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Revisitando o Diagrama de Gantt: aprenda a tirar o máximo dessa ferramenta em 6 etapas

Combinando o jogo com os russos

‍Neste artigo, vamos explorar as funcionalidades do Diagrama de Gantt e colocá-las em prática, criando um projeto a partir do zero, planejando suas etapas em um quadro virtual, traçando sua rota crítica e, por fim, transpondo esse esquema todo para o Excel – porque o Gantt não precisa necessariamente do MS Project 😉

 

Desde o meu primeiro emprego tenho atuado no contexto de projetos – e dos mais variados tipos e complexidades. Durante boa parte dessa trajetória, essas iniciativas foram conduzidas sob uma metodologia tradicional “em cascata”, baseada no PMBOK ou adaptada a partir dele (entenda essa metodologia aqui). Dessa forma, a expressão “Diagrama de Gantt” acabou sendo uma constante.

Embora o contato com a ferramenta tenha se dado logo cedo, a ferramenta me foi apresentada de um jeito um tanto equivocado: na maioria desses projetos, o Gantt era empregado apenas como uma apresentação visual do cronograma do projeto. Não é propriamente um erro, mas sim uma visão bastante limitada de seu potencial.

Poderia ter sido um Diagrama de… Adamiecki

O primeiro Diagrama “de Gantt” surgiu na década de 1890, criado pelo engenheiro polonês Karol Adamiecki. Responsável por uma indústria especializada na laminação de aço, ele se interessava bastante por questões relacionadas à gestão e técnicas de produtividade. E foi a partir desse contexto que desenvolveu uma forma de representar processos interdependentes, capaz de dar mais visibilidade aos cronogramas de produção. Seus primeiros artigos foram publicados entre 1903 e 1909. Em russo. Na época – e talvez ainda hoje – esse idioma tinha pouco apelo (além de intérpretes e tradutores) no mundo Ocidental e, por esta razão, não chegaram a ser difundidos fora do círculo russo e polonês.

Do outro lado do Atlântico (ou do Pacífico, dependendo da perspectiva), e entre os anos de 1910 e 1915, Henry Gantt, engenheiro e consultor de projetos americano, criou sua própria versão da ferramenta e passou a difundi-la pelos escritórios e empresas pelos quais passava. A partir daí, o Diagrama (agora sim) de Gantt ganhou popularidade e passou a ser aperfeiçoado ao longo do tempo. Como prêmio de consolação, coloco aqui ao lado a imagem de Adamiecki.

Veja bem, não é só um cronograma

Muitas empresas e profissionais “pulam” essa etapa importante:

– simplesmente não fazendo planejamento algum (“É um projetinho simples, pequeno, não precisa disso”);

– elaborando um plano, mas mantendo-o “guardado” na cabeça de poucas pessoas (normalmente uma só), sem qualquer tipo de documentação;

– montando um plano declarado, porém sob a forma de lista de tarefas. Como não há distribuição delas ao longo do tempo nem uma noção exata de interdependência, não é possível saber quando esse projeto vai terminar;

– elaborando tanto um plano quanto o Diagrama de Gantt, mas este apenas como cronograma.

Não importa se você é mais tradicional ou entusiasta do Agile: todo projeto precisa de um plano! E esse plano pode começar de uma maneira bem simples, low tech, com um quadro ou uma parede e alguns blocos de post its coloridos. Vamos a ele, então!

Projeto 101

O exemplo que vou criar é de complexidade relativamente baixa, a fim de ilustrar rapidamente as etapas da criação do Diagrama de Gantt e como executá-las. Uma vez entendido o processo, ele poderá ser replicado para qualquer outro contexto e complexidade.

Sendo assim, suponha que você está se casando e precisa planejar todas as tarefas necessárias para que o evento seja inesquecível (você vai planejar as coisas, certo?).

