Vivendo ou Sobrevivendo?

Vivendo ou Sobrevivendo?

uma reflexão sobre a peça “A lista”

Clarice Niskier encena brilhantemente um monólogo chamado a lista da autora canadense Jennifer Tremblay. A peça, que dura em torno de 50 minutos, começa com mais do que um spoiler, com a declaração sobre seu enredo. A vizinha da narradora, que se chamava Caroline, morreu e esse fato pode estar diretamente relacionado com a sua participação, ou melhor, a partir da sua ausência. Afinal, essa amiga que está grávida, pede uma indicação médica por duvidar das habilidades do profissional que a assiste, mas essa atividade entra na lista da personagem principal e nunca é executada por completo. Não priorizada de início com a relevância que deveria, postergada depois pela dificuldade em, de fato, achar o número e, por fim, banalizada pelo cotidiano cheio.

Segundo a sinopse oficial, a peça é uma narrativa sobre a responsabilidade, no modo de produção 24/7 – vinte e quatro horas por sete dias na semana -, aquele em que nós nos idealizamos como seres impecáveis, perfeitos, no controle de tudo. Temos recursos tecnológicos, nossas máquinas, nossas melhores amigas. Vamos nos isolando, nos fechando afetivamente para o outro, mesmo que paradoxalmente percebemos que nossas forças estão nos abandonando porque precisamos da alteridade para viver. Segundo a autora, trata-se de uma reflexão sobre a solidão.

De acordo com Clarice, a atriz, o texto é um convite à reflexão sobre nossa percepção em relação àqueles que nos cercam, sobre o seu dever primordial para com o outro e para consigo mesmo. Ela reforça que há mais perguntas que respostas e que cada um é tocado em um ponto ao ser atravessado por essa obra.

Contextualizar o caos que habitamos virou senso comum, as siglas, os estímulos, a urgência… tudo ganhou uma velocidade que não conseguimos processar ou compreender. Não estamos bem e ainda não descobrimos como ficar bem. Precisamos achar um novo caminho, mas enquanto isso a vida segue seu fluxo.

As metrópoles instauraram uma dinâmica viciante nas pessoas: recompensas rápidas, possibilidades infinitas, experiências diversas. Viver tomou dimensões mais intensas, com dias cheios, longos, agendas lotadas que não atendem mais àquilo que precisamos fazer. Ultrapassamos a imensa relação de desejos, agora já não processamos a lista de necessidades mesmo.

O sentimento de inadequação aumentou e peculiarmente os grupos, as bolhas e o convívio com iguais também. Consumimos apenas o que nos conforta. De forma conveniente e domesticada, os algoritmos cumprem seu objetivo com maestria. Mas nada mais nos satisfaz, as emoções não são cultivadas, entendidas, conversadas e a nossa falta de atenção para essa parte – que também existe em nós – não impede que ela se manifeste. Pelo contrário, esse ignorar de repente faz transbordar um choro, uma tristeza, uma raiva ou outras emoções juntas.

Esse não é um texto para orientar, compartilhar um ensinamento ou uma metodologia. É um convite, uma provocação, uma pergunta: diante de tudo e de tantas coisas, como você tem escolhido viver? Quais são suas prioridades? Na sua lista cheia de coisas para fazer, em qual posição está sua família, seus amigos e você mesmo?

Tenho andado em alguns lugares com olhos de observadora, buscando ouvir e compreender. Curiosa pela resposta do outro, pelas suas ideias e opiniões, faço questionamentos diversos. Às vezes só acompanho, pois,  diante de muito barulho externo, algumas pessoas nem percebem. Noto que elas não notam, olho que elas não veem, ouço que não há escuta. Há encontros nos quais algumas delas vão embora sem levar nada novo… São tantas palavras vazias, sem interesse genuíno no outro, com ausência de uma intenção maior que, ao final, tudo continua igual. Estamos encontrando o que afinal?

Nos enchemos de tarefas, criamos listas para organizar, desdobramos o peso de tantas coisas em palavras rápidas, cansadas, desconectadas; criamos hábitos para despistar, tentando dar conta de tudo, fugimos do que é essencial. Assim, aos poucos, na negligência de cada sim que já não cabe mais a solidão vai criando um espaço, tomando conta, e como os sentimentos não cultivados, de repente, após mais um encontro em que não há nada novo, ela excede e já não é mais possível colocá-la ao fim da lista.

Afinal, você constrói sua lista ou é ela que constrói você?

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Inteligência emocional na prática

Inteligência emocional na prática

“A mente é seu próprio lugar e, por si mesma, pode tornar o inferno um céu e o céu, um inferno.”

John Milton

 

O despertador não tocou. Eram 7h30 e a reunião começaria às 8 horas em ponto. O deslocamento de casa para o trabalho levaria no mínimo 20 minutos. O coração disparou, e a ansiedade tomou conta de Luiza. Ela seria a primeira a se apresentar. Levantou-se correndo e seu dedinho do pé direito foi quase esmagado na quina da cama. Após a higiene pessoal, vestiu-se rapidamente, apanhou a bolsa, abriu a porta e se dirigiu ao elevador. Antes de descer, se lembrou de que está faltando algo. Esqueceu a mochila com o notebook. Como faria a exposição sem o computador? Dias de intensa dedicação estavam nele. Por segundos, ficou com muita raiva do seu celular, acreditando que ele já não respondia mais aos seus comandos. “Preciso trocá-lo!”, logo pensou! Para complicar, no seu retorno, os elevadores resolveram dar uma volta até o último andar. No subsolo, ligou o seu carro e seguiu em direção à empresa. O trânsito não estava tão carregado, mas o aplicativo apontava dez minutos até o destino. A moça comunicou ao seu gestor que o trânsito se complicou e que se atrasaria uns 10 minutinhos.

