Vivendo ou Sobrevivendo?

Vivendo ou Sobrevivendo?

uma reflexão sobre a peça “A lista”

Clarice Niskier encena brilhantemente um monólogo chamado a lista da autora canadense Jennifer Tremblay. A peça, que dura em torno de 50 minutos, começa com mais do que um spoiler, com a declaração sobre seu enredo. A vizinha da narradora, que se chamava Caroline, morreu e esse fato pode estar diretamente relacionado com a sua participação, ou melhor, a partir da sua ausência. Afinal, essa amiga que está grávida, pede uma indicação médica por duvidar das habilidades do profissional que a assiste, mas essa atividade entra na lista da personagem principal e nunca é executada por completo. Não priorizada de início com a relevância que deveria, postergada depois pela dificuldade em, de fato, achar o número e, por fim, banalizada pelo cotidiano cheio.

Segundo a sinopse oficial, a peça é uma narrativa sobre a responsabilidade, no modo de produção 24/7 – vinte e quatro horas por sete dias na semana -, aquele em que nós nos idealizamos como seres impecáveis, perfeitos, no controle de tudo. Temos recursos tecnológicos, nossas máquinas, nossas melhores amigas. Vamos nos isolando, nos fechando afetivamente para o outro, mesmo que paradoxalmente percebemos que nossas forças estão nos abandonando porque precisamos da alteridade para viver. Segundo a autora, trata-se de uma reflexão sobre a solidão.

De acordo com Clarice, a atriz, o texto é um convite à reflexão sobre nossa percepção em relação àqueles que nos cercam, sobre o seu dever primordial para com o outro e para consigo mesmo. Ela reforça que há mais perguntas que respostas e que cada um é tocado em um ponto ao ser atravessado por essa obra.

Contextualizar o caos que habitamos virou senso comum, as siglas, os estímulos, a urgência… tudo ganhou uma velocidade que não conseguimos processar ou compreender. Não estamos bem e ainda não descobrimos como ficar bem. Precisamos achar um novo caminho, mas enquanto isso a vida segue seu fluxo.

As metrópoles instauraram uma dinâmica viciante nas pessoas: recompensas rápidas, possibilidades infinitas, experiências diversas. Viver tomou dimensões mais intensas, com dias cheios, longos, agendas lotadas que não atendem mais àquilo que precisamos fazer. Ultrapassamos a imensa relação de desejos, agora já não processamos a lista de necessidades mesmo.

O sentimento de inadequação aumentou e peculiarmente os grupos, as bolhas e o convívio com iguais também. Consumimos apenas o que nos conforta. De forma conveniente e domesticada, os algoritmos cumprem seu objetivo com maestria. Mas nada mais nos satisfaz, as emoções não são cultivadas, entendidas, conversadas e a nossa falta de atenção para essa parte – que também existe em nós – não impede que ela se manifeste. Pelo contrário, esse ignorar de repente faz transbordar um choro, uma tristeza, uma raiva ou outras emoções juntas.

Esse não é um texto para orientar, compartilhar um ensinamento ou uma metodologia. É um convite, uma provocação, uma pergunta: diante de tudo e de tantas coisas, como você tem escolhido viver? Quais são suas prioridades? Na sua lista cheia de coisas para fazer, em qual posição está sua família, seus amigos e você mesmo?

Tenho andado em alguns lugares com olhos de observadora, buscando ouvir e compreender. Curiosa pela resposta do outro, pelas suas ideias e opiniões, faço questionamentos diversos. Às vezes só acompanho, pois,  diante de muito barulho externo, algumas pessoas nem percebem. Noto que elas não notam, olho que elas não veem, ouço que não há escuta. Há encontros nos quais algumas delas vão embora sem levar nada novo… São tantas palavras vazias, sem interesse genuíno no outro, com ausência de uma intenção maior que, ao final, tudo continua igual. Estamos encontrando o que afinal?

