Dizia Charles Buxton:
“Você nunca encontrará tempo para nada. Se precisar de tempo, terá de criá-lo”.
Manhã de segunda-feira, acabo de chegar à empresa. Ligo o notebook e dou um pulinho até a copa, a fim de tomar o primeiro café do dia. Lá, encontro um colega que está trabalhando em um projeto do qual não participo; sabendo de minha afinidade com planilhas, ele tem uma ideia: pedir para que eu compile os dados de uma pesquisa, já que, para mim, “vai levar só um minutinho”. Ele reforça que precisa desse resultado até sexta-feira, fim do dia. Despreparado para a solicitação, respondo um automático, porém solícito, “tudo bem, deixa comigo”.
Naquela mesma tarde, através de um grupo do WhatsApp criado tempos atrás, uma pessoa que não conheço compartilha o link de uma pesquisa que sua amiga está realizando para uma tese de doutorado. O formulário tem de ser preenchido até sexta. Sem sequer abrir a página para entender a quantidade de perguntas e a profundidade esperada nas respostas, corro enviar uma mensagem me comprometendo ajudar.
De volta à mesa, abro minha agenda digital e vejo o resumo da semana: aula na quinta-feira à noite (e lembro-me de que há leituras de apoio pendentes) e uma apresentação de workshop com oito horas de duração na sexta. Não comecei a preparar o material, mas… o que pode dar errado? Ainda estamos na segunda. Certo?
Os dias passam e continuo dizendo “sim” para uma série de pequenas atividades, em geral com pouca relevância, e nenhuma delas planejadas e priorizada sem minha relação semanal. Até que a, agora sobrecarregada, sexta-feira amanhece e, com ela, a constatação de que se trata, na verdade, de um dia normal, de 24 horas – e não uma versão estendida de 48h. Imediatamente percebo que elas não serão suficientes para lidar com todo os “sins” que fui acumulando ao longo dos outros dias.
Esse cenário é bastante comum: várias pessoas estruturam listas, a fim de organizar seu dia. Cada relação dessas enumera vinte, trinta itens a serem cumpridos em uma determinada data. Mas ansiosos pela quantidade de tarefas, acabamos adotando uma estratégia de resultado duvidoso: começamos pelas tarefas mais fáceis e simples, e seguimos “ticando” a lista. Ao final do dia, e a despeito de ter baixado 60% do planejado, a sensação de frustração e tempo perdido persiste: afinal, fizemos apenas aquilo que era mais fácil, e não necessariamente o que era importante – a lista não estava priorizada.
Ao longo do dia, interrompemos e somos interrompidos o tempo todo por notificações, alertas, sinais luminosos, vibrações, toques customizados e outros ímãs de atenção emitidos pelo smartphone. Esses estímulos ativam reações cerebrais automáticas, límbicas, difíceis de controlar. E, dessa forma, acabamos impelidos a desbloquear a tela e consultar o que está acontecendo – quase sempre, algo sem importância. Não nos damos conta, porém, de que essas interrupções geram um esforço cognitivo adicional para retomarmos o foco de atenção ao que estávamos fazendo – pesquisas em Neurociência apontam o número: 23 minutos e 15 segundos, em média.
Faça as contas: 23 minutos (pode arredondar) multiplicados pelo número de vezes que você consulta o celular ao longo do dia. O resultado é o ônus do mundo digital sobre sua produtividade.
Distrações como essa não têm impacto apenas sobre a produtividade: sua principal consequência são os efeitos emocionais negativos. Segundo a pesquisa científica de Gloria Mark (2008), essas interrupções levam a situações de aumento de estresse e mau-humor, sem contar a perda de linhas de raciocínio importantes, que talvez demorem muito tempo mais para serem re-associadas – se é que o serão. Mark apurou também que, durante um dia normal de trabalho, as pessoas consultam seu e-mail em média 74 vezes – embora haja casos mais graves em que esse número chega a 435!
Há interrupções mais difíceis de controlar – pessoas vindo à sua mesa fazer perguntas de trabalho, por exemplo; outras, porém, são “autoinfligidas”: o famoso Alt+Tab entre o processador de texto, em que você elabora o relatório gerencial com prazo de entrega em contagem regressiva, e o navegador da internet, aberto na timeline do Facebook. Nesse ritmo frenético de alternâncias do foco de atenção simplesmente não é possível atingir aquilo que Mihaly Csikszentmihalyi chama de flow – um estado de concentração em que as ideias se concatenam em fluxos criativos.
