Mindset: Respostas cognitivas para um mundo em transformação

Apesar de ser fruto de um trabalho publicado em 2006, só recentemente o conceito de “mindset” ganhou popularidade no Brasil, mais precisamente em contextos de inovação e aprendizagem. De acordo com sua autora, Carol Dweck, nossa postura em relação às mudanças, desafios e falhas é um indicador importante sobre a possibilidade de crescimento. Por meio de extensas pesquisas científicas realizadas especialmente com crianças, ela identificou duas respostas cognitivas, que chamou de mindset, e seus efeitos ao longo do tempo no desenvolvimento escolar e profissional delas.

A primeira é a crença de que algumas características, como inteligência e habilidades esportivas, por exemplo, são natas e imutáveis – ou você nasce com esses talentos, ou simplesmente não terá chance alguma de tirar boas notas ou se transformar em uma grande jogadora. Quem nunca ouviu frases como: “Não sou bom em Matemática”; “Não tenho afinidade com números”; “Não consigo falar em público”; “Isso não é para mim”; “Não tenho talento para essas coisas”? Classificada como mindset fixo, essa crença fechava um caminho importante a essas crianças, bloqueando seu desenvolvimento a partir desses falsos pressupostos. Ademais, ater-se a eles tornava o treino e a prática inúteis: se as pessoas já nascem com um determinado set de aptidões, que razão haveria para se esforçar em aprender algo que não lhe é inerente?

Por outro lado, crianças que demonstravam curiosidade e persistência frente a novos desafios abriam-se para uma jornada engrandecedora de aprendizado, que as conduzia mais longe e a patamares mais altos.

Embora as pessoas talvez não estejam conscientes de seu próprio mindset, é possível identificá-lo a partir de seu comportamento – particularmente diante de situações em que houve erros ou fracasso: aquelas que possuem mindset fixo encaram os percalços de forma negativa, como se eles colocassem em dúvida suas habilidades; já sob o mindset de crescimento, não há por que temer as falhas, pois elas são encaradas como oportunidades de aprendizado. E esta distinção é fundamental, porque faz com que os indivíduos sob esse mindset continuem se esforçando e se aperfeiçoando, buscando alternativas, a despeito das eventuais dificuldades.

No mindset fixo as crianças se recolhiam para sua zona de conforto: com medo de errar e serem julgadas pelo olhar externo, preferiam repetir aquilo que já dominavam, que tinham certeza de que fariam bem. No de crescimento, errar não era um problema – muito pelo contrário! Do erro é que nasceriam perspectivas e conhecimento adicionais. Pais e educadores têm, portanto, grande responsabilidade em relação ao mindset que fomentam nas crianças. Atitudes como elogiar o resultado de uma ação, em vez do processo em si, transmitem a informação de que o mais importante para eles é a criança ter sucesso em sua empreitada, quando, na verdade, o caminho que conduziu ao sucesso é que deve ser celebrado, pois foi ele que proporcionou o aprendizado. Igualmente, rótulos, ainda que positivos, podem ser prejudiciais, instaurando o mindset fixo e todo o repertório de bloqueios que ele traz, como ansiedade em relação à performance e a tendência a desistir rapidamente. Em seu livro, Dweck afirma que os maiores legados que pais e mães podem deixar a seus filhos são a paixão por desafios, a curiosidade pela descoberta e a postura de dedicação e esforço.

 

 

Inovações tecnológicas e perfis profissionais

Foram-se os tempos em que inovações tecnológicas podiam ser amortizadas durante longos períodos de estudo e adaptação. Com a Indústria 4.0 e sua dinâmica de evolução fundamentada principalmente no avanço da inteligência artificial, as mudanças surgem, substituem e são substituídas elas também em espaços muito curtos – frequentemente, poucos meses. Neste aspecto, profissionais com mindset de crescimento tornam-se uma resposta válida e desejável para organizações que precisam fazer frente a essas transformações no mundo dos negócios.

A aprendizagem começa e termina no indivíduo. Empresas podem estimular, oferecer subsídios ou mesmo permitir que seus colaboradores dediquem parte do tempo remunerado em pesquisa/estudo de temas ou ferramentas diferentes daquelas usadas na rotina de trabalho. Contudo, cabe a cada um de nós dedicar esforços e elevar conhecimento e habilidades para além do nosso nível atual de competência e conforto, observando resultados e fazendo eventuais ajustes. Não se trata, porém, de se tornar a maior autoridade do mundo em um determinado tema – essa competição não existe. A postura de crescimento tem a ver com um movimento constante e permanente para criar uma versão melhor de si mesmo a cada dia que passa. E nesse sentido, o próprio cérebro nos favorece: estudos científicos utilizando equipamentos de eletroencefalografias (EEG), mostraram que a atividade cerebral é mais intensa quando buscamos conhecimentos – esse processo ativa novas conexões entre os neurônios.

