Elas por elas, elas por eles

Compreender o caminho que leva as mulheres a ocuparem seu espaço nas empresas, seus desafios, estratégias de enfrentamento e aprendizados é uma forma de contribuir para que outras mulheres continuem esse caminho. Este capítulo, apresenta a experiência de quatro mulheres executivas cuja jornada as levou a romperem o “teto de vidro”. Apresenta, também, a perspectiva de três grandes executivos sobre esse tema relevante e que ainda traz desafios a serem superados.

A participação da mulher no mercado de trabalho, em especial ocupando cargos de liderança, tem sido alvo de discussões com maior ênfase a partir da década de 80, quando o fenômeno do glass ceiling (teto de vidro) elencou as barreiras invisíveis que dificultam o acesso das mulheres aos cargos de maiores salários e responsabilidades.
 
Embora com avanços perceptíveis, as pesquisas realizadas pela Mckinsey mostram que, nos últimos cinco anos, o número de mulheres que passaram a ocupar cargos nos níveis mais altos das empresas aumentou, mas a igualdade de gênero ainda está longe do ideal. Além disso, a porcentagem de mulheres em cada nível entre 2015 e 2019 é inversamente proporcional à altura do cargo; um ponto intrigante uma vez que, de acordo com essa consultoria, companhias com mais mulheres na liderança, quando comparadas com a média da indústria, vê um resultado operacional 48% maior e uma força de crescimento no faturamento de 70%.
 
Para discutir este assunto é preciso levar em consideração paradigmas históricos, que vão desde a criação das empresas por homens brancos, caucasianos; a distinção do que é papel de homem e de mulher; até o ingresso das mulheres no mercado de trabalho no Brasil no início do século XX, ocupando posições de assistentes e secretárias.
 
Neste capítulo, quatro mulheres que romperam essa barreira compartilham suas experiências, desafios e aprendizados. O quadro abaixo apresenta o perfil das entrevistas:
Além da visão feminina, incluí a percepção de três executivos de expressão sobre esse movimento: Executivos 1 e 2: diretor e gerente geral que atuam em empresas do segmento farmacêutico; e Executivo 3, presidente de empresa do segmento de tecnologia.

Botando o pé na porta: elas chegaram lá!

Assumir uma posição de liderança sempre representa um desafio, que se diferencia em função do contexto e dos atores nele envolvidos. 
 
Os maiores desafios trazidos pelas executivas foram deixar de ser decisora individual e tornar-se colaboradora de equipe, lidar com hierarquias diferentes, delegar e engajar o time. 
 
A falta de preparo na formação foi um fator crítico, de acordo com três delas. Conhecimento do negócio, do mercado, estratégia, etc. podem ser facilmente aprendidos; “o grande ponto é aprender como conseguir dar o seu melhor e motivar cada um a fazer o mesmo, ser um facilitador para o time e entre áreas”(executiva 1).
Para a executiva 4, o maior desafio foi a aceitação do time, tanto de homens quanto de mulheres. “As pessoas têm uma imagem formada, sabem seus pontos positivos e a desenvolver e esses últimos geram maior desconfiança.” 
 
O segmento farmacêutico é, aparentemente, mais aberto. Ambas as executivas que atuaram nesse segmento nunca sentiram o peso da discriminação, embora houvesse áreas predominantemente masculinas quando assumiram seus cargos. 
 
Ainda assim, quando a executiva 1 ocupou o primeiro cargo de diretoria, cujo papel era garantir o compliance e fazer recomendações para todos os níveis executivos da empresa, o ser ‘mandado’ por uma mulher não soava bem. A grande estratégia veio de sua autoconfiança e da forma como ela abordava os assuntos.
 
O segmento de energia, predominantemente masculino, trouxe experiências expressivas para a executiva 3. Em uma ocasião, era a única mulher e sponsor de uma reunião em que os participantes achavam que tomar notas era função dela, o que ratifica o antigo paradigma sobre qual é o papel da mulher.
O mais marcante para a executiva 4 foi não ter recebido o apoio esperado das mulheres do time que, antes de olharem para sua capacidade e empenho, olhavam o ‘invólucro’ (roupa, sapato, cabelo), comportamentos primários de julgamento ao invés de apoiarem e comemorarem a conquista de uma delas, revelando falta de sororidade (Sentimento de solidariedade e empatia entre meninas e mulheres.).