Administração do tempo pós-Mozart: o pomodoro
Os biógrafos do compositor austríaco retratam que ele possuía uma qualidade bastante rara: Wolfgang Amadeus Mozart era capaz de trabalhar em diversas composições ao mesmo tempo, todas elas, como viríamos depois, obras de arte. Mas ele é talvez o único exemplo conhecido com essa capacidade. Tendemos a nos considerar grandes praticantes do multitasking, mas é improvável que tenhamos desenvolvido esse perfil de “Mozart executivo” – expressão criada por Peter Drucker (1967).
Ao contrário, somos seres humanos com capacidade de cognição sequencial: qualquer tarefa que exija certo nível de concentração terá de ser realizada de forma individualizada; para que possamos nos dedicar a outra, é necessário terminar (ou pausar) a anterior, e assim sucessivamente.
Isso, no entanto, é bastante difícil, especialmente se considerarmos os aplicativos de comunicação instantânea – inclusive os corporativos – que disparam caixas de diálogo sempre que uma nova mensagem é enviada e quase nos obrigam a respondê-la imediatamente. De fato, existe uma expectativa social na maioria das empresas de que as respostas devem ser imediatas.
Já passou por alguma situação em que um e-mail acabou de chegar a sua caixa de entrada e, segundos depois, o remetente veio a sua mesa informar que havia mandado um e-mail?
É comum nos prendermos a esses maus hábitos e perceber, apenas no fim do dia, que as oito horas passadas no escritório foram em vão – o que nos leva a estender jornadas e/ou levar o trabalho para casa.
Uma técnica que ficou bastante conhecida e foi difundida pelo mundo a partir da segunda metade dos anos 80 é a chamada “Técnica do Pomodoro”, desenvolvida pelo italiano Francesco Cirillo. Nela, usa-se um timer de cozinha (na versão original com o formato de um tomate, o pomodoro em italiano), no qual definimos um tempo de 25 minutos em que permaneceremos focados em uma determinada atividade, nos abstendo de qualquer interrupção. Ao soar do timer, são permitidos 5 minutos de descanso. E então programamos um novo ciclo de foco, repetindo essa sequência quatro vezes, ao final das quais podemos fazer um intervalo mais longo, de 15 a 30 minutos. De maneira geral, a metodologia funciona da seguinte forma:
– Relacione as atividades que deverão realizadas no dia;
– Identifique quantos pomodoros de 25 minutos cada atividade requer;
– Organize as atividades por ordem de prioridade;
– Monte uma timeline do seu dia, identificando quantos pomodoros podem ser cumpridos em cada período, encaixando as atividades priorizadas nesses pomodoros;
– Aprenda a “defender seu pomodoro” das interferências que inevitavelmente vão aparecer durante seu tempo de foco;
– Utilize o pomodoro não apenas executando a atividade durante esse período, mas também separando alguns minutos antes, para recapitular o que precisa ser feito e, ao final, para revisar o trabalho realizado; e
– Por último, não se esqueça de incluir no planejamento dos pomodoros atividades e objetivos que têm relevância pessoal. Sim, separe alguns ciclos para cuidar de si, seja realizando atividades físicas, estudando, ouvindo sua banda favorita ou programando momentos de reflexão.
Como dica final, não preencha todas as oito horas de seu dia: imprevistos surgem a qualquer momento. Por isso, é essencial ter uma margem para lidar com eles, a fim de gerar o menor impacto possível no planejamento original do dia.
As três esferas
No Brasil, Christian Barbosa desenvolveu um método para auxiliar pessoas a administrar seu tempo de forma mais produtiva – a chamada “Tríade do Tempo”. Nela, classificamos nossas atividades atuais e futuras em três esferas:
– urgentes: atividades cujo prazo de entrega é curto ou já se esgotou; é representada por demandas que nem sempre podem ser antevistas, e que têm grande potencial de provocar consequências negativas (seja no âmbito pessoal ou profissional). Comumente, são fonte de estresse;
– importantes: atividades que realizamos e trazem resultados relevantes em nossa vida. Geralmente têm um prazo definido, mas não se encaixam na esfera da urgência, porque podem ser planejadas e desenvolvidas com mais calma. Uma característica essencial delas é a satisfação que nos trazem ao serem realizadas e/ou o desenvolvimento pessoal (entendido aqui da forma mais ampla possível) que fomentam;
– circunstanciais: tarefas com pouca ou nenhuma relevância; interrupções; demandas extras que são solicitadas, mas que não trazem benefício a seus objetivos. De forma geral, são formas de desperdício de tempo e que, somadas, desorganizam o seu dia. Exemplo: navegação em redes sociais, consulta constante a notificações do celular, a função “soneca” do despertador. Ao final do dia, é o conjunto de tarefas desta esfera que causa a maior parcela da frustração.
