Assédio no ambiente corporativo
Assédio no ambiente corporativo
O tema assédio no trabalho vem se tornando cada vez mais relevante nos últimos anos. Recentemente, tivemos aprovada a lei no 14.457/2022, que instituiu que as empresas promovam treinamentos e debates sobre o combate a todo tipo de assédio, medida que concedeu a legitimidade que o assunto requer e posicionando-o de fato para o lugar que ele precisa e deve ocupar como um ato de violência social que gera prejuízos severos a toda dinâmica existencial de quem sofre abuso.
Essa necessária discussão tem reacendido finalmente a esperança de muitas pessoas que, durante anos, foram alvo de ofensas contra a sua dignidade e não tinham onde se apoiar. Primeiro porque essa questão durante muito tempo foi tida como inabilidade social de quem a pratica e segundo porque esse tipo de violência e atos discriminatórios disfarçados de piadas sempre foram normalizados em nossa sociedade, sobretudo a brasileira, de herança escravocrata; no contexto organizacional, ainda fica mais difícil legitimar o assédio por se tratar de uma violência muitas vezes sutil. Nesse sentido, Hirigoyen (2012), psiquiatra e importante pesquisadora faz uma importante observação por meio dos seus estudos clínicos: quanto mais se sobe na hierarquia e na escala sociocultural, mais as agressões ficam sofisticadas e de difícil caracterização.
Do ponto de vista jurídico, ainda é muito difícil caracterizá-lo por não se conseguir especificar objetivamente a origem do sofrimento emocional, pois a realidade exterior não é a mesma realidade psíquica para quem sofre, porém, em face do cenário atual, no qual as práticas discriminatórias tornam-se cada vez mais evidentes em nossa sociedade, tem se debatido muito sobre o assunto trazendo luz a toda essa conjuntura social.
É importante salientar que o assédio moral ou outras condutas abusivas no trabalho é um ato perverso de violência, um atentado contra a dignidade e integridade humana que, em geral, ocorre sem uma explicação óbvia para além do preconceito e da discriminação. Os estudos sobre o tema mostram que, em geral, a violência começa a ser praticada por uma recusa do que é diferente, ou seja, tem algo no outro que “ameaça” o sistema e, na impossibilidade de conviver com essa diferença, deve-se eliminá-la a todo custo. Afinal, formatar os indivíduos ainda é uma maneira de controlá-los: uma orientação sexual diferente, um estilo de se comunicar que “ameace” ou mobilize um grupo de novas formas; uma vestimenta que questione o status quo, questões étnicas, culturais, raciais, entre tantas outras; as ameaças são muito individualizadas, mas os efeitos emocionais são semelhantes em um aspecto crucial: causam rupturas significativas na autoestima de quem as sofre, além de virem acompanhadas por vários sintomas, como ansiedade, depressão, distúrbios psicossomáticos, entre outros. Hirigoyen (2012) observou em sua pesquisa que são poucas as agressões que causam distúrbios psicológicos tão graves a curto prazo e consequências a longo prazo tão desestruturantes.
Conceitualmente, o assédio moral no trabalho se configura como todo e qualquer ato abusivo (gesto, palavra, comportamento, atitude) que atente, por sua repetição ou sistematização, contra a dignidade e integridade física ou psíquica de uma pessoa, ameaçando o seu emprego ou degradando o clima de trabalho (HIRIGOYEN, 2012). Margarida Barreto, uma das precursoras no Brasil sobre essa questão, entende que, no contexto organizacional, trata-se de uma gestão baseada na humilhação. É na repetição e no efeito cumulativo que se configura o assédio moral.
Margarida Barreto ainda levanta a questão de essa prática estar ligada às mudanças do formato de trabalho e quase todas as pesquisas sobre o assunto igualmente apontam para a direção do estresse. Com a globalização e a internet, tudo ficou mais rápido e as necessidades de novas respostas também. Hoje, os trabalhadores são pressionados por metas e inovação e, muitas vezes, as pessoas acabam controlando isso de maneira bastante degradante. Porém, vale ressaltar que, mesmo que o estresse constitua um desgaste físico e emocional importante em nosso cenário atual, o assédio moral só se constitui porque existe um terreno fértil no qual ele pode se proliferar. Não existe violência isolada e praticada por uma única pessoa. O que há é um sistema que corrobora com essa prática, principalmente quando as empresas não têm uma gestão clara ou políticas de combate eficientes que eliminem um estilo ultrapassado.
Podemos observar que são diversas as formas que o assédio moral no trabalho é praticado. Além dos atos explícitos mais simples de serem identificados, há os atos sutis, a violência velada repetida diariamente sem que a vítima necessariamente consiga perceber ou nomear: o isolamento por exemplo, cujo objetivo é sempre desmobilizar a vítima para que ela não seja mais capaz de responder, ficando totalmente vulnerável no contexto. Hirigoyen (2012) denomina o assédio como a patologia da solidão, pois as pessoas isoladas são prioritariamente as mais ameaçadas; as que possuem aliados ficam protegidas.
Mas existem outras maneiras de desmobilizar ou desvitalizar as vítimas como, por exemplo, deixá-la em dúvida sobre o seu trabalho por meio de ataques pessoais repetidos ou lançando um volume de trabalho muito além do possível para que o outro não suporte a demanda e cometa erros ou até mesmo peça demissão. Afinal, não fornecer a uma pessoa as ferramentas e as informações necessárias para a realização da atividade é uma estratégia eficaz de demonstrar a sua ineficiência.
Independentemente do modo, no assédio o que se torna mais degradante é a pessoa sofrê-lo e nem saber exatamente a origem disso. Observa-se que esse tipo de violência está mais ligado às características pessoais de quem sofre do que propriamente os seus atributos profissionais; nesse sentido, uma pessoa pode ser colocada à margem, ser maltratada ou humilhada, sem que lhe digam por que está sendo acusada. Tudo o que ela pode fazer é supor e lidar com as suas dores, como se fosse inadequada por ser de um determinado jeito ou característica. E, na tentativa de buscar uma compreensão e fechar uma narrativa que justifique esse entendimento, as vítimas frequentemente se perdem em meio a questionamentos infrutíferos, muitas vezes, inclusive ajustando o seu comportamento para pertencer a determinado grupo social. E isso se torna tão enfadonho que o adoecimento aparece.
O assédio moral e sexual tem ganhado grande repercussão diante de toda a conjuntura social e política que estamos vivendo. Os prejuízos emocionais e econômicos são enormes para as empresas, para as pessoas e para as famílias de modo geral. É preciso nos unirmos para legitimar abordagens mais compassivas se quisermos vivenciar alguma transformação positiva na sociedade.
Sabemos que as camadas de transformação são profundas principalmente quando se pensa na origem do assédio. Porém, é possível encontrar soluções por meio dos atos de cuidado e compaixão que exercemos em nosso dia a dia; no caso das empresas, existem diversas possibilidades para diminuir esse e outros tipos de violência e transformar um ambiente melhor para se viver e trabalhar, como o estabelecimento de políticas eficazes de recursos humanos, canais de denúncias que investiguem os comportamentos contraproducentes que ferem os valores e os pilares de cada organização, o estabelecimento de palestras e diálogos que visem maior consciência dos colaboradores, ações de desenvolvimento de habilidades socioemocionais e de não violência, a construção de uma cultura que promova saúde e produtividade. As empresas exercem um poder de influência gigante na sociedade e são pilares importantes de transformação. Todas essas medidas podem gradativamente ensinar e ampliar para novas formas de se relacionar com as pessoas construindo um mundo melhor.