Como superaram os desafios

Um desafio em comum enfrentado por elas foi assumir a posição de protagonista. Para isso não se deixaram intimidar e aproveitaram as oportunidades que surgiram, estando bem preparadas para as diferentes situações que teriam de lidar.
 
Entre acertos e erros, prevaleceu o entendimento da inteligência emocional como diferencial. Diálogos foram fundamentais em todos os casos, trazendo às pessoas o entendimento de que todos estão atuando para conquistar o mesmo objetivo.
 
O posicionamento da executiva 3 era interpretado como duro por conta de uma abordagem mais incisiva o que, no mundo masculino, é entendido como firmeza, mas no feminino é mal interpretado e travestido de palavras depreciantes como neurótica, por exemplo, o que leva a desqualificar o discurso, aspecto ratificado pela executiva 2: “Se o homem é abrasivo é aceitável, a mulher não.”
 
Além disso, a executiva 4, adotou o tratamento justo como estratégia para trazer a equipe para si: “se um membro do time está sentado do lado de um colega que não faz nada, o líder tem que tomar uma atitude.”
 

Aprendizados e habilidades desenvolvidas

Os aprendizados se relacionam à capacidade de exercer a liderança 360º: ser ponto de apoio para a equipe e entre pares e outras áreas. O autoconhecimento permitiu ampliar a comunicação empática e influente, escuta genuína, não menosprezar o sentimento do outro, articular o discurso em função da audiência, administrar as singularidades e aproveitar os talentos das pessoas. 
 
No caso das executivas 1 e 2, atuar em uma empresa que tinha programas de desenvolvimento de lideranças foi fundamental, com a clareza de que os skills técnicos somente não as sustentariam na nova posição.
 
Os feedbacks também ajudaram no processo de desenvolvimento. No caso da executiva 2, o feedback da equipe elevou sua curva de aprendizado sobre como adequar o tom de fala e ter clareza dos gatilhos que surgiam em momentos de estresse, além de contar também com o feedback de seu superior ao assumir uma grande diretoria.
 
Os feedbacks levaram a executiva 3 a ampliar sua habilidade em lidar com a singularidade das pessoas e adequar a forma de abordagem, sem resvalar no comportamento masculinizado para ganhar respeito.
 
A executiva 4 reforça que, além de se conhecer, é preciso capacitar-se. Conversas com pessoas/mentores experientes são apontadas como importantes tanto por ela quanto pela executiva 1.
 
Os executivos entrevistados reiteram o apontado pelas entrevistadas, ressaltando que, das habilidades das mulheres líderes, destacam-se resiliência, determinação, foco no resultado e capacidade de trabalhar colaborativamente em um ambiente competitivo, além de aprenderem de forma acelerada.
 

O ambiente empresarial hoje: um misto de avanço com ecos do passado.

Todas as executivas consideram o ambiente atual mais aberto em função da maior disseminação das informações e fóruns de discussão, ampliando a perspectiva sobre a importância de a mulher ocupar espaços antes ocupados preferencialmente por homens.
 
Entretanto, na opinião de todos os executivos, a mudança é mais lenta do que de-veria. Empresas que queiram levantar essa bandeira devem cuidar tanto do ambiente como um todo, como capacitar as mulheres para que estejam preparadas a ocupar posições de gestão. 
 
A executiva 1 percebe que ainda há crenças que tendem a nublar a visão sobre a capa-cidade feminina em ocupar posições de CEO e Diretoria: mulher é muito sentimental, não tem estrutura para fazer alguns enfrentamentos. Essa visão é compartilhada pelos 3 executivos entrevistados, que apontam vestígios da cultura machista, especialmente na América Latina.

 

Entretanto, muitas pesquisas mostram que cada vez mais as lideranças são cobradas por competências e habilidades socioemocionais e não pelo gênero, raça ou condição física (executivo 1).

Para a executiva 4, cada evento de diversidade convence mais pessoas de que os obstáculos existiram e não podem ser ignorados. Na perspectiva dos executivos 1, 2 e 3, esse tema tem que ser amplamente debatido, sem restrições, ampliando a discussão quando se trata da mulher negra. Na estatística das 500 maiores empresas do Brasil, de 550 executivos, apenas 0,4% são mulheres negras. 
 
Outra ação apontada pelo executivo 3 é que os altos executivos devem criar espaços de diálogo: ouvir mulheres de todos os níveis para entender a dor delas. 
 