Tradicionalmente, as pessoas se especializavam em uma única disciplina e, ao longo do tempo, complementavam-na com cursos de extensão ou treinamentos sob demanda – o que caracterizou o famoso perfil em formato de T (a barra vertical da letra representando esse domínio de especialização, e a horizontal, uma gama maior de assuntos sobre os quais se detinha conhecimento e prática mais generalistas). Hoje, considerando as demandas em constante mudança, e até mesmo o leque ampliado de opções de estudo e atuação, o mercado concebe e estimula um novo perfil profissional, um baseado na letra M (imagine uma barra horizontal representando múltiplos interesses, mas nos quais a pessoa detém conhecimentos mais generalista – tal como no formato em T –, mas agora com três barras verticais, em vez de uma, indicando profundidade multidisciplinar). Não raro – e posso dizer isso por experiência própria, tendo estudado: História (graduação), Processamento de Dados (graduação tecnológica), Finanças (pós), Gestão de Empresas (MBA), Marketing Digital (pós), até chegar à Economia Comportamental (MBA), em 2014 – as pessoas estão construindo suas carreiras acadêmica e profissional de maneia não-linear, perpassando diversas áreas do conhecimento, muitas vezes “estranhas” entre si.

Em relatório abordando elementos essenciais para uma trajetória de aprendizagem contínua, a consultoria McKinsey comenta que, quando tentamos algo novo, como começar a trabalhar em uma nova empresa, criamos uma espécie de curva S de aprendizado. A princípio, o progresso desse aprendizado e seu impacto ao negócio são limitados; após um determinado período, contudo, um ponto de inflexão surge, a partir do qual o entendimento, a competência e a confiança aceleram rapidamente e passam a ter impacto relevante no negócio. Essa trajetória segue por mais um tempo, até atingir a parte superior e achatada da curva. Nesse momento, a empolgação e o entusiasmo pela atividade minguam, o aprendizado e o desenvolvimento estagnam e, por fim, as atividades tornam-se parte de uma rotina automática e entediante, em que o impacto nos resultados também passa a declinar. Pessoas engajadas no processo de criação de novas versões de si mesmas não sofrem este problema, pois sempre encontrarão novos caminhos de se desenvolver e dar início a uma nova curva S.

 

Não se trata apenas de esforço!

A popularidade do trabalho de Carol Dweck também teve um efeito colateral: publicações, escolas e empresas sintetizaram seu estudo de maneira simplista, resumindo o mindset de crescimento ao mero esforço que uma pessoa deve demonstrar em suas atividades. Contudo, essa abordagem é incorreta. Fomentar o mindset de crescimento em crianças, por exemplo, não se limita a incentivá-las a se esforçar; envolve também – e este é talvez o aspecto mais relevante do estudo – identificar essas áreas de desenvolvimento e prover o direcionamento necessário para que elas descubram esses caminhos por si mesmas.

Por fim, vale ressaltar que ninguém é 100% mindset fixo nem 100% mindset de crescimento. Cada um de nós é uma combinação dessas duas respostas, que se manifestam de formas e intensidades diferentes, conforme contexto e situações que vivenciamos. Devemos fazer um exercício de autorreflexão, buscando entender em que momentos a abordagem fixa predomina, por que motivos ela é disparada e como podemos agir para mitigá-la; e assim, nos posicionarmos cada vez mais dentro do mindset de crescimento.

Referências

– Brassey, J., Coates, K., van Dam, N. Seven essential elements to a lifelong learning mind-set. McKinsey report, 2019. Disponível em: https://www.mckinsey.com/business-functions/organization/our-insights/seven-essential-elements-of-a-lifelong-learning-mind-set. Último acesso em 08 de dezembro de 2019.

– Dweck, Carol. Mindset – a nova psicologia do sucesso. Editora Objetiva, 2017.

– Krakovsky, M. When Success sours – public acclaim can distort research applications. Artigo publicado para a Stanford Magazine e disponibilizado em https://medium.com/stanford-magazine/when-success-sours-4079050e9f2c. Último acesso em 08 de dezembro de 2019.