 

      Mas só chegou 20 minutos após a reunião ter começado. Por esse motivo, a ordem das apresentações foi invertida. Não conseguiu prestar atenção em uma só palavra e foi tomada por um diálogo interno: “Isso não poderia ter acontecido, é por isso que não vou progredir na carreira. Tantos dias de trabalho e o despertador não toca justamente hoje. Que vergonha eu ter chegado atrasada!”.

 

      Finalmente, é a sua vez. É possível perceber a sua respiração ofegante e que ela não tem a melhor qualidade de presença. Sua explicação fica mais restrita ao que está consta nos slides. Seu gestor faz uma brincadeira no meio da participação dela, o estado emocional de Luiza melhora um pouco e ela se conduz mais harmônica até o final. Porém, nas apresentações que seguiram, ainda se sentia muito aérea e culpada, com aquela sensação de que algo não estava bem e isso roubou muito da sua energia!

 

      No livro de Susan David, Agilidade Emocional, a autora nos convida a dançarmos mais do que lutarmos com a vida e com as circunstâncias. Ela nos faz refletir que, com autocompaixão, podemos transformar os nossos desafios diários em oportunidades, sem perder o foco daquilo que realmente desejamos.

 

      Uma das perguntas que ela faz que iremos nos ater aqui é: quantas voltas no quarteirão você tem dado? A autora afirma que “andamos (ou corremos) repetidamente em volta dos quarteirões das nossas vidas, obedecendo a regras que são escritas, implícitas ou simplesmente imaginárias, presos ao costume de ser e fazer coisas que não são úteis. Por vezes, somos instrumentos de corda, indo repetidamente de encontro às mesmas paredes sem perceber que pode haver uma porta aberta à nossa esquerda ou à nossa direita”.


        Vamos analisar o que aconteceu com Luiza? Para isso, voltaremos à sua infância e entenderemos o que são as suas voltas no quarteirão. Abordaremos sobre a gestão dos pensamentos que interferem nas nossas emoções, sendo essas os condicionantes de nossos comportamentos.

Nossas experiências de infância interferem!

Precisamos compreender que as nossas vivências quando crianças e os padrões que aprendemos durante nossa trajetória têm forte interferência em relação à maneira como nos comportamos. Muitas vezes, nem nos damos conta desses padrões. Formas que provavelmente tenham sido úteis para nos tornar quem somos, mas que podem nos acompanhar em diferentes circunstâncias, impedindo-nos de alcançar maior discernimento em relação às situações. Luiza mantém a crença de que necessita ser excelente em tudo o que faz, que precisa dar o exemplo e o efeito colateral é que ela não se permite relaxar.

 

Esse ritmo frequente e sem pausas conduz à exaustão, que, por sua vez, nos faz perder o foco em relação àquilo que realmente é importante, nos tira a qualidade de presença e afeta a excelência das nossas ações. A pausa pode ser vinculada, inclusive, a um processo terapêutico, pelo qual podemos encontrar um “espaço” importante para identificar e aprender a gerenciar nossas emoções, inclusive alterar padrões que incorporamos ao longo da vida, mas que já não servem mais para a nossa jornada de desenvolvimento. Lideranças que desfrutam desses espaços são mais humanizadas e promovem ambientes de trabalho com mais segurança psicológica.

 

Na série de aulas sobre história do autoconhecimento, Luciano Meira [@lucianoameira@caminhosvidaintegral], autoridade em desenvolvimento do potencial humano, enfatiza que todo conhecimento possui valor, mas o autoconhecimento tem valor incalculável. Afinal todo conhecimento, científico, técnico ou mesmo de negócio pode perder validade, pois o mundo é instável nesse aspecto. Já com o autoconhecimento isso não ocorre, pois, quanto mais se aprofunda, mas ele se pereniza, e os níveis de consciência se ampliam. E mais: que essa é a única área do saber que propicia um encontro tão rico de perspectivas – tradições espirituais, filosóficas, psicológicas e neurocientíficas. Por isso, investir no conhecimento de si é o principal caminho para gerenciarmos as nossas emoções, pois ganhamos mais clareza acerca do que as condicionam. Líderes que desejam lidar com mais discernimento e eficácia com as adversidades da vida ou os diferentes perfis das pessoas podem encontrar as melhores possibilidades quando dão atenção aos seus processos de autoconhecimento.

Observe seus pensamentos – Quem está no controle: o pensador ou o pensamento?

“O pensamento é o diálogo da alma consigo mesma.”

Platão

 

Muitos de nós estamos aprisionados em nossos pensamentos. Perdemos a liberdade e a qualidade de presença, no sentido de percebermos com mais atenção ao que, de fato, está acontecendo ao nosso redor. Muitas histórias contêm mais inferências do que evidências. E como escreve Susan David, as pessoas acabam sendo “enredadas” por essas histórias: “em um modo específico de pensar ou de se comportar não estão realmente prestando atenção ao mundo como ele é. Elas são insensíveis ao contexto, seja ele qual for. Mais exatamente, elas estão vendo o mundo como elas mesmo organizaram, em categorias que podem ou não ter alguma coisa a ver com a situação em questão”.

