Vamos falar sobre a “Jornada do Herói”, porque este tema também diz muito sobre nós mesmos, os heróis do cotidiano. Vivemos uma grande jornada que é a vida. Ao longo dela, passamos por diversos enfrentamentos que nos levam a refletir sobre as escolhas que fazemos e valores que carregamos. E devemos honrar esta história, porque, além de ser nossa, é única.
Como surgiu a jornada
Desde a Antiguidade, o homem usa histórias para descrever fenômenos que não consegue compreender ou explicar. As narrativas mitológicas provocam nosso imaginário porque falam da estrutura da vida e se compõem de elementos essencialmente humanos, nos levando, pela analogia, a entender os recursos que formam a nossa história.
Este sistema de autoconhecimento foi estruturado por Joseph Campbell na década de 1940. Antropólogo e pesquisador, ele foi um estudioso de narrativas. E ao analisar falas mitológicas e contos populares do mundo todo, observou uma estrutura básica em todos eles, um padrão. Todas estas histórias envolvendo criaturas fantásticas, deuses, ou ainda as histórias de Jesus, Maomé, Buda, contam a jornada de um herói, que ele denominou “monomito”. Em 1949, Campbell escreveu então o livro “O herói de mil faces”, em que propõe a aventura do herói.
O entendimento sobre o “monomito” é relevante, visto que esta figura está presente em todos nós e provoca emoções que nos remetem às nossas próprias vivências. Para Campbell o propósito deste saber é justamente colaborar na compreensão entre os seres humanos.
Há diversos outros elementos que podemos aprender com a Jornada do Herói, como, por exemplo: a não desistir; encontrar nossas raízes; agradecer; mergulhar no mundo interno [autoconhecimento]; explorar nossas potencialidades e vulnerabilidades; dentre outros.
A jornada do Herói é um percurso para chegarmos no lugar do herói. São as várias experiências que vivemos, por meio das quais acumulamos repertório e lapidamos nossa alma com aprendizados. Ela nos estimula para um perfil e protagonismo de “encontrador”, isto é, realizarmos mergulhos internos para buscar dentro de nós mesmos respostas – em contraponto ao “buscador”, aquele que procura externamente, para dar conta de suas questões internas.
Campbell propõe a aventura em 12 etapas, que são categorizadas em três momentos diferentes, sendo eles: a partida, a iniciação e o retorno. Apresentaremos um overview de cada um e, junto a elas, destacadas em verde, perguntas para que você possa refletir em que momento você está.
Ato I “A PARTIDA”, fase que mostra o herói aspirando a sua jornada e composta pelas etapas:
1. Mundo comum: o herói é apresentado em seu dia-a-dia, momento antes do convite ou do desafio que se apresentará. É o cotidiano normal, antes da grande aventura.
Qual é o seu mundo comum?
2. O chamado ao evento que mudará a vida do herói. Aqui, um convite ou desafio surge e acaba influenciando o protagonista a sair de sua zona de conforto, impulsionando-o para a ação. Essa provocação pode ser uma situação curiosa, de grande sofrimento; um problema aparentemente insolúvel; uma dor ou um chamado nobre; um propósito; uma aventura; ou outro estímulo para sair da conjuntura atual.
Quais chamados, você tem recebido da vida?
3. Recusa ao chamado: o herói tende a recusar ou demorar a aceitar o convite, podendo até ficar anos nessa situação. Quase sempre está relacionada aos diversos medos que sente, insegurança ou sentimento de incapacidade. Temos liberdade de escolhas, mas por indecisão, crenças limitantes ou sabotadores internos, recusamos propostas que gostaríamos de aceitar. E isto tem um preço.
Quais foram os chamados que você recusou? Quais você aceitou?
4. Encontro com o mentor, sábio ou professor, por meio de um treinamento, contato com alguém mais experiente, uma força interior ou ainda uma ajuda divina que dão ao herói segurança, motivando-o a aceitar o chamado. Esta relação gera o conhecimento e a sabedoria para encarar a aventura e atingir a meta. Também pode ser uma situação que o force a tomar esta decisão ou surgir uma situação inesperada que faz sentido, no momento em que mais precisava. “O mentor ensina mais ao homem sobre si mesmo do que ele jamais soube.”