– Krakovsky, M. Why mindset matters. Artigo publicado para a Stanford Magazine e disponibilizado em https://medium.com/stanford-magazine/carol-dweck-mindset-research-eb80831095b5. Último acesso em 08 de dezembro de 2019.

– TED Talk: Carol Dweck, “O poder de acreditar que se pode melhorar” (2014). Disponível em: https://www.ted.com/talks/carol_dweck_the_power_of_believing_that_you_can_improve?language=pt-br. Último acesso em 08 de dezembro de 2019.

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Ambientes de trabalho tóxicos e por que é tão difícil deixá-los

Quando falamos de ambientes de trabalho perigosos, o que geralmente nos vem em mente: minas de carvão? Corpo de bombeiros? Pesca comercial? Trabalhos em galerias de esgoto?

Mas e o escritório “tradicional”?

Estudos científicos já comprovaram que jornadas de trabalho muito longas, falta de períodos de descanso, pressão extrema por resultados e competição desenfreada são fatores que refletem diretamente na saúde emocional e psicológica dos trabalhadores, causando diversas doenças e até mesmo morte.

Em seu livro “Morrendo por um salário” – lançado em português em outubro deste ano –, Jeffrey Pfeffer, especialista em comportamento organizacional e Professor da Universidade de Stanford desde 1979, traz uma extensa discussão sobre as implicações de ambientes de trabalho e práticas de gestão tóxicas à saúde e ao bem-estar das pessoas. Seu trabalho correlaciona esses fatores a ataques cardíacos, diabetes, depressão, problemas neurológicos, abuso de substâncias como álcool, cigarro e drogas, além de comportamentos agressivos e suicídios.

Hoje, o estresse ocupacional custa ao governo dos Estados Unidos cerca de US$ 300 bilhões por ano e é responsável por aproximadamente 120.000 falecimentos – o que o torna a 5ª maior causa de mortes no país. Esses dados são alarmantes: imersos em uma cultura que enfatiza a “alta performance”, de gente conectada 24h por dia e sempre disponível, as empresas não se dão conta de que esses paradigmas, na verdade, estão adoecendo as pessoas. Segundo um estudo realizado com milhares de trabalhadores em diferentes segmentos de mercado, um aumento de 10% na quantidade de horas trabalhadas em uma semana não aumentou a produtividade; muito pelo contrário: ele foi responsável por uma queda de 2,4%!

E essa é talvez a constatação mais triste: mesmo que as organizações de todos os tipos permitam e, em alguns casos até incentivem, práticas de gestão que literalmente adoecem e matam colaboradores, esses mesmos empregadores também sofrem porque ambientes e práticas de gestão tóxicas não aumentam sua rentabilidade ou sua performance. Empresas insalubres – na ótica psicológica e emocional – na verdade diminuem o engajamento das pessoas, aumentam o turnover e reduzem performance, além de fazer disparar os custos dos planos de saúde e seguros de vida. É uma clara situação de perde-perde.

Ao longo do texto, Pfeffer traz diversos exemplos sobre as consequências desse problema:

– um funcionário da loja de departamentos americana Sears recebeu um e-mail às 7h da noite, na véspera de Natal. Ele respondeu à mensagem no dia seguinte (Natal!), 8h da manhã. Logo em seguida, um dos executivos da empresa, que estava copiado na conversa, mandou outra mensagem, perguntando por que ele havia demorado tanto tempo para responder e tomar uma providência;

– entre 2008 e 2010, 46 funcionários da France Telecom cometeram suicídio em razão das reorganizações propostas na empresa;

Moritz Erhardt, estagiário da unidade londrina do banco de investimentos Merril Lynch, morreu após trabalhar 72h seguidas. Ele tinha apenas 21 anos;

– entre 2007 e 2009, cerca de 200.000 fazendeiros indianos se suicidaram por conta de dívidas e problemas econômicos que os afligiram duramente em meio à crise;

– entre 1992 e 2010, nos EUA, houve quase 14.000 vítimas de homicídio em ambientes de trabalho;

– em um escritório de engenharia no Japão, Kenji Hamada trabalhou 75h por semana durante 6 semanas seguidas, sem descanso, sem folgas. Além disso, ele levava 2h para chegar ao trabalho. Ao final desse período, Hamada teve um ataque cardíaco e morreu.