 

Nossos pensamentos são carregados por experiências do passado, por aspectos inconscientes que se traduzem em algo que não fomos capazes de resolver totalmente, mas que ficam ali, “martelando”, sem que, ao menos, possamos ter uma percepção consciente de como nos roubam o discernimento. Wellington Nogueira, fundador dos Doutores da Alegria no Brasil, costuma dizer que carregamos muito “lixo mental”. Vale refletir sobre como estamos lidando com isso! Além disso, é essencial nos conceder pausas para deixar ir o que nos impedirá de usufruir da necessária qualidade de presença para que nos conectemos genuinamente aos acontecimentos e fatos.

 

Outro ponto é a forma como “culpamos” as pessoas e circunstâncias e não assumimos a responsabilidade pelo que nos cabe. É interessante observar que Luiza culpou o celular. Parece absurdo, mas é exatamente isso que fazemos muitas vezes. Nessa condição, não empreendemos esforços para ir na direção do que queremos e passamos a acreditar que somos vítimas e que não há nada mais a fazer. As adversidades acontecem, mas o que nós decidimos e fazemos após o fato é que condicionará os momentos posteriores. A respiração, nesse momento, ajuda muito! Pode trazer um alívio de que essa é somente uma dificuldade e que isso não apagará o seu brilho, passará assim como outras que já aconteceram.

Depois dos pensamentos, as emoções!

Você é capaz de perceber os seus sentimentos? Quantas vezes, agimos com raiva e, posteriormente, temos que gerenciar as consequências das nossas próprias atitudes? Quando somos capazes de fazer a gestão dos nossos pensamentos, atuando como observadores de nós mesmos, conseguimos mais facilmente nos autorregular e, claro, obter mais gestão de resultados do que consequências.

 

Não controlamos o que sentimos, mas regulamos as nossas emoções. Susan destaca ainda que se tornar emocionalmente ágil significa “ser flexível com seus pensamentos e sentimentos para responder da melhor maneira possível às situações do seu dia a dia”. Uma estratégia eficaz que contribui com essa habilidade emocional é justamente a clareza da nossa intenção. Quando cultivamos algo importante em nós que mobiliza nossas ações podemos refletir e atuar de modo a honrar esses valores e intenções, bem como de construir um legado maior, em vez de responder às situações pequenas e pontuais.


 Para nos desenredar, não podemos aniquilar nossos sentimentos, pois estaríamos comprometendo nosso próprio bem-estar. Também não podemos reprimir as nossas emoções. Não reconhecer sua existência gera um acúmulo e um transbordamento repentino, pois, em algum momento, essas emoções vêm à tona, como um adoecimento ou uma explosão de raiva. Outro comportamento comum e sem resultados positivos são os denominados por Susan como “ruminadores, pessoas que ficam obcecadas por uma dor, um fracasso percebido, uma deficiência ou uma ansiedade”, aquelas que continuam pensando da mesma forma sobre o mesmo fato e se culpando sobre isso. Saiba que nossas emoções negativas não são ruins. Elas funcionam como um alerta. Podem, sim, claro, se tornar ruins quando não somos capazes de perceber, refletir e agir com mais consciência. Veja que interessante esse trecho que está no livro da Susan David, Agilidade Emocional, de Clayton M. Christensen, saudoso fundador da teoria de Inovação Disruptiva:

“Ano passado, recebi o diagnóstico de câncer. Precisei encarar a possibilidade de que minha vida chegaria ao fim antes do que eu planejaria. Felizmente, parece que serei poupado. Mas a experiência me forneceu um importante insight.

Tenho uma noção bem clara de como minhas ideias trouxeram enorme ganho para as empresas que as usaram; sei que tive um impacto significativo. Mas, ao enfrentar essa doença, foi possível perceber como isso é irrelevante para mim hoje em dia. Cheguei à conclusão que o critério pelo qual Deus vai avaliar a minha vida não é o financeiro. O que contará é cada indivíduo cuja vida toquei.

Creio que assim será para todos. Não fique pensando em quanto destaque pessoal você obteve; pense nos indivíduos a quem ajudou a se tornarem pessoas melhores. Essa é minha recomendação final: pense nos critérios pelos quais a sua vida será julgada e adote a resolução de viver todo dia de modo que, no final, essa vida seja considerada um sucesso”.

 

Cuidado com o mundo de fora e com aquilo que pode confundir você. Olhe para dentro, compreenda-se e encontre o que é sucesso para você. Estou certa de que isso vai tornar a sua jornada de vida mais equilibrada e leve. Dance mais, lute menos. Com inteligência emocional, você adquire a tão importante agilidade para lidar com as adversidades que, com certeza, aparecerão e transforme-as. Não fique paralisado, aprenda com elas e seja o comandante desse transatlântico que se chama vida. Afinal, a Luiza pode ser você nos próximos minutos.

Referências bibliográficas
  • DAVID, Susan. Agilidade Emocional: abra sua mente, aceite as mudanças e prospere no trabalho e na vida. São Paulo, Cultrix, 2018.
  • Amy Cuddy. O poder da presença HBR – Gerencie a si mesmo – 10 leituras essenciais da Harvard Business Review. 2016.
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Qual é a sua intenção?

Qual é a sua intenção?

A melhor solução para um problema é aquela que você pode encontrar dentro de si. Essa é uma reflexão rápida para estimular mais momentos de felicidade em sua vida.

 

Por um lado, há uma ligação íntima e dinâmica entre como percebemos nós mesmos, os outros e o entorno e, por outro, a maneira pela qual experienciamos tudo isso. Essa percepção influencia o modo como agimos. Em outras palavras, nossas emoções definem nosso comportamento, pensamentos e percepções. A visão de mundo pode ser completamente diferente para duas pessoas na mesma vizinhança, com o mesmo nível socioeconômico, se elas tiverem perspectivas opostas. Buda (563-483 a.C.) reforça esse entendimento, que já é comprovado cientificamente, quando citou: “Nós criamos o mundo com nossos pensamentos”. Ele percebeu que nossos pensamentos, nossas emoções e nossas ações são as principais fontes de sofrimento, mas também de nossa alegria e nossa liberdade.