Nos enchemos de tarefas, criamos listas para organizar, desdobramos o peso de tantas coisas em palavras rápidas, cansadas, desconectadas; criamos hábitos para despistar, tentando dar conta de tudo, fugimos do que é essencial. Assim, aos poucos, na negligência de cada sim que já não cabe mais a solidão vai criando um espaço, tomando conta, e como os sentimentos não cultivados, de repente, após mais um encontro em que não há nada novo, ela excede e já não é mais possível colocá-la ao fim da lista.

Afinal, você constrói sua lista ou é ela que constrói você?

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Inteligência emocional na prática

Inteligência emocional na prática

“A mente é seu próprio lugar e, por si mesma, pode tornar o inferno um céu e o céu, um inferno.”

John Milton

 

O despertador não tocou. Eram 7h30 e a reunião começaria às 8 horas em ponto. O deslocamento de casa para o trabalho levaria no mínimo 20 minutos. O coração disparou, e a ansiedade tomou conta de Luiza. Ela seria a primeira a se apresentar. Levantou-se correndo e seu dedinho do pé direito foi quase esmagado na quina da cama. Após a higiene pessoal, vestiu-se rapidamente, apanhou a bolsa, abriu a porta e se dirigiu ao elevador. Antes de descer, se lembrou de que está faltando algo. Esqueceu a mochila com o notebook. Como faria a exposição sem o computador? Dias de intensa dedicação estavam nele. Por segundos, ficou com muita raiva do seu celular, acreditando que ele já não respondia mais aos seus comandos. “Preciso trocá-lo!”, logo pensou! Para complicar, no seu retorno, os elevadores resolveram dar uma volta até o último andar. No subsolo, ligou o seu carro e seguiu em direção à empresa. O trânsito não estava tão carregado, mas o aplicativo apontava dez minutos até o destino. A moça comunicou ao seu gestor que o trânsito se complicou e que se atrasaria uns 10 minutinhos.

 

      Mas só chegou 20 minutos após a reunião ter começado. Por esse motivo, a ordem das apresentações foi invertida. Não conseguiu prestar atenção em uma só palavra e foi tomada por um diálogo interno: “Isso não poderia ter acontecido, é por isso que não vou progredir na carreira. Tantos dias de trabalho e o despertador não toca justamente hoje. Que vergonha eu ter chegado atrasada!”.

 

      Finalmente, é a sua vez. É possível perceber a sua respiração ofegante e que ela não tem a melhor qualidade de presença. Sua explicação fica mais restrita ao que está consta nos slides. Seu gestor faz uma brincadeira no meio da participação dela, o estado emocional de Luiza melhora um pouco e ela se conduz mais harmônica até o final. Porém, nas apresentações que seguiram, ainda se sentia muito aérea e culpada, com aquela sensação de que algo não estava bem e isso roubou muito da sua energia!

 

      No livro de Susan David, Agilidade Emocional, a autora nos convida a dançarmos mais do que lutarmos com a vida e com as circunstâncias. Ela nos faz refletir que, com autocompaixão, podemos transformar os nossos desafios diários em oportunidades, sem perder o foco daquilo que realmente desejamos.

 

      Uma das perguntas que ela faz que iremos nos ater aqui é: quantas voltas no quarteirão você tem dado? A autora afirma que “andamos (ou corremos) repetidamente em volta dos quarteirões das nossas vidas, obedecendo a regras que são escritas, implícitas ou simplesmente imaginárias, presos ao costume de ser e fazer coisas que não são úteis. Por vezes, somos instrumentos de corda, indo repetidamente de encontro às mesmas paredes sem perceber que pode haver uma porta aberta à nossa esquerda ou à nossa direita”.


        Vamos analisar o que aconteceu com Luiza? Para isso, voltaremos à sua infância e entenderemos o que são as suas voltas no quarteirão. Abordaremos sobre a gestão dos pensamentos que interferem nas nossas emoções, sendo essas os condicionantes de nossos comportamentos.

Nossas experiências de infância interferem!