Esses casos todos têm alguns pontos em comum: trabalho excessivo, muito acima do padrão; falta de descanso, caracterizado pela ausência de folgas e períodos muito curtos de sono entre um dia e outro; desequilíbrio nas relações sociais e familiares devido ao estresse, à pressão e à jornada de trabalho.

No Japão, existe até um termo que define morte por excesso de trabalho: karoshi. Reportado pela primeira vez em 1969, foi só em 2012 que passou a ser reconhecido como uma situação de risco, resultando em 812 indenizações a familiares; em 2015, esse número subiu para 2.310; e mais recentemente estima-se que o número de japoneses que morrem em decorrência da sobrecarga de trabalho esteja próximo dos 10.000 por ano – praticamente o mesmo número de vítimas de acidentes de trânsito no país.

Na China, chão de fábrica de componentes eletrônicos que abastecem diversas empresas tech amadas mundo afora e onde as condições competitivas são absolutamente brutais, a morte pelo excesso de trabalho também recebeu um substantivo exclusivo: gulaosi. Segundo dados do China Youth Daily, cerca de 1.600 pessoas morrem todos os dias, completamente esgotadas pelo trabalho – número que totaliza assombrosos 584.000 indivíduos por ano.

 

 

Os 10 principais fatores que afetam saúde e longevidade

Dentre os principais problemas apontados, encabeçam a lista:

1. Estar desempregado;

2. Não ter plano de saúde

Por conta das incertezas e preocupações que trazem, eles estreitam o foco de atenção das pessoas que, por esta mesma razão, acabam muitas vezes presas em uma espiral de pensamentos que as impede de tomar melhores decisões e encontrar novos caminhos.

Na sequência, vêm:

3.Trabalho por turnos, principalmente quando eles se estendem por 10 ou mais horas;
4. Excesso de trabalho, caracterizado por jornadas semanais superiores a 44h;
5. Instabilidade, ou seja, quando o trabalhador teme cortes

De acordo com estudos realizados na Coreia do Sul, a instabilidade no trabalho é tão nociva à saúde quanto o consumo de cigarros. A lista segue então com:

6. Conflitos trabalho-família / família-trabalho;
7. Ter relativamente pouco controle sobre as atividades e o ambiente de trabalho, incluindo falta de autonomia;
8. Alta demanda de trabalho e pressão sobre prazos;
9. Estar em um ambiente com baixos níveis de suporte social (relacionamento próximo com colegas de trabalho, por exemplo); e
10. Trabalhar em um contexto em que decisões sobre atividades e oportunidades pareçam injustas

Bob Chapman, que fala sobre lideranças verdadeiras, alerta: “A pessoa para quem você se reporta no trabalho é mais importante para sua saúde do que o médico da família”.

 

Por que é tão difícil sair?

Boa parte das pessoas entende perfeitamente que está inserida em ambientes tóxicos. Dessa forma, por que é tão difícil sair?

Em primeiro lugar, podemos mencionar a inércia, também chamada de viés do status quo. As pessoas têm a tendência natural de permanecer onde estão, mesmo cientes de que pode haver algo melhor lá fora. Porém, para isso é necessário sair do estado atual, promover mudanças, vivenciar situações de, literalmente, desconforto.

Procurar um novo emprego é algo que demanda muita energia – aliás, procurar um novo emprego é por si só uma espécie de emprego, que compreende várias etapas: pesquisar vagas, acessar o site da empresa, procurar notícias a respeito dela, preencher formulários, atualizar o CV, fazer testes online, agendar entrevista. Ademais, alguns processos envolvem dinâmicas, business cases, enfim. O que acontece: o ambiente de trabalho tóxico muitas vezes drena toda a energia que a pessoa possui ao longo do dia, de forma que ela se sente tão estressada, pressionada e ansiosa por sair, que acaba ficando paralisada. Não consegue dar os próximos passos. Se você está se sentindo esgotado, não tem dormido direito e ainda tem inúmeras preocupações sobre o trabalho atual, com que estado mental e psicológico você vai fazer uma entrevista em um novo emprego? É um desafio gigantesco.