 

Tudo o que reside dentro de nós constrói aquilo que habitará outros espaços, contextos e pessoas, isto é, a partir de como nos relacionamentos conosco expressamos comportamentos e entendemos sinais. Nossas relações interpessoais são dependentes e influenciadas pela forma como nos encontramos internamente, ainda que nossas emoções não sejam explícitas; pelo contrário, estejam reprimidas.

 

“Qualquer um pode ver que pretender e não agir quando podemos não é realmente pretender, e amar e não fazer o bem quando podemos não é realmente amar”, afirmou o filósofo sueco Emanuel Swedenborg (1688-1772). Quando nossas aspirações incluem o bem-estar e a felicidade de outros, nossas ações e nossa vida como um todo adquirem um propósito maior que nossa existência individual. 

 

Há diversas técnicas, métodos e conhecimentos que podem fazer a diferença em nossa vida e na de outras pessoas, inclusive hábitos de motivação e intenção.

 

Motivação para fazer algo é uma ou mais razões por trás daquele comportamento, a fonte de nosso desejo e o ímpeto de realizá-lo, ou seja, tudo que nos anima e pode ser estimulado a partir de um ciclo de desejo e recompensa.

 

Já a intenção é a articulação de uma meta consciente. Ela pode influenciar nosso humor, nossos pensamentos e sentimentos. Portanto, se estabelecermos uma intenção pela manhã, criamos o tom do dia e escolhemos o tipo de experiência que queremos ter. Podemos incorporar esse hábito e potencializar o nosso bem-estar. É algo simples, mas não necessariamente fácil. 

 

Esse pequeno passo que está acessível a todos demanda disciplina, assim como dedicar mais tempo às reflexões.

 

Quando estabelecemos uma intenção pela manhã, precisamos completar o ciclo que foi iniciado com uma avaliação, isto é, ao final do dia se reconectar com o propósito estabelecido, investigando de forma curiosa e não julgadora, como foi materializado ou não e se alegrando com o que foi conquistado. Para viver nossa intenção de forma verdadeira, é necessário estabelecê-la e restabelecê-la sempre. Uma grande oportunidade é encontrar forças e motivação nesta avaliação. Contudo, podemos não alcançar essa meta e, quando isso acontece, é fundamental não nos penalizarmos com julgamentos negativos ou autocríticas. Devemos apenas reconhecer a diferença entre intenção e ação e tentar de novo no dia seguinte. Esse ato contínuo nos mostra que temos uma escolha que, por si só, pode nos dar uma sensação mais intensa de controle.

 

Trata-se de uma consciência que nos deixa mais atentos e possibilita novas oportunidades para que pensamentos e ações cotidianas estejam mais alinhados com nossas metas.

 

Há benefícios adicionais, como o autoconhecimento e a autopercepção, para identificar situações e momentos, nos quais ainda temos a possibilidade de nos autorregularmos, em vez de transformarmos nossas emoções em atitudes impulsivas ou até desastrosas.

 

Também nos leva a ter mais confiança, segurança e, é claro, potencializar as relações com todos, inclusive conosco.

 

E antes de encerrarmos essa provocação, tenha em mente que é essencial estabelecer uma intenção, mas também é importante saber qual intenção estabelecemos. Todos nós já enumeramos muitas metas, desde planos de carreira, estudos até dietas e mudanças de hábitos de saúde. Sabemos que uma intenção, mesmo que seja realmente sincera e boa, está muito longe de ser um fato consumado. Em nosso cotidiano, a relação entre nossas intenções conscientes e nossas motivações não tão conscientes que influenciam nossos pensamentos e ações é complexa. Contudo, com consciência e reflexão persistentes podemos tornar nossas motivações cada vez mais alinhadas com nossas intenções. 

 

E há um modo simples sugerido pelo Dalai Lama que facilita muito a verificação das nossas motivações. Ele pede que façamos estas três perguntas:

1. Isso é só para mim ou para os outros?

2. Pelo benefício de pouco ou de muitos?

3. Para agora ou para o futuro?

Essas perguntas nos ajudam a esclarecer com objetividade e critério, novamente sem julgamento, nossas motivações. Assim como trazem compaixão a nossos pensares e atitudes. Podemos usar esse método antes de uma ação, decisão, enquanto já estamos realizando ou mesmo ao final do dia. Lembre-se de que sempre haverá a oportunidade de restabelecer nossa intenção com a chance de agir de acordo com ela, pois amanhã é sempre uma oportunidade de aplicar o aprendizado de hoje.

 

Um provérbio tibetiano já dizia: “Ficamos à mercê de nossos pensamentos e nossos pensamentos ficam à mercê de nossas emoções negativas e dessa maneira nós sabotamos”. Quando podemos aquietar a mente e não a perturbar com nossas rajadas costumeiras de pensamentos – expectativas, apreensões e julgamentos – enxergarmos a verdade dos fatos com maior clareza, descobrimos o que realmente importa, o que serve a nosso propósito e o que precisamos fazer.

 

Com frequência somos nossa própria “pessoa difícil”. Por isso, meu convite é para que você inclua, junto comigo, um pequeno hábito que pode promover um grande resultado na sua jornada. Vamos tentar hoje?