Para a executiva 3 a pandemia trouxe à tona novos desafios quanto a flexibilidade de horário, uma vez que a mulher precisa dividir o seu tempo entre trabalho, casa e família. Isso catalisou a visão da necessidade de uma boa parceria em casa, dado que a mulher ainda tem uma carga grande em termos de gestão familiar. Essa visão é ra-tificada pelos executivos 2 e 3.
 
As mulheres que galgam posições na empresa têm resiliência bem estabelecida, re-sultante da capacidade em lidar com vários eventos: prepara a reunião, cuida do filho, olha a mãe. Por outro lado, a energia e a atenção para não deixar os ‘pratinhos caírem’ acaba cobrando seu preço em termos de exaustão física e psicológica.
 
Na opinião de todos os executivos, ainda existem preconceitos, embora mais velados: questionar o tempo de dedicação de mães com filhos pequenos, a tratativa da gestação. O executivo 2 ouviu de superiores que não poderia vir a reclamar por contratar tantas mulheres. Uma visão míope, pois as mulheres com as quais trabalhou eram compro-metidas, deixavam tudo tão preparado que praticamente não se sentia o impacto da ausência durante a licença maternidade. 
 
Apesar disso, muitas mulheres parecem se constranger ao avisar a empresa de sua gravidez, bem como ainda se cobram de conseguir um equilíbrio perfeito entre os vários papéis desempenhados.

A fala da experiência contribuindo para quem vai ocupar uma posição de liderança

A partir de suas experiências, as executivas elencam pontos que devem ser alvo de atenção para as mulheres que desejam ocupar posições de liderança:

Executivo 1

Conhecimento técnico é importante, mas não suficiente.
Conheça e explore outras habilidades suas e adquira os conhecimentos que forem relevantes para a posição.
Ouça todos os lados, explore sua sensibilidade, ouça e entenda seu desconforto. Se está desconfortável, pare, respire. 

Executivo 2

Esteja bem centrada e consciente de quem você é para dar o seu melhor e enfrentar bem os desafios. Aprenda no dia a dia, identificando o que deu certo e o que poderia ter sido feito diferente. Reflita, mas não seja super crítica consigo mesma.

Executivo 3

Tenha consciência de que é tão capaz como qualquer outra pessoa.
A inspiração sozinha não basta. Desenvolva os potenciais que tem guardado e que são os presentes que recebeu quando nasceu. 
Seu autoconhecimento poderá auxiliar os outros a se conhecerem e se desenvolverem plenamente, transformando o ambiente de trabalho em uma escola de florescimento.

Executivo 4

Esteja preparada, estude muito e sempre, não espere a oportunidade aparecer para se preparar. 
Ouse, arrisque tenha coragem para fazer a diferença.
Pratique e divulgue a sororidade.
Muito do que as executivas deixam para reflexão é compartilhado pelos executivos entrevistados:

Executivo 1

Saiba onde quer chegar, entenda o que já tem de conhecimentos e habilidades e o que precisará desenvolver.
Converse com pessoas que ocupam a posição alvo, leia, saia da zona de conforto. 
Não espere alguém te dar espaço para falar, se expresse com firmeza, mesmo no meio de maioria masculina. Se imponha positivamente.

Executivo 2

Nunca desista, enfrente o status quo, assuma o protagonismo.
Ajuste forma e conteúdo da fala para não entrar em modo autodefesa e soar agressiva na abordagem. 
Passe a mensagem com a força necessária, sem passar do ponto.

Executivo 3

Seja você mesma, sempre.
Tenha resiliência.
Siga sempre seu coração.
Muito ainda pode ser falado a respeito. Se você deseja ser uma líder, siga em frente, se prepare, floresça. Você tem dentro de si todo o potencial que precisa. E como diz a frase: E se der medo? Vai com medo mesmo!
Que a experiência dessas mulheres e a perspectiva dos executivos tragam boas reflexões.

Referências:

 
 
LIPMAN, J. Escute o que ela diz: O que os homens precisam saber (e as mulheres falar) sobre trabalhar juntos. Primavera Editorial, São Paulo, 2019.
 
OLIVEIRA, B.B.; WOIDA, L.M. O Fenômeno Glass Ceiling e o Acesso à Informação: Estudo Sobre Barreiras Invisíveis Impostas às Mulheres no Trabalho. Complexitas – Rev. Fil. Tem. Belém, v. 3, n. 1, p. 61-75, jan./jun. 2018.