Artigo publicado na Revista HSM em Março de 2020.
O maior desafio dos líderes contemporâneos é promover o engajamento das pessoas responsáveis pela execução das estratégias e pelos processos que conduzirão à máxima satisfação de seus clientes.
Os índices de engajamento, já está provado, impactam diretamente a produtividade e o crescimento das organizações, mas suas médias históricas – sem desconsiderar honrosas exceções – são insuficientes para o tipo de resultado sustentável a que elas aspiram.
As transformações intensas e as incertezas de nossa Era, bem como os caóticos ambientes urbanos em que a maioria de nós precisa viver e trabalhar, certamente não contribuem para facilitar essa missão quase impossível, mas tenho insistido que o caminho para melhorar substancialmente esses indicadores passa por algo que está, sim, ao nosso alcance: a humanização das práticas de Liderança. Mas o que quero dizer com Liderança Humanizada?
Afastemos, antes de prosseguir, a ideia estereotipada de “chefe bonzinho” que está muito longe de representar o que desejo transmitir.
Essa é, por sinal, uma ideia facilmente implementável com a ajuda de um bom teste de perfil psicológico e igualmente fácil de provar-se ineficaz.
Em vez disso, o que chamo de Liderança Humanizada se refere ao desenvolvimento de cinco atributos estruturais:
- Maturidade
- Visão Integral
- Compreensão do impacto do fator Humano
- Práticas estabelecidas para o desenvolvimento das pessoas
- Um novo paradigma sobre o capitalismo
Investiguemos cada um desses elementos para que minha proposição se esclareça:
Maturidade
O doutor Robert Kegan, professor da Universidade de Harvard e autor de livros premiados, como Imunidade à Mudança, passou anos de sua vida pesquisando os fatores de eficácia da liderança organizacional em um mundo caótico, antes de concluir que as expectativas que recaem sobre os líderes agora requerem algo mais do que mudança de comportamento, ou a simples aquisição de habilidades específicas, ou ainda o domínio de algum conhecimento em particular.
Elas criam demandas que recaem sobre as nossas mentes, sobre o modo como nós interpretamos a realidade, sobre o grau da complexidade de nossas consciências.
Na trilha das pesquisas dos grandes psicólogos da cognição como Piaget e Gardner, Kegan distingue diversos níveis de maturidade da consciência, desde o nascimento de uma criança até a plenitude de sua vida adulta, demonstrando que a maioria de nós tem dificuldade para ultrapassar o nível que ele denomina Mente Socializada.
É nesse estágio que aprendemos a navegar pelo mar de regras e convenções sociais em que estamos inseridos. Alguns são mais adaptativos, outros tendem à independência e até à rebeldia, mas em geral nos comportamos com base em referenciais externos a nós, agindo e reagindo, positiva ou negativamente, impelidos pelo meio, de fora para dentro.
Qualquer líder cuja consciência opere nessa condição, fracassará em sua tentativa de ampliar os índices de engajamento, porque inevitavelmente, fará parte dos problemas que geram o seu contrário: ele manterá posturas egocêntricas e ou etnocêntricas, sentindo a limitação das forças e do entendimento que o fariam situar-se acima da conflituosa zona das mentes socializadas.
Kegan mapeou outros dois níveis no continuum da maturidade para além da Mente Socializada: a Mente Autoral e a Mente Autotransformadora – esta última representando a rara capacidade inspiradora e integradora dos grandes líderes da Humanidade, de um Lincoln ou de um Mandela.
Mas a chave iniciática do que precisamos para humanizar a Liderança encontra-se já no nível precedente (a Mente Autoral), que é quando deixamos de viver positiva ou negativamente por referenciais externos a nós mesmos, conseguimos observar nossas tendências ao condicionamento comportamental a ponto de nos desvincular delas, e aprendemos a nos estabelecer sobre um bem estruturado sistema de valores e objetivos internos.
Tudo isso graças à autorreflexão, autorregulação e autocrítica – em suma, ao autoconhecimento.
Esse é o momento em que deixamos de nos comparar aos outros e mergulhamos na aventura da autenticidade, ao mesmo tempo em que nos tornamos muito mais sensíveis à condição também singular de todos os que estão ao nosso redor.
Para refletir sobre o nível de consciência em que você se encontra atualmente em seu desenvolvimento, estude o quadro abaixo que elaborei, utilizando nomenclatura mais antiga, da pesquisadora Carol Gilligan, que trata do mesmo assunto.
Em qual dos quatro estágios você acredita estar vivendo atualmente? O nível pluralista equivale à Mente Autoral de Kegan, e o Mundicêntrico equivale à Mente Autotransformadora.
Visão Integral
O desenvolvimento da Mente Autoral é fruto de um extenso processo de autoconhecimento do indivíduo que vai, paulatina ou abruptamente, atravessando novas e mais abrangentes experiências emocionais, cognitivas e espirituais.
Quando o crescimento psíquico se realiza livre de impedimentos patológicos, desemboca, naturalmente, nas primeiras experiências da Mente Autotransformadora, estágio em que a complexidade deixa de ser perturbadora e passa a ser percebida como desafio estimulante.
É nesse ponto do processo que os modelos de Visão Integral se tornam necessários.
No passado, as imagens de uma mandala ou as formas arquitetônicas de uma catedral assumiam, metaforicamente, o papel desses modelos, mas hoje podemos nos beneficiar de estruturas lógicas, como é o caso da Matriz Integral, criada e difundida pelo filósofo estadunidense Ken Wilber.