Nota: Esse texto foi criado a partir de muitos recortes de Um coração sem medo, de Thupten Jinpa. Tomei a liberdade de construir uma sequência cronológica diferente do que se apresenta na obra, bem como ajustar e incluir novos trechos. Caso tenha gostado, leia o citado livro na íntegra. Ele traz muitas oportunidades de aprofundamento acerca da Compaixão, bem como exercícios e práticas para impulsionar sua conexão consigo, com os outros e com toda a humanidade.

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Autoliderança

O primeiro passo para a autoliderança: saia do piloto automático!

“De vez em quando você tem de fazer uma pausa e visitar a si mesmo.”

Audrey Giorgi

Muitos de nós andamos pela vida sem ter a verdadeira compreensão para onde nossas atitudes poderão nos conduzir. É o que muitas pessoas chamariam de uma condução inconsciente de si. Gosto de dizer que seria um existir no “piloto automático”.  Viver nesse estado nos traz um enorme risco, pois estarmos nos conduzindo para um “lugar” que, ao chegarmos, não nos sentiremos confortáveis.

Será que as nossas atitudes vão na direção do que realmente é bom para nós mesmos ou, muitas vezes, são condicionadas ao que é conveniente para o mundo externo? Penso que ainda não contamos, na maioria das escolas, com uma educação socioemocional – ou seja, com as inteligências emocional e racional – que ajude a nos compreender, que privilegiem o autoconhecimento e uma melhor gestão das nossas emoções. Esse é o tema da reflexão que convido você a fazer: quando nos encorajamos a olhar para o mundo interior, entramos em contato com os nossos aspectos luminosos e sombrios, e somos capazes de abraçar nossa essência integral, diminuindo os medos e trazendo mais amplo repertório para gerir atitudes. Passamos a liderar de dentro para fora e não o contrário. E o mais importante para o que irei tratar aqui: passamos a compreender nossos desejos mais genuínos e nos tornamos aptos a direcionar nossas ações com muito maior consciência.

Para saber mais sobre isso, não deixe de ler o capítulo que fala sobre autenticidade.

Na série de aulas sobre a história do autoconhecimento, ministradas por Luciano Meira, autoridade quando o assunto é desenvolvimento do potencial humano, ele afirma que todo conhecimento tem serventia, mas o autoconhecimento possui um valor incalculável, inestimável. Meira, que também assina a abertura deste livro, enfatiza que todo conhecimento — científico, técnico ou mesmo de negócio — pode perder validade, pois o mundo é instável nesses aspectos. Porém, o autoconhecimento não, pois quanto mais aprofundado, mais perene ele é e os níveis de consciência se ampliam, considerando que seja a única área do saber que é possível ter um encontro muito rico de perspectivas – tradições espirituais, filosofia, psicologia e neurociência. Por isso, investir no conhecimento de si próprio é o principal caminho para a autoliderança, pois ganhamos maior clareza das atitudes que nos condicionam.

O primeiro passo para a autoliderança é ir ao encontro de nosso Eu mais genuíno, essa dimensão que dispensa “disfarces”, em que nossas ações são pautadas em verdades, aumentando os níveis de amorosidade e diminuindo nossos medos e raivas. Para chegarmos a esse “estágio”, muitas vezes teremos que abandonar aquilo que é bom para o mundo de fora (me refiro aquilo que é bom para as pessoas que nos cercam e para os contextos em que estamos inseridos), assumindo e sustentando as nossas verdadeiras intenções e fazendo uma boa gestão das nossos potenciais e nossas sombras. Nessa perspectiva, caminharemos em nossas vidas com a capacidade de oferecer o melhor de nós para os outros e para os contextos. Para se aprofundar no assunto, recomendo o capítulo sobre Liderança Altruísta que faz parte desta publicação.

Somente quando somos capazes de exercitar o autorrespeito, ficamos muito mais inteiros para uma conexão genuína com o outro e com os contextos em que habitamos, podendo desfrutar da potência que nos cabe e das estradas de evolução que somos convidados a trilhar! Caso você se perceba no piloto automático, pare, respire, visite as suas intenções e depois “revisite” seus pensamentos, emoções e ações. Verifique se elas fluem na direção do que deseja ou se têm sido sabotadores de si mesmo.

Intenções e expectativas para sustentar escolhas 

João  teve uma infância em que o estudo sempre foi prioridade. Mesmo sendo de família humilde, seus pais fizeram questão que estudasse nas melhores escolas possíveis. O pai dele sempre foi muito rigoroso e repetidas vezes lhe dizia: “Meu filho, você precisa se preparar para o mundo. As coisas não são fáceis e as pessoas não facilitarão para você”. João  tinha muita admiração e respeito pelo seu pai, e essa frase acabou sendo assimilada por ele, influenciando suas escolhas, mesmo que inconscientemente.

João  cresceu com o desejo genuíno de progredir na carreira. Queria dar orgulho aos pais que tanto haviam se empenhado em sua educação. A irmã mais velha acabou por se tornar uma renomada e bem- sucedida executiva. O rapaz  percebia o brilho nos olhos de seus pais ao falarem dela e deseja ser alvo da mesma admiração. Com 26 anos, já era analista sênior de uma multinacional e tinha a expectativa que seu gestor o promovesse a coordenador. Ele esperava há mais de um ano pelo surgimento de uma nova oportunidade. De fato, ela surgiu. João nutriu uma expectativa muito grande, acreditando que tudo daria certo.

