitas – Rev. Fil. Tem. Belém, v. 3, n. 1, p. 61-75, jan./jun. 2018.
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Autoliderança

O primeiro passo para a autoliderança: saia do piloto automático!

“De vez em quando você tem de fazer uma pausa e visitar a si mesmo.”

Audrey Giorgi

Muitos de nós andamos pela vida sem ter a verdadeira compreensão para onde nossas atitudes poderão nos conduzir. É o que muitas pessoas chamariam de uma condução inconsciente de si. Gosto de dizer que seria um existir no “piloto automático”.  Viver nesse estado nos traz um enorme risco, pois estarmos nos conduzindo para um “lugar” que, ao chegarmos, não nos sentiremos confortáveis.

Será que as nossas atitudes vão na direção do que realmente é bom para nós mesmos ou, muitas vezes, são condicionadas ao que é conveniente para o mundo externo? Penso que ainda não contamos, na maioria das escolas, com uma educação socioemocional – ou seja, com as inteligências emocional e racional – que ajude a nos compreender, que privilegiem o autoconhecimento e uma melhor gestão das nossas emoções. Esse é o tema da reflexão que convido você a fazer: quando nos encorajamos a olhar para o mundo interior, entramos em contato com os nossos aspectos luminosos e sombrios, e somos capazes de abraçar nossa essência integral, diminuindo os medos e trazendo mais amplo repertório para gerir atitudes. Passamos a liderar de dentro para fora e não o contrário. E o mais importante para o que irei tratar aqui: passamos a compreender nossos desejos mais genuínos e nos tornamos aptos a direcionar nossas ações com muito maior consciência.

Para saber mais sobre isso, não deixe de ler o capítulo que fala sobre autenticidade.

Na série de aulas sobre a história do autoconhecimento, ministradas por Luciano Meira, autoridade quando o assunto é desenvolvimento do potencial humano, ele afirma que todo conhecimento tem serventia, mas o autoconhecimento possui um valor incalculável, inestimável. Meira, que também assina a abertura deste livro, enfatiza que todo conhecimento — científico, técnico ou mesmo de negócio — pode perder validade, pois o mundo é instável nesses aspectos. Porém, o autoconhecimento não, pois quanto mais aprofundado, mais perene ele é e os níveis de consciência se ampliam, considerando que seja a única área do saber que é possível ter um encontro muito rico de perspectivas – tradições espirituais, filosofia, psicologia e neurociência. Por isso, investir no conhecimento de si próprio é o principal caminho para a autoliderança, pois ganhamos maior clareza das atitudes que nos condicionam.

O primeiro passo para a autoliderança é ir ao encontro de nosso Eu mais genuíno, essa dimensão que dispensa “disfarces”, em que nossas ações são pautadas em verdades, aumentando os níveis de amorosidade e diminuindo nossos medos e raivas. Para chegarmos a esse “estágio”, muitas vezes teremos que abandonar aquilo que é bom para o mundo de fora (me refiro aquilo que é bom para as pessoas que nos cercam e para os contextos em que estamos inseridos), assumindo e sustentando as nossas verdadeiras intenções e fazendo uma boa gestão das nossos potenciais e nossas sombras. Nessa perspectiva, caminharemos em nossas vidas com a capacidade de oferecer o melhor de nós para os outros e para os contextos. Para se aprofundar no assunto, recomendo o capítulo sobre Liderança Altruísta que faz parte desta publicação.

Somente quando somos capazes de exercitar o autorrespeito, ficamos muito mais inteiros para uma conexão genuína com o outro e com os contextos em que habitamos, podendo desfrutar da potência que nos cabe e das estradas de evolução que somos convidados a trilhar! Caso você se perceba no piloto automático, pare, respire, visite as suas intenções e depois “revisite” seus pensamentos, emoções e ações. Verifique se elas fluem na direção do que deseja ou se têm sido sabotadores de si mesmo.

Intenções e expectativas para sustentar escolhas 

João  teve uma infância em que o estudo sempre foi prioridade. Mesmo sendo de família humilde, seus pais fizeram questão que estudasse nas melhores escolas possíveis. O pai dele sempre foi muito rigoroso e repetidas vezes lhe dizia: “Meu filho, você precisa se preparar para o mundo. As coisas não são fáceis e as pessoas não facilitarão para você”. João  tinha muita admiração e respeito pelo seu pai, e essa frase acabou sendo assimilada por ele, influenciando suas escolhas, mesmo que inconscientemente.