Precisamos compreender que as nossas vivências quando crianças e os padrões que aprendemos durante nossa trajetória têm forte interferência em relação à maneira como nos comportamos. Muitas vezes, nem nos damos conta desses padrões. Formas que provavelmente tenham sido úteis para nos tornar quem somos, mas que podem nos acompanhar em diferentes circunstâncias, impedindo-nos de alcançar maior discernimento em relação às situações. Luiza mantém a crença de que necessita ser excelente em tudo o que faz, que precisa dar o exemplo e o efeito colateral é que ela não se permite relaxar.

 

Esse ritmo frequente e sem pausas conduz à exaustão, que, por sua vez, nos faz perder o foco em relação àquilo que realmente é importante, nos tira a qualidade de presença e afeta a excelência das nossas ações. A pausa pode ser vinculada, inclusive, a um processo terapêutico, pelo qual podemos encontrar um “espaço” importante para identificar e aprender a gerenciar nossas emoções, inclusive alterar padrões que incorporamos ao longo da vida, mas que já não servem mais para a nossa jornada de desenvolvimento. Lideranças que desfrutam desses espaços são mais humanizadas e promovem ambientes de trabalho com mais segurança psicológica.

 

Na série de aulas sobre história do autoconhecimento, Luciano Meira [@lucianoameira@caminhosvidaintegral], autoridade em desenvolvimento do potencial humano, enfatiza que todo conhecimento possui valor, mas o autoconhecimento tem valor incalculável. Afinal todo conhecimento, científico, técnico ou mesmo de negócio pode perder validade, pois o mundo é instável nesse aspecto. Já com o autoconhecimento isso não ocorre, pois, quanto mais se aprofunda, mas ele se pereniza, e os níveis de consciência se ampliam. E mais: que essa é a única área do saber que propicia um encontro tão rico de perspectivas – tradições espirituais, filosóficas, psicológicas e neurocientíficas. Por isso, investir no conhecimento de si é o principal caminho para gerenciarmos as nossas emoções, pois ganhamos mais clareza acerca do que as condicionam. Líderes que desejam lidar com mais discernimento e eficácia com as adversidades da vida ou os diferentes perfis das pessoas podem encontrar as melhores possibilidades quando dão atenção aos seus processos de autoconhecimento.

Observe seus pensamentos – Quem está no controle: o pensador ou o pensamento?

“O pensamento é o diálogo da alma consigo mesma.”

Platão

 

Muitos de nós estamos aprisionados em nossos pensamentos. Perdemos a liberdade e a qualidade de presença, no sentido de percebermos com mais atenção ao que, de fato, está acontecendo ao nosso redor. Muitas histórias contêm mais inferências do que evidências. E como escreve Susan David, as pessoas acabam sendo “enredadas” por essas histórias: “em um modo específico de pensar ou de se comportar não estão realmente prestando atenção ao mundo como ele é. Elas são insensíveis ao contexto, seja ele qual for. Mais exatamente, elas estão vendo o mundo como elas mesmo organizaram, em categorias que podem ou não ter alguma coisa a ver com a situação em questão”.

 

Nossos pensamentos são carregados por experiências do passado, por aspectos inconscientes que se traduzem em algo que não fomos capazes de resolver totalmente, mas que ficam ali, “martelando”, sem que, ao menos, possamos ter uma percepção consciente de como nos roubam o discernimento. Wellington Nogueira, fundador dos Doutores da Alegria no Brasil, costuma dizer que carregamos muito “lixo mental”. Vale refletir sobre como estamos lidando com isso! Além disso, é essencial nos conceder pausas para deixar ir o que nos impedirá de usufruir da necessária qualidade de presença para que nos conectemos genuinamente aos acontecimentos e fatos.

 

Outro ponto é a forma como “culpamos” as pessoas e circunstâncias e não assumimos a responsabilidade pelo que nos cabe. É interessante observar que Luiza culpou o celular. Parece absurdo, mas é exatamente isso que fazemos muitas vezes. Nessa condição, não empreendemos esforços para ir na direção do que queremos e passamos a acreditar que somos vítimas e que não há nada mais a fazer. As adversidades acontecem, mas o que nós decidimos e fazemos após o fato é que condicionará os momentos posteriores. A respiração, nesse momento, ajuda muito! Pode trazer um alívio de que essa é somente uma dificuldade e que isso não apagará o seu brilho, passará assim como outras que já aconteceram.