Ele participou do processo seletivo interno, juntamente com outras pessoas da empresa e, em uma manhã de segunda-feira, recebeu a notícia do seu próprio gestor de que não tinha passado. Naquela vez, quem havia  sido escolhido fora um colega de trabalho que, nas palavras do seu administrador, estava mais bem preparado. Para o jovem, foi como perder o chão. Ele depositou todas as suas expectativas naquela conquista. Saiu da sala sem conseguir dizer quase nada, teve dificuldade em trabalhar durante o restante do dia. Foi tomado por uma frustação que lhe tirou toda a energia.

No dia seguinte, ao encontrar o colega de trabalho que tinha conseguido o cargo de coordenador, João  não conseguiu parabenizá-lo. Estava tão sem energia que acabou se atrasando para uma reunião importante. E também perdeu o ânimo para dar o melhor de si em um dos projetos que estavam sob sua liderança, o que acarretou muito retrabalho. Em uma das reuniões, chegou a elevar o tom de voz, e o clima ficou tenso.

Vamos analisar essas circunstâncias em que João se envolveu, mas que poderiam ter ocorrido a qualquer um de nós. Qual era o verdadeiro desejo de João? Chamarei esse desejo de intenção – progredir na carreira. No dicionário Aurélio, intenção quer dizer “propósito, pensamento impulsionado pela vontade e que perdura conscientemente durante a ação”. No livro da Malika Chopra O que vale é a intenção – como transformar suas intenções em ações, vivendo com equilíbrio, paz e alegria, traz-se a ideia de que o tempo em que as coisas acontecem não é necessariamente aquele que desejaríamos. Então, manter-se no caminho, gerenciar a ansiedade e não perder o foco serão atitudes essenciais para realizarmos aquilo que desejamos. Intenção é o que está no nosso espaço de governabilidade, tem a ver com aquilo que depende de nós para realizarmos. Mais à frente, exploraremos as outras possibilidades que João tinha para continuar no caminho da intenção.

Mas por que nos desviamos das nossas intenções? Sem dúvida, por causa de nossas tantas expectativas frustradas. Um bom ponto para termos consciência é o de que, para realizar intenções, precisaremos empreender todas as ações possíveis, gerenciando os prováveis obstáculos e emoções negativas que surgirem até que cheguemos lá! E, mesmo não realizando a intenção, ao agir dessa maneira, saímos tranquilos de que fizemos tudo o que estava ao nosso alcance.

Um dos maiores desafios para concretizarmos intenções repousa sobre nossas expectativas. Essas sim dependem do outro para realizarmos algo. No dicionário Aurélio, a definição de expectativa é “um estado interno de esperar algo que se deseja, cuja realização julgamos ser provável”.

Vamos compreender, a partir da situação que apresentamos, sobre gestão de intenção e gestão de expectativa e como esse entendimento pode nos ajudar na autoliderança.

João esperava de que o seu gestor o promovesse – dessa forma, a realização do que desejava estava submetida à dependência de que um outro fizesse alguma coisa – e, quando isso não aconteceu, ele perdeu completamente o foco da sua intenção. É evidente que teremos sempre anseios, mas a grande questão é a maneira como lidamos com eles. Quantos de nós temos expectativas em relação às pessoas, mas nunca comunicamos a elas o que verdadeiramente aguardamos? Ao comunicar, estamos lhes dando uma oportunidade de conhecer o nosso desejo, mas também estamos nos concedendo a chance de fazer a gestão daquilo que esperamos do outro. Quantas das nossas frustrações poderiam ser minimizadas se tivéssemos o hábito de contar às pessoas o que almejamos?

Voltamos ao caso de João. Será que as escolhas que ele fez, logo após não ter sido promovido, foram as melhores para o que ele desejava? Há uma célebre frase de Viktor Frankl que nos desafia a fazer diferente. Frankl foi um neuropsiquiatria austríaco, fundador de uma escola de psicoterapia e mundialmente conhecido pelo best-seller Em busca de sentido, livro em que relatou a sua experiência em quatro campos de concentração nazistas. Esta é a frase dele a que me refiro:

“Entre o estímulo e a reação há um espaço. Neste espaço está nosso poder de escolher nossa resposta. Na nossa resposta está nosso crescimento e a nossa liberdade”.

O que quero enfatizar é que, nos momentos em que nossas expectativas são frustradas, é importante que façamos uso desse espaço sugerido por Frankl, pois assim nos damos o tempo de revisitarmos nossos propósitos. Após a tomada da consciência da intenção, devemos nos questionar: quais ações me conduzirão na direção do que desejo?

João se deixou “sequestrar” pela emoção negativa gerada pela frustração da expectativa não atendia. Em vez de ir ao encontro de sua intenção, ele se valeu de atitudes que poderão levá-lo justamente para o caminho oposto ao desejado – a tão almejada progressão na carreira. O que ele poderia ter feito para permanecer na liderança do que desejava, honrando seu intuito? Primeiramente, poderia ter feito uma pausa para compreender melhor a situação e observar as próprias emoções. Mais tranquilo e sereno, o rapaz  poderia ter tido uma conversa com o gestor, exposto as suas expectativas e buscado a compreensão de quais seriam os deficits que precisaria preencher para conquistar a promoção. Poderia ter sido cordial com o colega, cumprimentando-o pela promoção e continuar a fazer o seu trabalho com a máxima qualidade possível. E, se uma nova possibilidade surgisse, na mesma área, em outro departamento, ou até mesmo em outra empresa? Assim  teria mantido sempre as melhores referências sobre seu perfil.