João  cresceu com o desejo genuíno de progredir na carreira. Queria dar orgulho aos pais que tanto haviam se empenhado em sua educação. A irmã mais velha acabou por se tornar uma renomada e bem- sucedida executiva. O rapaz  percebia o brilho nos olhos de seus pais ao falarem dela e deseja ser alvo da mesma admiração. Com 26 anos, já era analista sênior de uma multinacional e tinha a expectativa que seu gestor o promovesse a coordenador. Ele esperava há mais de um ano pelo surgimento de uma nova oportunidade. De fato, ela surgiu. João nutriu uma expectativa muito grande, acreditando que tudo daria certo.

Ele participou do processo seletivo interno, juntamente com outras pessoas da empresa e, em uma manhã de segunda-feira, recebeu a notícia do seu próprio gestor de que não tinha passado. Naquela vez, quem havia  sido escolhido fora um colega de trabalho que, nas palavras do seu administrador, estava mais bem preparado. Para o jovem, foi como perder o chão. Ele depositou todas as suas expectativas naquela conquista. Saiu da sala sem conseguir dizer quase nada, teve dificuldade em trabalhar durante o restante do dia. Foi tomado por uma frustação que lhe tirou toda a energia.

No dia seguinte, ao encontrar o colega de trabalho que tinha conseguido o cargo de coordenador, João  não conseguiu parabenizá-lo. Estava tão sem energia que acabou se atrasando para uma reunião importante. E também perdeu o ânimo para dar o melhor de si em um dos projetos que estavam sob sua liderança, o que acarretou muito retrabalho. Em uma das reuniões, chegou a elevar o tom de voz, e o clima ficou tenso.

Vamos analisar essas circunstâncias em que João se envolveu, mas que poderiam ter ocorrido a qualquer um de nós. Qual era o verdadeiro desejo de João? Chamarei esse desejo de intenção – progredir na carreira. No dicionário Aurélio, intenção quer dizer “propósito, pensamento impulsionado pela vontade e que perdura conscientemente durante a ação”. No livro da Malika Chopra O que vale é a intenção – como transformar suas intenções em ações, vivendo com equilíbrio, paz e alegria, traz-se a ideia de que o tempo em que as coisas acontecem não é necessariamente aquele que desejaríamos. Então, manter-se no caminho, gerenciar a ansiedade e não perder o foco serão atitudes essenciais para realizarmos aquilo que desejamos. Intenção é o que está no nosso espaço de governabilidade, tem a ver com aquilo que depende de nós para realizarmos. Mais à frente, exploraremos as outras possibilidades que João tinha para continuar no caminho da intenção.

Mas por que nos desviamos das nossas intenções? Sem dúvida, por causa de nossas tantas expectativas frustradas. Um bom ponto para termos consciência é o de que, para realizar intenções, precisaremos empreender todas as ações possíveis, gerenciando os prováveis obstáculos e emoções negativas que surgirem até que cheguemos lá! E, mesmo não realizando a intenção, ao agir dessa maneira, saímos tranquilos de que fizemos tudo o que estava ao nosso alcance.

Um dos maiores desafios para concretizarmos intenções repousa sobre nossas expectativas. Essas sim dependem do outro para realizarmos algo. No dicionário Aurélio, a definição de expectativa é “um estado interno de esperar algo que se deseja, cuja realização julgamos ser provável”.

Vamos compreender, a partir da situação que apresentamos, sobre gestão de intenção e gestão de expectativa e como esse entendimento pode nos ajudar na autoliderança.

João esperava de que o seu gestor o promovesse – dessa forma, a realização do que desejava estava submetida à dependência de que um outro fizesse alguma coisa – e, quando isso não aconteceu, ele perdeu completamente o foco da sua intenção. É evidente que teremos sempre anseios, mas a grande questão é a maneira como lidamos com eles. Quantos de nós temos expectativas em relação às pessoas, mas nunca comunicamos a elas o que verdadeiramente aguardamos? Ao comunicar, estamos lhes dando uma oportunidade de conhecer o nosso desejo, mas também estamos nos concedendo a chance de fazer a gestão daquilo que esperamos do outro. Quantas das nossas frustrações poderiam ser minimizadas se tivéssemos o hábito de contar às pessoas o que almejamos?

Voltamos ao caso de João. Será que as escolhas que ele fez, logo após não ter sido promovido, foram as melhores para o que ele desejava? Há uma célebre frase de Viktor Frankl que nos desafia a fazer diferente. Frankl foi um neuropsiquiatria austríaco, fundador de uma escola de psicoterapia e mundialmente conhecido pelo best-seller Em busca de sentido, livro em que relatou a sua experiência em quatro campos de concentração nazistas. Esta é a frase dele a que me refiro:

“Entre o estímulo e a reação há um espaço. Neste espaço está nosso poder de escolher nossa resposta. Na nossa resposta está nosso crescimento e a nossa liberdade”.