A matriz é formada por duas dicotomias que se combinam. A primeira conjuga subjetividade e objetividade. Nossa saúde psíquica e espiritual é representada na dimensão subjetiva, e a saúde física-financeira aparece na dimensão objetiva.
A segunda dicotomia conjuga as funções diferenciadora e integradora do desenvolvimento humano – todos precisamos exprimir no mundo nossa singularidade, sem deixar de cultivar relacionamentos qualificados.
Um líder com visão integral atribui igual valor aos quatro quadrantes da matriz, e trabalha para promover a saúde em todos eles.
Compreensão do fator humano
O principal sinal da maturidade de um líder é a sua sensibilidade empática, seu empenho em criar condições para que as pessoas sob sua liderança cresçam e realizem seus papéis profissionais dentro de certas condições de equilíbrio.
Os cinco fatores críticos de engajamento segundo Maylett e Warner resumem bem essa postura:
- O líder ajuda as pessoas a encontrarem o máximo de sentido em suas atribuições;
- Dão-lhes alto grau de autonomia na escolha de tarefas, métodos, equipes, lugar e horário para se desincumbirem de suas responsabilidades;
- São parceiros no planejamento e no fornecimento de recursos para que elas conheçam e desenvolvam suas forças autênticas e talentos;
- Ajudam-nas a ter consciência do impacto positivo de seu trabalho para os clientes e para a sociedade em geral;
- Promovem eventos de confraternização para que todos se conectem e se integrem cada vez melhor, pois o senso de pertencimento é um dos elementos vitais da saúde psíquica individual e coletiva.
Nossos líderes têm falhado na criação dessas condições. Os índices de engajamento são baixos em quase todos os países. A média global é de apenas 13%.
Estudos indicam que 27% dos brasileiros estão engajados no trabalho, ou seja, emocionalmente conectados à profissão e concentrados em gerar resultados para as empresas todos os dias.
Apesar de superar a média global, esse percentual é ainda muito baixo, principalmente se considerarmos que por aqui os números de esgotamento físico, mental e emocional, também chamado de burnout, andam nas alturas.
Os dados mais recentes divulgados pela International Stress Management Association no Brasil (Isma-BR) dão conta desse verdadeiro massacre:
- Com 30% dos trabalhadores sofrendo com esgotamento profissional, o Brasil ocupa o segundo lugar entre os países com maior incidência de Burnout, atrás apenas do Japão, mas na frente de China e Estados Unidos.
- O estresse crônico atingiu 45% dos presidentes e CEOs brasileiros, 39% dos diretores e 50% dos profissionais em cargos de gerência.
Práticas estabelecidas para o desenvolvimento saudável das pessoas
Acredito que já esteja claro, a esta altura, que a Liderança Humanizada é uma arte e uma técnica, que demanda de nós noções e práticas bastante sofisticadas.
É por isso que tenho insistido que Líderes precisam passar por um profundo processo de autoconhecimento, mas também necessitam conhecer mais sobre seres humanos, precisam estudar Psicologia, Neurociência e até mesmo Antropologia, Sociologia e Filosofia.
Por enquanto, a maioria entende muito mais de negócios do que de pessoas, e passa mais tempo tratando daquilo que conhece. Essa é uma das razões de tanto sofrimento refletido nos números do burnout.
A Liderança Humanizada é uma missão quase impossível para líderes imaturos atuando em organizações mal estruturadas. Eles criam ambientes comparativos, ameaçadores, emocionalmente frios e vazios de propósito, tudo aquilo que os neurocientistas explicam que conduzirá as pessoas, mais cedo ou mais tarde, ao estresse crônico.
Em comparação, Líderes Humanizados desenvolvem e consolidam práticas estimulantes e respeitosas, considerando a integralidade das pessoas, sua necessidade natural de conciliar diferenciação e integração para o crescimento.
Isso desde o momento da contratação, passando pela preocupação de situar as pessoas certas no lugar certo, fazendo acordos de desempenho bem alinhados às suas forças autênticas, dando-lhes voz e protagonismo, mantendo uma comunicação honesta, transparente, dialógica, empática, consistente, e investindo continuamente no despertamento de seus potenciais.
Tais ações possibilitam às pessoas brilharem, dentro ou fora da organização, pois faz parte da aventura do desenvolvimento humano que elas mudem, progridam, sigam suas aspirações, sentido-se gratas, certamente, mas nunca presas às plataformas que as lançaram para a grandeza.
Um novo paradigma sobre o Capitalismo
Sei que a imagem de uma Liderança Humanizada, de acordo com a apresentação que realizei neste artigo, não se encaixa na moldura do capitalismo contemporâneo. A verdade é que estamos em uma encruzilhada na evolução humana e social.
Teremos, sim, de reinventar nossos sistemas a partir de novos paradigmas. Não sonho com um capitalismo humanizado. Sonho com um humanismo capitalizado, em que o desenvolvimento das pessoas deixará de ser considerado um meio para a obtenção de resultados econômicos e passará a ser visto como um fim em si mesmo.
Nesse novo cenário, as organizações terão de superar os modelos de T&D dos departamentos de recursos humanos e até mesmo as Universidades Corporativas, para tornarem-se Escolas de Florescimento do Potencial Humano. Quem viver, verá.