Outro ponto são as normas sociais. Todos nós pertencemos a grupos específicos: colegas de trabalho, vizinhos de um condomínio, frequentadores de uma igreja, apreciadores de literatura russa, torcedores de um time etc. Algumas empresas, como a Amazon, que o Pfeffer cita nominalmente no livro, praticam um discurso de que seu ambiente de trabalho é de fato “desafiador”, “duro”, e que somente as pessoas realmente fortes, comprometidas, diferenciadas conseguem sobreviver nele. Isso gera uma carga psicológica enorme, e você começa a questionar sua saída e a si mesmo: será que esse ambiente na verdade é ok, mas eu é que sou fraco? Eu é que não sou bom o bastante? Ninguém gosta de ser visto como uma pessoa que desiste das coisas – ninguém gosta de pensar sobre si mesmo como alguém que desiste das coisas.

Inúmeros entrevistados comentaram que seus amigos diziam: “Uau! Você tem um emprego naquela empresa incrível! Você realmente atingiu um patamar diferente” etc. Nesse contexto, pedir demissão – “desistir” – torna-se muito difícil, porque é uma decisão que vai contra as expectativas desses grupos sociais aos quais você pertence. Como é que você vai explicar para esses amigos e parentes que aquele emprego sensacional, na verdade, está te deixando doente?

A terceira razão é o nosso cérebro límbico, nosso sistema 1, o piloto automático que rege nossas ações do dia a dia. Nós temos uma capacidade incrível de racionalizar as coisas: “Ah não é tão ruim assim”, “É só por um tempo determinado”, “É por uma boa causa, estou trabalhando num problema que vai ajudar a humanidade”. Nós vamos criando dezenas de desculpas para tudo na vida. E uma vez que escolhemos uma profissão e uma empresa, e nos vimos inseridos em um ambiente onde todos estão sujeitos às mesmas insanidades e, aparentemente, estão tolerando tudo, nós criamos essa narrativa mental que nos identifica a esse lugar e torna muito difícil tomar a decisão de sair – mesmo conscientes de que estamos nos sentindo mal, que estamos tomando medicações, que nossas relações com esposa, marido, filhos, amigos está péssima.

 

O que fazer, então?

Somos influenciados pelos outros (normas sociais). A primeira dica que o Pfeffer dá é que você procure pessoas que não morrem por um salário, pessoas que sabem balancear e equilibrar melhor esses binômios trabalho-família, trabalho-lazer. Não estamos falando daquelas que têm fotografias da família inteira espalhadas pela mesa de trabalho, mas que são turistas dentro de casa. Estamos falando das que realmente se comprometem com filhos, cônjuges, amigos. Construa relações com essas pessoas e tente entender seu estilo de vida. Elas podem servir como fonte de informações e influência para que você inicie sua mudança.

Segundo: reconheça, mas não sucumba aos apelos do ego “Será que eu não sou bom o bastante?” Admita que quando você escolhe uma profissão ou empresa para a qual vai trabalhar, sua decisão está sujeita a erros como qualquer outra. O cérebro humano é naturalmente enviesado. Perceba o erro e tome as ações necessárias para corrigi-lo.

Terceiro, e conforme relatos das pessoas que participaram de entrevistas com o Pfeffer, mesmo que você tenha tomada a difícil decisão de dar o fora daquela empresa tóxica, os efeitos de um ambiente de trabalho tóxico não desaparecem imediatamente. Por algum tempo, esses resíduos voltarão à tona para te incomodar. E esse é um processo natural de superação.

Por fim, e talvez mais importante, tenha em mente que ao avaliar um emprego novo, aspectos como saúde e bem-estar devem ser considerados. Trabalho não é só dinheiro, e mesmo uma montanha de dinheiro não é suficiente para reparar os estragos de um ambiente negativo.

Saiba mais em:

– KAHNEMAN, Daniel. Rápido e devagar – duas formas de pensar. São Paulo: Editora Objetiva, 2012.

– PFEFFER, Jeffrey. Morrendo por um salário – como as práticas modernas de gerenciamento prejudicam a saúde dos trabalhadores e o desempenho da Empresa. E o que podemos fazer a respeito. 1ª edição. Rio de Janeiro: Alta Books, 2019.

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Comunicação não-violenta – por onde começar

A comunicação não-violenta (doravante CNV) é fruto de um extenso trabalho de pesquisa desenvolvido pelo Dr. Marshall Rosenberg, que viajou o mundo e conheceu diversas culturas, estudando as conexões que as pessoas estabeleciam entre si. Segundo ele, as conversas carregam duas possibilidades: a primeira é um jogo do tipo “quem está certo e quem está errado”; a segunda representa a predisposição de “fazer do mundo um lugar melhor”. Assim, e através da CNV, nós podemos criar interações em que as pessoas buscam naturalmente contribuir com o bem-estar do outro, gerando benefícios recíprocos. É uma forma de relação que não se baseia em pré-julgamentos, críticas ou rótulos; que não é utilizada como um caminho para se esquivar de responsabilidades, culpando o outro; e que não se fortalece por meio de ameaças e de certezas sobre quem deve ser punido ou recompensado.