01. Crie uma lista de tarefas

O primeiro passo, portanto, é listar todas as tarefas que conectam nosso estado atual, de planejamento, até a data de entrega do projeto – neste caso, a cerimônia de casamento. Não se preocupe ainda com a sequência e a ordem exata delas; deixe a mente fluir. E, sempre que possível, use post its em um quadro ou parede, ou alguma solução digital para tornar esse exercício mais fácil e visual. O quadro abaixo, por exemplo, foi criado no Miro:

 

 

02. Organize-as

Nesta segunda etapa, criaremos alguns “caminhos” ligando a tarefa de partida e a do evento final (ou entrega do projeto), de forma a agrupar atividades correlacionadas em conjuntos, como: “trajes”, “alimentação”, “convites” e assim por diante. O objetivo é definir as sequências e interdependências (no exemplo, isso foi feito através das setas de conexão) entre todas as tarefas identificadas:

 

 

A lógica acima pode ser interpretada da seguinte maneira:

– estabeleci que o ponto de partida será definir o orçamento. Afinal, sem esse parâmetro não consigo escolher o local da cerimônia, nem que tipo de bufê poderá ser contratado, nem a quantidade de convidados, e assim por diante;

– a partir do orçamento, utilizei o critério de interdependência para organizar as tarefas em sequências razoáveis. Cada uma delas representa um grande tema que tenho de manter no radar, por exemplo: “convidados”, “local da cerimônia”, “trajes”. Chamarei essas sequências de rotas;

– isso me deixa com oito rotas (flechas partindo da tarefa definir orçamento) possíveis até o Grande Dia;

– selecionando uma delas para detalhamento – definir data do casamento (flechas rosa). Aqui existe uma tarefa acessória – escolher bolo e doces – representando um “desvio” na rota que pode ou não ocorrer, visto que esses itens eventualmente farão parte da mesma etapa de agendar visitas e degustação;

– note que haverá rotas mais longas, ou seja, com mais etapas até o Grande Dia, e outras mais curtas, eventualmente com uma única tarefa (vide flechas verdes). Sem dúvida, essas tarefas também são muito importantes para o projeto, mas elas não têm nenhuma dependência e tampouco afetam as demais. Pense nas alianças, por exemplo, que não causam impacto à escolha do local, dos convites, trajes, documentação ou qualquer outra tarefa listada no quadro, a não ser o próprio evento (Grande Dia);

– durante esta etapa, é normal lembrar-se de tarefas que não haviam sido listadas na anterior. Cole os novos post its nos lugares adequados e ajuste as rotas;

– é importante tentar ser o mais assertivo possível no desenho dessas rotas. Porém, o principal objetivo é mapear as rotas, a fim de ter uma estimativa do caminho mais longo a ser percorrido. Esse número balizará a criação do Diagrama de Gantt, como veremos a seguir. Sendo assim, não se preocupe em estabelecer todas as relações lógicas possíveis e, muito menos, um mapa definitivo da sequência de tarefas. Isso acontecerá de forma gradual.

03. Estime prazos

Finalizado o mapa de sequência de tarefas, defina um padrão de tempo (pode ser dias, semanas ou meses, conforme o tamanho do projeto) e estime quanto você levará para concluir cada uma das tarefas:

 

 

Importante:

– seja realista, preferencialmente conservador: problemas acontecem e é preciso ter margem para ajustes e adaptações;

– pessoas diferentes darão estimativas diferentes para um mesmo projeto. Por este motivo, envolva o time todo o mais cedo possível na etapa de planejamento, a fim de que os especialistas na execução de cada tarefa possam contribuir com sua experiência. Caso haja variações muito grandes para uma tarefa, solicite às pessoas que deram o maior e o menor número que justifiquem a razão por trás de sua estimativa – normalmente, após um debate, elas chegarão a um novo valor, mais próximo um do outro;

– em caso de projetos pessoais, como no exemplo deste artigo, as estimativas também podem variar de uma pessoa para outra por questões como: orçamento disponível, definição de prioridades e perfil comportamental (saiba mais sobre este aspecto aqui);

– seja assertivo, mas tenha em mente que algumas estimativas certamente sofrerão desvios quando o plano for posto em prática.

