“Somos tão pobres que usamos as mesmas palavras para dizer coisas boas e ruins”. Esta é uma das citações da Clarice Lispector que trago guardada. Ela me lembra de nossa finitude, assim como de nossa ambiguidade.
Com a maioria das palavras e definições não é diferente: tentamos explicar tudo com a linguagem e, de alguma forma, restringimos a abrangência da explicação. Por exemplo: o termo cuidado. A qual memória instantânea está ligada esta palavra? Algo positivo estabelecido nas relações intra / interpessoais ou algum alerta, como um pedido de atenção?
Esta prática entrou na minha vida antes que pudesse escolhê-la. Lembro, quando pequena, de acompanhar minha mãe nos cuidados com minhas duas avós por dias, inclusive durante as férias escolares. Ambas adoeceram e tiveram de ser amparadas durante bastante tempo, ainda que de formas diferentes.
No mesmo período, talvez até menor, também aprendi a perspectiva semântica voltada ao zelo, carinho. Novamente uma experiência materna, afinal nossas grandes referências estão neste berço, não é mesmo? Mas retomando a lembrança amorosa de cuidado, lembro de minha mãe, bordando um vestido único de formas tão diferentes que conseguia construir uma identidade para que eu pudesse me fantasiar em cada data comemorativa: ora caipirinha, ora princesinha, ou o que eu desejasse.
Vários outros momentos me ajudaram a construir a minha definição sobre o que é cuidado e também o que descaracteriza esta ação. Acredito no ato, na prática por meio da ação – da pequenininha de cada dia até os grandes movimentos. Reconheço trabalhos bem feitos, ambientes organizados, periodicidade no acompanhamento, disponibilidade genuína.
Vamos aos aspectos mais práticos: quem cuida se entrega em cada parte para poder satisfazer o outro. Somente através da atenção, do refino de detalhes e da empatia é que podemos sentir (unindo diversos dos nossos sentidos) a intenção positiva do outro.
Muitos falam sobre a importância ou até mesmo necessidade do autocuidado para que, depois, se esteja habilitado para doação ao outro. Discordo em partes. Claro que não questiono a importância de olhar e zelar por si, mas percebo diversas pessoas conseguindo contribuir mesmo que não estejam em estado de plenitude. O alerta aqui não é fazer ou não; na verdade, talvez esteja relacionado à duração. É possível se curar ou se encontrar por meio do convívio om o outro, e a cadência fará toda a diferença àqueles que não estão em equilíbrio, isto é, ir devagar manterá todos os envolvidos em estágios saudáveis de interação.
Outra vertente é o pedir e permitir ser cuidado, perceber e aceitar a beleza de poder se colocar no estado de interesse dos outros. Mais do que a vulnerabilidade, esta condição nos é essencial para uma vida com qualidade. É na troca que nos reenergizamos – nem mais, nem menos, certamente a distribuição não é matemática e, também não será planejada. Por isso, fique atendo àqueles que precisam de seu apoio, mas construa uma rede de confiança para também poder se entregar, onde outras pessoas estarão vigiando suas necessidades.
Adoro cuidar, identificar coisas ou ações simbólicas nas quais as pessoas percebam carinho empenhado. Tento cada vez mais zelar pelas minhas escolhas e práticas, caminhando para minha melhor versão. Amo ser cuidada, receber um cafuné, físico ou espiritual, aquele que acalma o coração.