É possível que João estivesse mais conectado ao “mundo de fora”, ou seja, ao desejo paterno de sentir por ele o mesmo orgulho que já revelava pela irmã dele. A crença vinda do pai — “meu filho, você precisa se preparar para o mundo. As coisas não são fáceis, e as pessoas não facilitarão para você” — também pode ter tido uma grande influência nas percepções e atitudes dele. Com experiência de vida e consciência, podemos revisitar algumas crenças que, por vezes, nos serviram bem, mas, depois de um tempo, acabam por pesar em nosso caminho.

No livro de Susan David, Agilidade Emocional, a autora nos convida a dançarmos mais do que lutarmos com a vida e com as circunstâncias. Ela nos faz compreender que, com autogentileza e presença, é possível transformar os nossos desafios diários em oportunidades, sem perder o foco daquilo que realmente desejamos. Uma das perguntas que ela faz é: “quantas voltas no quarteirão você tem dado?” E ela mesma responde: “andamos (ou corremos) repetidamente em volta dos quarteirões das nossas vidas, obedecendo a regras que são escritas, implícitas ou simplesmente imaginárias, presos ao costume de ser e fazer coisas que não são úteis. Ela ainda afirma: “Por vezes, somos instrumentos de corda, indo repetidamente de encontro às mesmas paredes sem perceber que pode haver uma porta aberta à nossa esquerda ou à nossa direita”.

O autoconhecimento é a chave para que possamos fazer boas escolhas, criando os melhores alicerces para a nossa vida. Meira, em seu livro Ser ou não Ser: a nossa dramática encruzilhada evolutiva, diz:

“(…) a espécie humana não pode se eximir da responsabilidade de carregar em si a capacidade de fazer escolhas conscientes. Após 13,8 bilhões de anos de evolução, o Cosmos vem cobrar, de nós, empenho e perseverança; e a cobrança chega na forma de um chamado para o crescimento e para a maturidade existencial: ‘Quem pode deve. Quem pode, deve e não faz cria débito. Débito gera sofrimento”.

Que possamos entrar em contato com o nosso Eu mais genuíno, assumindo e conduzindo nossos desejos na direção daquilo que realmente nos trará mais plenitude, equilíbrio e leveza. Que possamos fazer escolhas com maior consciência e atenção, compreendendo que são elas que constroem os enredos de nossas vidas. Assumamos o controle!

Desejo que você se conduza para um lugar em que se sentirá orgulhoso quando lá chegar!

 

Referências Bibliográficas

 

CHOPRA, Malika. O que vale é a intenção – como transformar suas intenções em ações, vivendo com equilíbrio, paz e alegria. São Paulo: Gente, 2015.

DAVID, Susan. Agilidade Emocional: abra sua mente, aceite as mudanças e prospere no trabalho e na vida. São Paulo, Cultrix, 2018.

FRANKL, Viktor. Em busca de sentido: um psicólogo no campo de concentração. Traduzido por Walter O. Schlupp e Carlos C. Aveline. 25 ed. Petrópolis: Vozes, 2008.

MEIRA, Luciano A. Ser ou não Ser: a nossa dramática encruzilhada evolutiva. 1ª ed. Goiânia: Vida Integral, 2019. @caminhosvidaintegral

 

 

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Feliz Eu Novo

Estava no mercado fazendo algumas compras para a celebração de fim de ano, quando um colega passou feito um foguete e bradou: – Feliz ano novo! Respondi às felicitações com um sorriso percebido pelo olhar, mas escondido pela máscara. Trocamos algumas palavras e, ao se despedir, ele disse: – Os anos tem sido tão cruéis que espero que o próximo ano nos traga coisas boas. Esta frase ficou em minha cabeça.

Como é costume nos fins de ano, renovam-se os votos de esperança e o desejo de um novo ano melhor e diferente. Cada um traz consigo expectativas, sonhos e ideais. Veio então à minha mente uma frase do grande educador Paulo Freire: “É preciso ter esperança, mas ter esperança do verbo esperançar; porque tem gente que tem esperança do verbo esperar. E esperança do verbo esperar não é esperança, é espera. Esperançar é se levantar, esperançar é ir atrás, esperançar é construir, esperançar é não desistir! Esperançar é levar adiante, esperançar é juntar-se com outros para fazer de outro modo…”

Nós insistimos em nos esquivar de nossas responsabilidades. Fazemos isso muitas vezes para fugir das nossas dores e de um íntimo contato com nós mesmos. Quando nos vemos diante de um problema, tendemos a fazer de conta que ele não existe ou transferir responsabilidades, buscando culpas e culpados em tudo e em todos. Precisamos passar a nos sentir parte daquilo que acontece em nossas vidas.

Como seria bom se, quando olhássemos para os anos que se passaram, pudéssemos dedicar-lhes agradecimento, gratidão. Eles foram repletos de tempestades, mas também nos transformaram. Percebendo ou não, somos hoje frutos daquilo que vivemos. Se chegamos até aqui, isso é resultado de tudo aquilo que experienciamos. É necessário acolher os anos que se passaram, ao invés de atacá-los, culpá-los por eventuais deslizes ou transferir responsabilidades. Vamos colocar o ano que se encerra no colo e oferecer-lhe carinho, independentemente do que aconteceu, porque, por mais duro e difícil que tenha sido, ele nos trouxe até aqui.