O que quero enfatizar é que, nos momentos em que nossas expectativas são frustradas, é importante que façamos uso desse espaço sugerido por Frankl, pois assim nos damos o tempo de revisitarmos nossos propósitos. Após a tomada da consciência da intenção, devemos nos questionar: quais ações me conduzirão na direção do que desejo?

João se deixou “sequestrar” pela emoção negativa gerada pela frustração da expectativa não atendia. Em vez de ir ao encontro de sua intenção, ele se valeu de atitudes que poderão levá-lo justamente para o caminho oposto ao desejado – a tão almejada progressão na carreira. O que ele poderia ter feito para permanecer na liderança do que desejava, honrando seu intuito? Primeiramente, poderia ter feito uma pausa para compreender melhor a situação e observar as próprias emoções. Mais tranquilo e sereno, o rapaz  poderia ter tido uma conversa com o gestor, exposto as suas expectativas e buscado a compreensão de quais seriam os deficits que precisaria preencher para conquistar a promoção. Poderia ter sido cordial com o colega, cumprimentando-o pela promoção e continuar a fazer o seu trabalho com a máxima qualidade possível. E, se uma nova possibilidade surgisse, na mesma área, em outro departamento, ou até mesmo em outra empresa? Assim  teria mantido sempre as melhores referências sobre seu perfil.

É possível que João estivesse mais conectado ao “mundo de fora”, ou seja, ao desejo paterno de sentir por ele o mesmo orgulho que já revelava pela irmã dele. A crença vinda do pai — “meu filho, você precisa se preparar para o mundo. As coisas não são fáceis, e as pessoas não facilitarão para você” — também pode ter tido uma grande influência nas percepções e atitudes dele. Com experiência de vida e consciência, podemos revisitar algumas crenças que, por vezes, nos serviram bem, mas, depois de um tempo, acabam por pesar em nosso caminho.

No livro de Susan David, Agilidade Emocional, a autora nos convida a dançarmos mais do que lutarmos com a vida e com as circunstâncias. Ela nos faz compreender que, com autogentileza e presença, é possível transformar os nossos desafios diários em oportunidades, sem perder o foco daquilo que realmente desejamos. Uma das perguntas que ela faz é: “quantas voltas no quarteirão você tem dado?” E ela mesma responde: “andamos (ou corremos) repetidamente em volta dos quarteirões das nossas vidas, obedecendo a regras que são escritas, implícitas ou simplesmente imaginárias, presos ao costume de ser e fazer coisas que não são úteis. Ela ainda afirma: “Por vezes, somos instrumentos de corda, indo repetidamente de encontro às mesmas paredes sem perceber que pode haver uma porta aberta à nossa esquerda ou à nossa direita”.

O autoconhecimento é a chave para que possamos fazer boas escolhas, criando os melhores alicerces para a nossa vida. Meira, em seu livro Ser ou não Ser: a nossa dramática encruzilhada evolutiva, diz:

“(…) a espécie humana não pode se eximir da responsabilidade de carregar em si a capacidade de fazer escolhas conscientes. Após 13,8 bilhões de anos de evolução, o Cosmos vem cobrar, de nós, empenho e perseverança; e a cobrança chega na forma de um chamado para o crescimento e para a maturidade existencial: ‘Quem pode deve. Quem pode, deve e não faz cria débito. Débito gera sofrimento”.

Que possamos entrar em contato com o nosso Eu mais genuíno, assumindo e conduzindo nossos desejos na direção daquilo que realmente nos trará mais plenitude, equilíbrio e leveza. Que possamos fazer escolhas com maior consciência e atenção, compreendendo que são elas que constroem os enredos de nossas vidas. Assumamos o controle!

Desejo que você se conduza para um lugar em que se sentirá orgulhoso quando lá chegar!

 

Referências Bibliográficas

 

CHOPRA, Malika. O que vale é a intenção – como transformar suas intenções em ações, vivendo com equilíbrio, paz e alegria. São Paulo: Gente, 2015.

DAVID, Susan. Agilidade Emocional: abra sua mente, aceite as mudanças e prospere no trabalho e na vida. São Paulo, Cultrix, 2018.

FRANKL, Viktor. Em busca de sentido: um psicólogo no campo de concentração. Traduzido por Walter O. Schlupp e Carlos C. Aveline. 25 ed. Petrópolis: Vozes, 2008.

MEIRA, Luciano A. Ser ou não Ser: a nossa dramática encruzilhada evolutiva. 1ª ed. Goiânia: Vida Integral, 2019. @caminhosvidaintegral

 

 

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