 

04. Trace a rota crítica

A rota crítica é indicada pelo caminho mais longo (em tempo, não em quantidade de etapas!) que liga a primeira tarefa, definir orçamento, à última, Grande Dia. Este é o caminho que realmente nos interessa, porque representa a melhor referência temporal para a conclusão do projeto.

Note que, apesar de ser a mais longa, ela pode simbolizar o tempo mínimo de conclusão, porque haverá concomitância de atividades, como veremos após a construção do Diagrama, diminuindo o ritmo de avanço ou mesmo precisando de replanejamentos.

Some então o total de semanas de cada uma das rotas traçadas:

 

 

Assim, nosso caminho mais longo tem duração de 14 semanas e passa pelas tarefas: (i) definir orçamento; (ii) escolher vestido da noiva; (iii) provar/ajustar vestido da noiva; (iv) escolher trajes do noivo; (v) agendar dia da noiva/noivo. Esta será a linha mestra de nosso Diagrama de Gantt.

Adicionalmente, defina possíveis interdependências entre as demais tarefas e aquelas indicadas na rota crítica (flechas pontilhadas azuis):

 

Em nosso exemplo, contratar carro para noiva e enviar convites para a gráfica são tarefas que dependem de reservar local da cerimônia.

 

05. Transporte tudo para o Excel

Há várias ferramentas disponíveis para transformar seu quadro de post its em um Diagrama de Gantt. Gosto do Excel pela flexibilidade que ele oferece, as possibilidades de customização e também pelo fato de que este é um software que a maioria das pessoas já têm e utiliza em ambientes corporativos – no caso do MS Project, por exemplo, será necessário adquirir licenças específicas e quem não a tiver não conseguirá abrir o arquivo (ou terá de receber uma versão em Excel, que não é muito prática).

Nesta etapa, então, listamos em uma coluna todas as atividades que compõem a rota crítica:

 

 

Logo abaixo, todas as outras tarefas:

 

 

No topo, coloque os números referentes às semanas (ou sua unidade de tempo) que totalizam a rota crítica – 14, no caso:

 

Agora, e a fim de automatizar o desenho das linhas de tempo, em vez de ficar pintando as células individualmente, utilize a “formatação condicional”.

Para isso, selecione todas as células que concatenam tarefas com semanas de execução – no exemplo abaixo, G2:T30 –, clique em Página inicial > Formatação condicional > Regras de realce das células > É maior do que, e defina valor > 0



 

Para diferenciar a rota crítica das demais, costumo formatá-la com uma cor diferente. Dessa forma, obtemos uma planilha em que toda vez que digitamos valor nas células com formatação condicional, elas ficam desta forma:

 

 

A partir daí, preencha as células das tarefas da rota crítica com “1”, conforme sua duração. No caso do Grande Dia, como ela representa um evento e não uma tarefa propriamente dita, prefiro usar a função de bordas, selecionando a coluna inteira (U) e aplicando a opção de borda lateral esquerda. Assim, delimito o encerramento ou entrega do projeto:

 


 

Este é um bom momento para revisar as estimativas iniciais, caso elas pareçam incorretas na projeção da linha do tempo.

Agora podemos preencher a duração das demais atividades, respeitando a sequência que foi definida em nosso diagrama de post its anteriormente e suas interdependências. Para facilitar este ponto, recomendo que você siga cada uma das rotas traçadas anteriormente. Por exemplo:

 

 

– nenhuma tarefa antecede definir orçamento. Por isso, nenhuma poderá ser colocada antes dela na planilha;

definir padrinhos / madrinhas, vem logo a frente e pode ser realizada antes de definir data do casamento. O mesmo vale para montar lista de convidados. Já a respeito de escolher modelo de convite, esta tarefa talvez seja pertinente após contratar decoração, pois o tema da celebração pode ser replicado nos convites.

Siga com este exercício de identificar tarefas antecessoras e sucessoras, inclusive atualizando o diagrama de post its, se julgar necessário. E observe que, no caso de interdependências, será preciso ajustar as tarefas para que iniciem somente após a conclusão daquelas das quais dependem – e isso pode fazer com que as 14 semanas previstas inicialmente se transformem em um número maior.