Depois dos pensamentos, as emoções!

Você é capaz de perceber os seus sentimentos? Quantas vezes, agimos com raiva e, posteriormente, temos que gerenciar as consequências das nossas próprias atitudes? Quando somos capazes de fazer a gestão dos nossos pensamentos, atuando como observadores de nós mesmos, conseguimos mais facilmente nos autorregular e, claro, obter mais gestão de resultados do que consequências.

 

Não controlamos o que sentimos, mas regulamos as nossas emoções. Susan destaca ainda que se tornar emocionalmente ágil significa “ser flexível com seus pensamentos e sentimentos para responder da melhor maneira possível às situações do seu dia a dia”. Uma estratégia eficaz que contribui com essa habilidade emocional é justamente a clareza da nossa intenção. Quando cultivamos algo importante em nós que mobiliza nossas ações podemos refletir e atuar de modo a honrar esses valores e intenções, bem como de construir um legado maior, em vez de responder às situações pequenas e pontuais.


 Para nos desenredar, não podemos aniquilar nossos sentimentos, pois estaríamos comprometendo nosso próprio bem-estar. Também não podemos reprimir as nossas emoções. Não reconhecer sua existência gera um acúmulo e um transbordamento repentino, pois, em algum momento, essas emoções vêm à tona, como um adoecimento ou uma explosão de raiva. Outro comportamento comum e sem resultados positivos são os denominados por Susan como “ruminadores, pessoas que ficam obcecadas por uma dor, um fracasso percebido, uma deficiência ou uma ansiedade”, aquelas que continuam pensando da mesma forma sobre o mesmo fato e se culpando sobre isso. Saiba que nossas emoções negativas não são ruins. Elas funcionam como um alerta. Podem, sim, claro, se tornar ruins quando não somos capazes de perceber, refletir e agir com mais consciência. Veja que interessante esse trecho que está no livro da Susan David, Agilidade Emocional, de Clayton M. Christensen, saudoso fundador da teoria de Inovação Disruptiva:

“Ano passado, recebi o diagnóstico de câncer. Precisei encarar a possibilidade de que minha vida chegaria ao fim antes do que eu planejaria. Felizmente, parece que serei poupado. Mas a experiência me forneceu um importante insight.

Tenho uma noção bem clara de como minhas ideias trouxeram enorme ganho para as empresas que as usaram; sei que tive um impacto significativo. Mas, ao enfrentar essa doença, foi possível perceber como isso é irrelevante para mim hoje em dia. Cheguei à conclusão que o critério pelo qual Deus vai avaliar a minha vida não é o financeiro. O que contará é cada indivíduo cuja vida toquei.

Creio que assim será para todos. Não fique pensando em quanto destaque pessoal você obteve; pense nos indivíduos a quem ajudou a se tornarem pessoas melhores. Essa é minha recomendação final: pense nos critérios pelos quais a sua vida será julgada e adote a resolução de viver todo dia de modo que, no final, essa vida seja considerada um sucesso”.

 

Cuidado com o mundo de fora e com aquilo que pode confundir você. Olhe para dentro, compreenda-se e encontre o que é sucesso para você. Estou certa de que isso vai tornar a sua jornada de vida mais equilibrada e leve. Dance mais, lute menos. Com inteligência emocional, você adquire a tão importante agilidade para lidar com as adversidades que, com certeza, aparecerão e transforme-as. Não fique paralisado, aprenda com elas e seja o comandante desse transatlântico que se chama vida. Afinal, a Luiza pode ser você nos próximos minutos.

Referências bibliográficas
  • DAVID, Susan. Agilidade Emocional: abra sua mente, aceite as mudanças e prospere no trabalho e na vida. São Paulo, Cultrix, 2018.
  • Amy Cuddy. O poder da presença HBR – Gerencie a si mesmo – 10 leituras essenciais da Harvard Business Review. 2016.
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