A partir daí, conseguimos ter uma noção exata de como está nossa distribuição do tempo. Dica: no mundo ideal, as atividades importantes deveriam ocupar 70% de sua agenda, sendo o restante dividido entre urgentes (20%) e circunstanciais(10%), e então dar início a um processo de revisão, reorganização e repriorização.
Temos mais ou menos tempo livre?
Há uma falsa ideia de que o tempo que dedicamos ao trabalho aumentou nos últimos anos. Na verdade, hoje temos mais tempo livre para lazer do que as pessoas dos anos 50, por exemplo, possuíam – e isso graças a uma série de avanços tecnológicos na forma de equipamentos eletrônicos, que automatizaram e simplificaram tarefas.
Nosso desperdício de tempo está relacionado à conexão com a tecnologia, que acaba fragmentando nosso foco de atenção e prejudicando a produtividade com inúmeras microdistrações.
Permita-se acessar as configurações do seu smartphone e desligaras notificações de (quase) todos os aplicativos. Você não precisa:
– de alertas cada vez que alguém da sua rede de contatos no Facebook posta alguma coisa;
– nem que o aparelho vibre quando os apps de entrega e transporte liberarem um novo cupom de desconto (geralmente em momentos e dias em que você não os utilizaria de qualquer forma);
– nem de um toque cada vez que chegar uma mensagem do WhatsApp – porque a maioria delas provavelmente não tem grande utilidade e pode ser vista posteriormente (ou ignoradas).
Técnicas para organização e priorização
Finalizamos o artigo com algumas dicas e exercícios adicionais, que podem ser colocados em prática agora mesmo, a fim de que você consiga reorganizar o seu dia, priorizando atividades e atingindo seus objetivos de maneira eficiente:
– planeje seu tempo com o mesmo zelo com que você planeja seus gastos: muitas pessoas criam métodos e usam ferramentas para acompanhar e controlar o orçamento; pouquíssimas, contudo, têm o mesmo cuidado com o tempo. Este é nosso recurso mais valioso – e o mais escasso. Devemos planejá-lo com uma espécie de orçamento que deve ser distribuído entre as tarefas. Como você alocaria suas 168h semanais? Reparem que não estou me referindo a ocupar todo o tempo com trabalho, estudo ou atividades ditas “produtivas”; apenas organizar suas horas de forma que o tempo possa ser percebido de maneira leve e agradável, deixando a sensação (com o passar dos anos cada vez mais nostálgica) de que valeu a pena;
– MVA (most valuable activities): este conceito foi desenvolvido por Dave Crenshaw, instrutor do LinkedIn Learning e especialista em produtividade. Liste todas as tarefas que você executa e classifique-as de acordo com o valor que elas agregam ao seu trabalho e/ou seu desenvolvimento e que, além disso, trazem prazer. O topo da lista representa as tarefas nas quais você deveria dedicar a maior parcela do seu “orçamento”;
– crie procedimentos ou planos de ação para atividades recorrentes. Dessa forma, será mais rápido resolvê-las assim que surgirem;
– listas: quantas vezes você passou horas tentando “se lembrar de não esquecer algo”? Não use sua mente como uma caixa de entrada de atividades que você precisa decidir o que fazer. Anote-as em uma lista (adoramos os apps Trello e Evernote) e livre-se dessa carga cognitiva, que apenas gera distrações;
– aprenda a dizer não, especialmente quando se tratar de tarefas circunstanciais.
Administrar bem o tempo é um desafio que requer método e disciplina, mas que está ao alcance de qualquer pessoa. Com as dicas demonstradas aqui, é possível reorganizar sua rotina, para que “sobre” tempo para cuidar daquilo que, no fim das contas, é o mais importante em sua lista de pendências: você mesmo.
Saiba mais em:
BARBOSA, Christian. (2018). A tríade do tempo. São Paulo: Buzz Editora.
CSIKSZENTMIHALYI,Mihaly. (2008). Flow: the psychology of optimal experience. HarperCollinse-books.
DRUECKER, Peter.(2017). The effective executive – the definitive guide to getting the rightthings done. Harper Business e-book revised edition.
MARK, Gloriaet al. (2008). The cost of interrupted work: more speed and stress. CHI (2008). Disponível em: https://www.ics.uci.edu/~gmark/chi08-mark.pdf.
MARK, Gloria. (2016). Entrevista concedida a Tristan Harrispara o programa “Your undivided attention podcast”, episódio 07: “Sorry for theinterruptions”. Center for Humane Technology, Transcrição da gravação disponível em:
WHILLANS, AshleyWhillans. (2019). TED Talk: “A simple strategy for happiness”. Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=C36WaLcHpEY.
WHILLANS, Ashley Victoria. (2020). Timesmart: how to reclaim your time and live a happier life. Cambridge, MA: HarvardBusiness Publishing.