O resultado será uma projeção de linhas do tempo:

 

 

As setas indicam margens possíveis para antecipar ou postergar uma tarefa, conforme suas interdependências. Além disso, é válido reorganizar a sequência de tarefas na planilha para facilitar sua visualização e, principalmente, as validações que faremos mais adiante:

 

 

Agora nosso Diagrama está pronto para a etapa final.

06. Refine o Diagrama

Neste momento, devemos revisar o modelo criado e otimizar a distribuição de tarefas, especialmente nos casos de concomitância. Se considerarmos a semana 2, por exemplo:

 

temos cinco tarefas planejadas. Será possível definir padrinhos / madrinhas + comprar alianças + definir data do casamento + escolher lembrancinhas + providenciar documentação ao mesmo tempo?

Tudo indica que não, pois grande parte dessas tarefas envolve várias atividades, deslocamento e agendamentos que vão tornar essa semana caótica, caso sigamos dessa forma.

Assim, podemos movimentar algumas dessas tarefas ao longo das próximas semanas, privilegiando aquelas que têm margem, isto é, que não dependem de outras. E, caso isso não seja possível, teremos de arrastar alguns blocos maiores de tarefas, eventualmente da própria rota crítica, a fim de comportar uma execução viável do plano – ainda que isso faça nosso projeto saltar de 14 para 18 semanas, por exemplo.

Consequentemente, é fundamental realizar um exercício crítico envolvendo todo o time do projeto, para que o Diagrama de Gantt seja uma versão viável do objetivo, e não apenas uma representação idealizada, a partir da qual o time já sai frustrado.

Aperfeiçoando seu Gantt

Com o tempo, você terá diversas ideias que poderão ser implantadas em seu diagrama para torná-lo mais prático. Algumas sugestões:

 

 

– em vez de utilizar o número “1”, que ativava a formatação condicional, você pode especificar em cada célula o número real de horas que serão dedicadas à tarefa em questão, ao longo de cada semana. Ou o custo-hora estimado, dando ao seu diagrama uma perspectiva financeira;

– inclua o somatório na última linha, permitindo também uma visão de totais por tarefa (de semanas, horas, custo etc.);

– ao final das colunas, inclua um somatório para verificar totais por semana;

– em relação à utilização de horas, e a menos que haja um acordo específico de que o time estará dedicado full time ao projeto, recomendo definir uma alocação máxima de 25% (10h) por semana;

– mesmo em casos de alocação full time, tenha em mente que as pessoas, em um momento ou outro, serão acessadas por demandas de sua rotina fora do projeto. Dependendo da estratégia adotada e da fase em andamento, isso pode ser crítico;

– você pode definir notações para indicar tarefas atrasadas e, principalmente, seu impacto na data de conclusão do projeto. Geralmente uso uma cor mais forte com bordas pontilhadas para evidenciar isso;

– você pode utilizar a última coluna para indicar a pessoa responsável (owner) pela entrega de cada atividade;

– não existe uma ordem de tarefas a ser plotada no diagrama – a única regra é manter a rota crítica no topo. Então, ajuste-as até que sua interpretação se torne fácil e intuitiva

O Diagrama de Gantt é uma ótima ferramenta para auxiliar na comunicação do projeto, organizar a alocação do time e demonstrar o progresso das atividades – além de funcionar como cronograma! Use sua criatividade para acrescentar e customizar elementos, aperfeiçoando ainda mais suas funcionalidades. Boa jornada – e, neste caso, um bom casamento!

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Tiago Rodrigo

Tiago Rodrigo

Entusiasta de frameworks ágeis, Kanban e Trello - mas, acima de tudo, do protagonismo e do encontro de cada um com seu propósito. Economista Comportamental dedicado a esta ciência multidisciplinar na construção de modelos que facilitem e simplifiquem a tomada de decisão em diversos contextos.

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