Quem são suas referências?
Ato II “A INICIAÇÃO”. Nesta fase há diversas aventuras experimentadas pelo herói.
5. Cruzamento do limiar ou da fronteira entre o conhecido e o desconhecido. A passagem para as próximas etapas da história só ocorre mediante o rompimento com a vida comum, embarcando nosso protagonista definitivamente na aventura. Deste passo em diante não há mais volta, deverá avançar o final. Ele agora passa efetivamente a ser o herói de sua história e esta é uma narrativa desafiadora.
Como foi sua decisão de sair da zona de conforto? Quais emoções foram ativadas?
6. Testes, aliados e inimigos. Etapa em que acontece o enfrentamento de problemas e incógnitas. O herói confrontará algumas verdades, revelações sobre si mesmo e isto repercutirá na fragilização de sua confiança. Depois, será despido de todas as suas vaidades, certezas, cascas construídas pelo seu ego; em sua mente, agora consciente, tudo que sabia da vida até aqui, suas habilidades, seus conhecimentos não serão mais úteis porque está em território desconhecido. Por isso, terá de desenvolver novas habilidades, redescobrir suas capacidades para assim reconquistar sua confiança. Seu inimigo pode ser ele mesmo ou outro alguém; de qualquer forma, será desafiador. Neste momento gera-se o entendimento da importância e a valorização destes testes, levando-o ao ato de gratidão pelos desafios enfrentados.
Por quais testes você passou? Quais foram suas provações?
7. Aproximação da caverna profunda, local para encarar o cerne do problema, ou seja, todas as verdades: medos, raivas ou culpas. A hora de se deparar e enfrentar a grande força oculta; a provocação é para promover o entendimento de que o inimigo oculto é poderoso porque conhece o íntimo do herói, e por isso pode usar isto como arma contra ele. A verdade assusta, dói, mas também liberta. Com isso, nosso herói segue e vence os desafios.
Quais são seus medos, raivas, seus complexos? Como os superou?
8. Provação ou crise. Aqui se estabelece a maior dificuldade do herói. Esta é a parte mais sofrida do caminho, como um morrer e renascer ou o desaprender para reaprender, transformando-o como pessoa. Com isso, torna-se confiante e capaz de superar todos aqueles problemas que agora parecem pequenos diante de toda a sua jornada.
Qual foi sua maior crise? Como passou por ela?
9. Recompensa. Sim, momento de ser agraciado com algo pela superação de todas as etapas anteriores. O herói conhece os dois mundos. Descobriu suas forças, venceu suas batalhas, integrou sua luz com o lado sombra.
Quais foram suas recompensas depois de suas batalhas?
Ato III “O RETORNO”, fase em que acontece a volta para casa com toda a experiência, conhecimento e os poderes adquiridos durante a aventura.
10. Estrada de volta: aqui o herói costuma voltar para o mundo comum; apesar de haver mais bagagem. Este retorno é triunfante, uma vez que superou seu cotidiano anterior e está mais fortalecido.
Quais aprendizados você leva na bagagem?
11. Ressureição: encontro com o antigo “eu”, percebendo a mudança que lhe aconteceu. O herói ressurge depois de tudo o que aconteceu na sua jornada, demonstrando o quanto conseguimos amadurecer quando encaramos os nossos medos.
Como foi seu retorno ao cotidiano?
12. Regresso com a conquista: além de voltar, nosso herói chega maior e melhor. Com isso, compartilhará os ensinamentos aprendidos com todos a sua volta, finalizando o ciclo desta jornada.
O que você tem a ensinar? Qual o legado da sua jornada?
Nós também chegamos ao final da nossa jornada, e estamos alegres por você, leitor, ter aceitado nosso chamado. Agora, já sabe quais são as etapas que vêm por aí.
Desejamos, então, que sua caminhada envolva sempre um cuidado especial para o autoconhecimento: enfrente dragões, conheça novos lugares e se transforme muitas vezes para novas versões. Afinal, como disse Campbell: “a caverna que você tem medo de entrar guarda o tesouro que procura”.