Assim serão todos os próximos anos enquanto estivermos vivos. E se, ao invés de ficarmos repetindo este comportamento de transferência de responsabilidades, pudéssemos ressignificar? Esse processo de ressignificação pode começar com três pontos que gostaria de trazer para reflexão:

1) Autoavaliação: é necessário que comecemos a nos abrir para dentro, para nós mesmos, buscando respostas internas, e não justificativas externas para tudo o que acontece. Vamos mergulhar profundamente nas nossas relações. E, quando falo em relações, falo de três esferas: com o planeta, com a sociedade e conosco. Reclamamos das chuvas e das enchentes ou das secas e das faltas de água. Reclamamos do calor ou do frio. Mas por que não reclamamos de nós mesmos quando gastamos água em abundância, quando jogamos lixo que irá permanecer no meio ambiente por séculos, quando preferimos concreto ao invés de verde? É hora de assumir responsabilidades e fazer parte de um mundo que gradativamente vem contribuindo para mudanças ambientais. Ressignificar nossa relação com o planeta, trazendo para nossas vidas uma relação de maior zelo, nos permitirá contribuir para um melhor equilíbrio ambiente – ser humano e nos dará a oportunidade de contemplar essa beleza que nos cerca e da qual fazemos parte. Quando falamos em sociedade, tendemos a culpar políticos, colegas de trabalho, pais, família. Por que não perguntamos quem elegeu os políticos, quem não deu o máximo para a atividade do trabalho, quem não praticou o perdão dentro do próprio lar? Ressignificar nossa relação com a sociedade implica em fazer constantemente a mesma pergunta: qual minha parcela de contribuição para isso estar acontecendo? Isso certamente nos aproximará mais do outro. E, em relação a nós mesmos, temos investido em autoconhecimento e na melhora da relação conosco? Temos cuidado da nossa saúde física e mental? Lembrem-se de que nosso eu, é o nosso templo, é a nossa sustentação. Se não cuidarmos de nós mesmos, provavelmente não teremos força para as mudanças e evoluções que a vida nos impõe.

2) Autocompaixão: apesar de olharmos pra dentro e buscarmos melhorias e evoluções constantes, será que precisamos ser tão duros conosco? Será que não precisamos diminuir nosso nível de exigência? É normal errar, falhar, cometer deslizes. Como seres humanos, temos imperfeições, medos e vulnerabilidades. Ao invés de nos castigarmos ou nos repreendermos, precisamos aprender a nos abraçar. Ao fazermos isso, passamos a nos acolher mais e, com isso, temos menos medo de falhar. Nós só acertamos na medida em que arriscamos e tentamos. Vamos aprender a nos abraçar mais.

3) Gratidão: nesse mundo onde lutamos pela perfeição, esquecemos de agradecer. Mas a gratidão só floresce no reconhecimento. Precisamos aprender a reconhecer tudo de bom que acontece em nossas vidas para podermos agradecer. Precisamos estar mais atentos a tantas coisas boas que acontecem conosco e não estamos sendo capazes de perceber. Na gratidão, a vida floresce, a paz habita e novos horizontes se abrem.

Que o abrir das portas do novo ano nos traga um olhar mais profundo. O poeta Carlos Drummond de Andrade escreveu uma vez: “Para ganhar um ano novo que mereça este nome, você, meu caro, tem de merecê-lo, tem de fazê-lo de novo, eu sei que não é fácil, mas tente, experimente, consciente. É dentro de você que o Ano Novo cochila e espera desde sempre.” É pensando nisso que trago a vocês o desafio de viver um ano novo realmente diferente, um ano novo de dentro para fora. Sejamos melhores, sejamos felizes, sejamos amor, e, acima de tudo, sejamos nós mesmos. Que nossa mudança interior gere frutos, trazendo o essencial para nossas vidas. Um feliz EU NOVO!

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Manhã de Outono

É um domingo de Outono. Levanto-me cedo; meu relógio biológico está acostumado a isto. Estou sozinha em casa neste momento. Bem, sozinha não! Aqui também mora, além dos dois humanos, um ser muito humano, o nosso cachorro!

‍Vou para o quintal onde há várias árvores e me sento em um degrau da escada que há bem no centro do local. Olho para o alto. O céu se vestiu de um lindo azul claro!

‍O cachorro chega feliz e senta-se bem perto de mim, encostando seu belo pelo avermelhado nas minhas pernas.

Sinto o friozinho da manhã, mas sinto o calor do corpo do meu amigão, agora deitado sobre os meus pés.

Penso que em uma manhã de Domingo às 7:30h, todos devem estar dormindo pois o silencio é impressionante!  “Escutar o silêncio” é meditar!

Escuto o silêncio com muito carinho. A metrópole também tem seus momentos e seus lugares de quietude.

Olho ao meu redor. O limoeiro parece uma árvore de Natal com bolas cor de laranja, de tantos frutos que tem.

Um passarinho canta na Pitangueira e outro responde na Palmeira. Eles conversam por um curto tempo e voam para alegrar outras árvores.

Sinto uma dor fininha na mão e descubro que uma formiga me picou. A mão coça. Normal!  Entendi a mensagem da formiga: Eu invadi o seu espaço! Será verdade?  Eu também sou natureza!

Um besouro preto voa ao redor da minha cabeça. Talvez ele pense que sou uma enorme flor, pois minha blusa é vermelha! A picada seria dolorosa, mas ele não me incomoda e vai procurar uma flor de verdade.

Ouço o farfalhar das folhas, pois o silêncio ainda impera, mas de repente o silêncio é quebrado por uma folha da Palmeira que cai.

O cachorro se levanta rapidamente, em prontidão.

O morrer da folha eu vi e ouvi!

Foi só naquele momento que pensei que enquanto eu estive sentada lá, todas as árvores, as plantas e as flores estavam crescendo silenciosamente, porém o morrer é diferente! Algumas morrem silenciosamente, mas outras não!

Uma das incontáveis lições da natureza!

Por fim, pensei que as pessoas também são assim, pois quando silenciam, crescem.

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