A CNV é um modelo que nos ensina a estar presente no momento e a nos conectar com valores e necessidades profundas – as verdadeiras razões que movem as palavras e o comportamento das pessoas. Não se trata, portanto, de fazer diagnósticos sobre o que ou quem está certo ou errado.

Por meio dela, nós aprendemos a falar a verdade e a compartilhar nossa perspectiva de uma forma que conduz à harmonia, não ao conflito – inclusive em situações desconfortáveis e complexas, que envolvem variações emocionais intensas ou assuntos delicados. Dessa forma, podemos nos posicionar de uma maneira menos defensiva e mais compassiva.

 

 

Componentes da comunicação não violenta

O modelo da CNV parte da integração de alguns componentes principais:

Percepção: conjunto de princípios e perspectivas que apoiam uma existência compassiva, colaborativa, mas ao mesmo tempo plena de coragem e autenticidade em nossa relação conosco mesmo e com o meio em que estamos interagindo;

Linguagem: o entendimento de como as palavras, pronunciadas e ouvidas, podem contribuir para criar tanto conexões quanto para nos distanciar uns dos outros, além de apoiar ou ferir;

Comunicação: saber pedir aquilo de que realmente necessitamos, sem impor ameaças e sem qualquer forma de coerção; ouvir o outro sem absorver ou externalizar críticas e culpa, ainda que não concordemos com seu ponto de vista; aprender a conduzir nossa fala de modo a buscar o benefício recíproco de todas as partes envolvidas; e

Influência: compartilhar o poder em vez de usá-lo sobre o outro, a fim de facilitar um ambiente em que todos possam se sentir igualmente valorizados, respeitados, honrados e seguros.

‍Quatro etapas de transformação

Todo modelo de comunicação possui ao menos duas partes: emissor e receptor. Na CNV, elas são chamadas de “honestidade” e “empatia”, e o processo todo ocorre em quatro etapas, refletidas sobre ambas as partes (respectivamente a expressão autêntica/genuína, e a forma como escuto):

1. Observar sem julgar: como nossas observações e as dos outros constroem os fundamentos sobre o que estamos conversando. Nesta etapa inicial devemos eliminar quaisquer tipos de julgamentos, críticas ou opiniões que possam surgir um uma determinada interação. O importante é encarar a situação de forma neutra, ouvindo com interesse genuíno o que o outro tem a dizer, a fim de compreender o contexto de seu ponto de vista. O objetivo é fazer com que a relação seja transformada, não encerrada;

2. Expressão dos sentimentos: o corpo e a mente dão informações importantes sobre nossos valores e necessidades e se eles estão sendo atendidos. Por isso, é fundamental entender, reconhecer e expressar os sentimentos por que estamos passando, pois eles oferecem um ponto de conexão muito forte que nos ajuda a compreender a experiência do outro e a comunicar nossa própria;

3. Declaração das necessidades: são nossos motivadores, as razões profundas por que estamos nos comunicando. Quando declaradas, elas permitem ao outro um olhar mais humano e a construção de conversas equilibradas e empáticas, que trazem proximidade, reconciliação e a base para soluções do tipo ganha-ganha;

4. Pedido: é a expressão daquilo que observamos, sentimos e necessitamos, feita de forma clara e objetiva e de uma maneira em que ela assume a entonação de um pedido, não de uma exigência – dessa forma, damos ao outro a mensagem de que ele(a) possui uma escolha.

 

 

O modelo da CNV, portanto, pode ser empregado eficazmente para desenvolver, transformar e enriquecer interações familiares, corporativas, entre amigos e casais, bem como ser usado em processos ligados à educação e ao desenvolvimento de pessoas. Por meio dele, podemos contribuir para a criação de ambientes empáticos e solidários – para nós mesmos e àqueles que valorizamos.

Referência:

– ROSENBERG, Marshall B. Comunicação não-violenta – técnicas para aprimorar relacionamentos pessoais e profissionais. 1ª edição. São Paulo: Editora Ágora, 2006.

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